Pelo menos R$ 82 milhões pagos ao Fundo Municipal da Saúde (FMS) não teriam sido recebidos por dois hospitais públicos de Fortaleza nos últimos anos, afirmaram gestores das unidades. Dinheiro que chegou ao Município por repasses de programas e investimentos do Ministério da Saúde. E que teria ficado na Prefeitura, prejudicando serviços de média e alta complexidade no HGF e no Hospital de Messejana. Diante das informações expostas em audiência pública na manhã de ontem, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) deve apurar a possibilidade de apropriação indébita e improbidade administrativa.
Foi em meio a discussões sobre como desafogar a emergência do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) que os gestores apontaram a falta de repasses como um dos fatores para a crise na saúde pública na Capital. Desde 2007, a dívida do Município com o Hospital de Messejana teria se acumulado em R$ 67 milhões. Um déficit aproximado de R$ 5 milhões por mês, detalhou a diretora clínica da unidade, Filadélfia Passos. A verba custearia transplantes e cirurgias de alta complexidade.
Parceria com iniciativa privada é possibilidade para desafogar HGF
Do recurso para transplantes na Capital em 2014, nada chegou ao HGF. Conforme o diretor geral da unidade, Romero Esmeraldo, cerca de R$ 15 milhões foram pagos ao FMS. E quase todo o dinheiro deveria ir ao HGF, o que não aconteceu. A unidade estaria sem receber verbas para transplantes e serviços de neurologia. Apenas duas entre 28 tipos de cirurgias foram realizadas ontem no hospital, em suspensão temporária por falta de materiais. De acordo com Esmeraldo, a situação deve ser normalizada hoje.
A falta de recursos para implantes de cóclea foi denúncia feita pelo deputado estadual Heitor Férrer (PDT), na última quarta-feira. A prótese auditiva custa R$ 55 mil, e o SUS paga R$ 100 mil por cirurgia. O hospital não recebe os repasses desde 2007, e a unidade recebeu auditoria do Ministério da Saúde para apurar a interrupção dos procedimentos. Conforme o parlamentar, a fila de espera é de 62 pacientes, e o HGF corre o risco de ser descredenciado.
Problema antigo
Ninguém soube responder para onde teria ido o dinheiro do FMS, pergunta feita pela promotora de Justiça de Defesa da Saúde Pública, Isabel Porto. O diretor do HGF citou um “acordo político” entre Prefeitura e Estado. Uma ação combinada “por baixo da lei” que atravessou gestões.
O problema já foi alvo de investigações no passado. A retenção de valores transferidos ao FMS foi constatada em investigação encerrada em junho de 2012, após auditoria do Ministério da Saúde a pedido do MPCE. Outra constatação foi entre novembro de 2011 e junho de 2012, período no qual R$ 7,2 milhões deixaram de ser repassados ao Fundo Estadual de Saúde, informou o Ministério à reportagem em nota.
O relatório final da auditoria havia sido encaminhado ao MPCE para adoção de medidas cabíveis. Conforme Isabel Porto, houve ajuste de contas nas gestões anteriores da Prefeitura e do Governo do Estado. Com a persistência da denúncia, procedimento administrativo deve ser instaurado para verificar se houve ato de improbidade administrativa nas novas gestões. Uma segunda vertente de investigação deve apurar se houve pagamento dos mesmos serviços com recursos do Governo do Estado.
Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) afirmou que os recursos recebidos pelo Município ficam aquém das necessidades. “Desde 2007, o Governo do Estado e o Município de Fortaleza estão tendo uma parceria amistosa, no sentido de viabilizar financeiramente, em cada esfera de governo, os serviços de suas unidades”, diz o texto. Ainda conforme a SMS, haverá entendimentos com a pasta estadual para viabilizar a continuidade dos serviços de saúde.
Saiba mais
No HGF, há também repasses chegando com atraso: na última quarta-feira, a unidade recebeu recursos de julho e agosto de 2014 para o programa Rede Cegonha, do Governo Federal.
O Fundo Municipal recebe transferências do Ministério da Saúde para pagar também o faturamento hospitalar das unidades estaduais. Nos últimos oito anos, o repasse do Governo Federal para o Município de Fortaleza foi de cerca de R$ 5,9 bilhões.
As transferências chegam em seis blocos: atenção básica, média e alta complexidade, vigilância em saúde, assistência farmacêutica, gestão do SUS e investimento. As verbas depositadas no FMS levam em conta a adesão do município a programas do Governo Federal, como a Rede Cegonha.
O POVO tentou falar com a ex-prefeita Luizianne Lins, mas não conseguiu contato com a assessoria de imprensa.