A disputa por recursos entre os Poderes chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ao menos nove Estados tiveram de recorrer à Corte ou foram acionados por ela em função de atrasos e de tentativas de redução no valor dos repasses mensais feitos ao Judiciário e Legislativo nos últimos dois anos. Diante de orçamentos deficitários, que impedem investimentos em áreas básicas e levam até mesmo ao parcelamento dos salários dos servidores, governos tentam dividir o ajuste fiscal com órgãos que, em muitos casos, registram superávit.
Donos de "fundos de reaparelhamento", Tribunais de Justiça, Assembleias Legislativas e órgãos autônomos, com as Promotorias Estaduais, aplicam os chamados duodécimos (são 12 transferências por ano) em obras milionárias pelo País, em plena crise. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, projeta erguer duas torres novas por R$ 1,2 bilhão. Já o Ministério Público do Tocantins investe cerca de R$ 4 milhões na construção e reforma de Promotorias no interior e em Palmas. E o Legislativo de Goiás constrói uma sede de 44 mil m² avaliada em R$ 112 milhões.
Idealizado desde 2001, o novo prédio da Assembleia de Goiás é pago com recursos do duodécimo da Casa, que, neste ano, poderá chegar a R$ 97 milhões, ou R$ 1,1 bilhão por ano, orçamento maior que o projetado pelo governador Ronaldo Caiado (DEM) na Lei de Diretrizes Orçamentárias: R$ 69 milhões.
Os deputados aprovaram R$ 157 milhões por mês e chegaram a derrubar o veto feito por Caiado ao projeto. Depois, aceitaram reduzir em R$ 60 milhões o recurso só para investimentos e manutenção, sem contar despesas com pessoal.
"A lei diz que o porcentual deve ser, no mínimo, de 3% da receita, o que daria R$ 157 milhões. Mas, em função da crise do Estado, fizemos um acordo. Não precisamos desse valor exorbitante, mesmo tocando uma obra", afirmou o presidente da Assembleia de Goiás, Lissauer Vieira (PSDB). O déficit previsto no Estado para 2020 é de R$ 3,5 bilhões.
As batalhas travadas individualmente são consequência de uma espera de quase duas décadas para o STF julgar artigos suspensos da Lei de Responsabilidade Fiscal que poderiam aliviar os cofres estaduais. Um deles permitiria ao Executivo dividir o aperto fiscal entre os Poderes. O julgamento foi paralisado em agosto quando o placar estava em 5 a 5 - falta o voto do ministro Celso de Mello.
Sem uma regra geral, resta a cada Estado negociar acordos individuais. Caberá ao Supremo decidir, por exemplo, se o Rio Grande do Sul poderá manter sua decisão de congelar o orçamento de 2020, eliminando a chance de reajuste nos duodécimos.
Santa Catarina, Paraná e Goiás também tentaram, sem sucesso, "economizar" nas transferências durante a votação de suas respectivas LDOs, mas sem apelar ao Supremo.
Mato Grosso, Tocantins, Roraima, Rio Grande do Norte, Sergipe, Paraíba e Rio foram acionados na Corte após atrasarem as parcelas, que devem ser pagas até dia 20 - hoje estão normalizadas. Já o Amapá acionou o STF para pagar menos ao Tribunal de Justiça.
Acordos
Após ser derrotado na Assembleia Legislativa de Santa Catarina em sua tentativa de reduzir em R$ 500 milhões as transferências mensais, a partir de um corte linear de 10%, o governo do Comandante Moisés (PSL) fechou um acordo com os chefes dos Poderes que prevê uma devolução de R$ 268 milhões até o fim do ano.
"Isso mostra que há sobra de recursos. Mas só seis dos 40 deputados votaram a favor da redução. A devolução, portanto, é uma conquista, apesar de não ser o modelo ideal", disse o chefe da Casa Civil de Santa Catarina, Douglas Borba.
Situação parecida ocorreu no Paraná. Ratinho Júnior (PSD) tentou reduzir o valor das transferências, sem êxito. A mudança na base de cálculo, para menos, foi vetada na Assembleia, mas o governo conseguiu que o pagamento de pensões do TJ e do MP não saia mais dos cofres estaduais.
Outras duas mudanças ajudarão a aliviar as contas: o governo deixará de pagar as custas processuais judiciais e extrajudiciais e ficará com as "sobras" dos duodécimos ao fim de cada ano. A soma total chega a R$ 150 milhões. "No fim, ficou 'elas por elas'", disse o chefe da Casa Civil do Paraná, Guto Silva.
Para Adib Kassouf Sad, especialista em direito administrativo, a falta de atualização da legislação relativa ao pagamento dos duodécimos - a lei é de 1964 - e a falta de controle da qualidade do gasto levam a dúvidas sobre os repasses. "Mas eles são constitucionais, servem para assegurar a independência entre os Poderes, que não podem ficar com o pires na mão. Precisamos é começar a avaliar a eficiência do uso do dinheiro público, seja por qual órgão for." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.