O bom momento do futebol cearense, com a possível permanência do Ceará na primeira divisão e o título do Fortaleza na Série B, migrando para a elite do Brasileirão, reacendem uma discussão que vem sendo travada nos últimos anos em arquibancadas, ruas e nos parlamentos: a bebida alcoólica deve ou não ser liberada nos estádios de futebol? A possível influência em episódios de violência e experiências positivas em outros estados ou mesmo na Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, são dois lados de uma moeda polêmica, que, na forma de projeto de lei, está pronta para ser votada no Plenário da Assembleia Legislativa.
O Projeto de Lei 237/15, do deputado estadual Gony Arruda (PP), defende a liberação, no interior dos estádios, da venda e do consumo de bebidas alcoólicas com até 10% de teor alcoólico, como a cerveja. A proposta encontra resistência no próprio Estatuto do Torcedor, lei federal que define, como condições de acesso e permanência nos ambientes esportivos, "não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência".
A Federação Cearense de Futebol (FCF) e os dois clubes com maior número de torcedores no Estado, Ceará e Fortaleza, manifestam posicionamento favorável à liberação, enquanto o Ministério Público Estadual (MPE) e o Sindicato dos Médicos do Ceará, por exemplo, criticam a proposta. Já deputados estaduais, que têm a prerrogativa de legislar, se dividem sobre o tema.
Divergências
Depois de um longo caminho desde a apresentação, em outubro de 2015, o projeto de lei foi aprovado na última comissão prevista, a de Orçamento, Finanças e Tributação, no último dia 6 de novembro, e está pronto para entrar na pauta de votação do Legislativo.
Para o deputado Gony Arruda, as comissões representam "um termômetro favorável". "Não tem porque esse projeto não ter a devida acolhida no plenário", defende. Ele cita como argumentos a aceitação de torcedores, a venda já "escancarada" de bebidas na informalidade e a liberação vista durante a Copa do Mundo.
Também favorável, o líder do Governo na Assembleia, deputado Evandro Leitão (PDT) diz que o presidente da Casa, Zezinho Albuquerque (PDT), ainda não pautou, mas considera pouco provável o avanço no Legislativo.
Por meio da assessoria da Presidência, Zezinho Albuquerque reafirma que é contra a venda de bebidas nos estádios e que, de fato, não pretende colocar a matéria em votação agora. "Há outras prioridades tramitando na Casa, e por acreditar que este assunto requer um maior de debate, já que alguns deputados também já se manifestaram contra a matéria", diz em nota.
Entre os parlamentares contrários à proposta está Heitor Ferrer (SD), que percebe na bebida um incentivo à violência. "No momento em que mesmo sem álcool ainda há violência, se amanhã nós liberarmos, vamos sustentar uma barra de já aumentar a violência nos estádios, quebra de cadeiras, agressões entre torcidas. Vamos patrocinar isso? É arriscado", sustenta.
Neste debate, o coordenador do Núcleo de Desporto e Defesa do Torcedor (Nudtor), do Ministério Público do Estado do Ceará, promotor Edvando França, mantém posição firme no tema. Ele entende que uma lei estadual não pode se sobrepor ao Estatuto do Torcedor, uma lei federal. Diz que há estatísticas e análises de psicólogos e psiquiatras sobre a interferência da bebida no comportamento humano.
Edvando destaca que "há um movimento político" em prol da aprovação da matéria, mas revela que tem visitado gabinetes na Assembleia e manteve conversas com o próprio presidente Zezinho Albuquerque. "As assembleias aprovam na marra e o Ministério Público fica correndo atrás pela inconstitucionalidade nos tribunais", comenta.
"Aqui, estão querendo aprovar e nós estamos segurando isso como trem desgovernado. Não é fácil a gente, da área jurídica, segurar o Parlamento. O Parlamento é independente. A gente torce para que não façam isso", completa.
A permissão de venda e consumo de bebida alcoólica durante a Copa do Mundo de 2014, segundo ele, foi uma questão específica, de uma lei temporária apenas durante o evento. "Se aqui liberar, eu vou para o Tribunal de Justiça pedir a suspensão".
Na mesma corrente está o Sindicato dos Médicos do Ceará. Para o presidente, Edmar Fernandes, o consumo de álcool traz grandes prejuízos à sociedade, sendo um dos principais fatores motivadores de "práticas de atos violentos".
Clubes
Já dentro das agremiações esportivas, a proposta é vista com bons olhos. O presidente do Ceará Sporting Club, Robinson de Castro, afirma que já existe venda legalizada na porta do estádio. "O que a gente quer é transformar em uma venda oficial, uma venda formal e não uma venda informal, que é como acontece hoje fora do estádio". Para o dirigente, a mudança poderia evitar tumultos e riscos de acidentes percebidos hoje, com a entrada de última hora dos torcedores que ficam bebendo nas imediações da Arena Castelão, por exemplo.
O presidente do Fortaleza Esporte Clube, Marcelo Paz, consultado sobre o assunto, diz apenas que a "essa pauta é legislativa" e que "não cabe ao clube opinar", mas o vice-presidente do time, Marcelo Desidério, acredita que é preciso assegurar ao torcedor o direito de consumir cerveja no interior das praças esportivas.
"A gente entende que o consumo da bebida alcoólica dentro do estádio vai facilitar a acessibilidade do torcedor, porque ele vai chegar antes, vai consumir dentro, não fora do estádio. É uma discussão que está madura para ser feita. Ano que vem vamos ter grandes públicos", ressalta.
Diretor jurídico da Federação Cearense de Futebol, Leandro Vasques manifesta posicionamento favorável, "desde que os excessos sejam modulados". A ideia, explica ele, é a venda de bebida apenas durante o primeiro tempo e no intervalo da partida, para "desacelerar o torcedor". O vereador Márcio Martins, com articulação junto às torcidas organizadas no Ceará, afirma que é preciso "parar de hipocrisia", citando possíveis prejuízos para a Arena Castelão com a restrição vigente.