O lançamento da Plataforma de Modernização da Saúde, do Governo do Ceará, realizado ontem, em evento no Palácio da Abolição, além de prever um novo formato de atendimento à população, revela um interesse do Executivo Estadual em minimizar interferências políticas e conflitos entre os municípios. A proposta de profissionalização da gestão traz a reestruturação dos polêmicos consórcios de saúde, com a criação das Agências Regionais, colocando nas mãos do Estado a coordenação dos municípios nas ações; e a seleção pública para lideranças dessas agências, a serem escolhidas por instituição de fora do Governo.
Ainda ontem, o Governo do Estado enviou à Assembleia Legislativa do Ceará projetos de lei que estabelecem as diretrizes para a nova gestão da Saúde, como a integração dos serviços por regiões e alterações em leis estaduais que modificam a atual estrutura organizacional da Secretaria da Saúde (Sesa).
No primeiro semestre de 2019, o Governo enfrentou polêmicas com prefeituras, Assembleia Legislativa e o Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE) em relação aos consórcios municipais de saúde. O sistema de gestão compartilhada de equipamentos, como UPAs, Policlínicas e Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), se tornou espaço de disputa política, com rompimento de grupos políticos, determinação de auditoria das verbas empenhadas e tentativas do Governo de modificar critérios de escolha dos dirigentes, feita até então por indicação política.
A reestruturação da saúde surge em um cenário posterior às declarações de representantes do Executivo em defesa de mudanças no formato de indicações de aliados de prefeitos, com priorização de critérios técnicos. O impacto sobre as gestões municipais, há um ano das eleições de 2020, vem embutido em um novo pacote de administração da saúde pública.
Há sete meses, o secretário da Saúde, Dr. Cabeto, trabalha no projeto de modernização da saúde, que tem como premissas assegurar o acesso ao serviço público de saúde, valorizar e manter qualificação permanente dos profissionais da área, integrar os equipamentos, estabelecer o monitoramento em tempo real e a regulação dos atendimentos, entre outros pontos.
Regulação
As novas diretrizes na gestão oficializam mudança de postura do governador Camilo Santana (PT). A regionalização do setor, fundamental para efetivar a proposta de criação de um sistema descentralizado e integrado, passa prioritariamente pela criação das Agências Regionais de Saúde, responsáveis por regular o sistema de marcação de exames e consultas nas macrorregiões de saúde, executar o orçamento e garantir o funcionamento do projeto.
Camilo ressaltou, ontem, que o modelo dos consórcios será "aperfeiçoado". "A ideia é que a gente possa selecionar, para cumprir essa missão de coordenar essas Agências, pessoas qualificadas dentro de um critério. Somos o primeiro estado a fazer uma seleção para cargos estratégicos de liderança dentro da Secretaria, exatamente para colocar pessoas com perfil adequado para liderar esse processo de saúde, como fizemos na Educação e na Segurança", afirmou o governador.
O documento de divulgação da Plataforma, distribuído durante o evento, diz que "no modelo de reformulação desenhado pela Sesa, os secretários executivos serão escolhidos através de seleção pública, a partir de critérios de competência, o que irá mudar o perfil do planejamento. Hoje, os consórcios utilizam apenas uma parte da sua capacidade instalada".
A seleção do líder de cada Agência será feita pela Fundação Lemann, organização sem fins lucrativos que atua em ações voltadas à inovação, à gestão e a políticas educacionais. O termo de autorização da seleção foi assinado ontem, durante a divulgação da Plataforma.
"A agência de regulação marca o ponto entre a transparência e a efetividade. Estamos falando de um planejamento que agrega as unidades que, muitas vezes, estão funcionando desconectadas. Há um processo de seleção adequado, por isso a (participação da) Fundação Lemann, há uma metodologia que tira o viés político para fazer um viés técnico. Não que não seja político, mas é um viés que garante o acesso técnico das pessoas aos cargos mais importantes", pontuou o secretário da Saúde, Dr. Cabeto.
Prefeitos
A premissa de transparência na gestão depende da garantia de utilização correta e eficiente dos recursos públicos. É nesse ponto em que se insere o sistema de "compliance", termo em inglês que pode ser traduzido como "integridade", pois cria uma espécie de código de ética funcional que visa garantir honestidade e transparência. Reportagem do Diário do Nordeste em junho mostrou que desde, pelo menos, 2014, o TCE se queixa, nos relatórios técnicos das contas do Governo do Estado, de problemas nas prestações de contas dos consórcios.
Dezenas de prefeitos cearenses acompanharam a divulgação da Plataforma de Modernização da Saúde. De antemão, os discursos foram de aprovação às medidas apresentadas. O prefeito de Guaraciaba do Norte, Adail Machado (MDB), ressaltou que o pacote de ações deve minimizar o impacto da judicialização da saúde, que, segundo ele, onera as contas da Prefeitura. Já o prefeito de Juazeiro do Norte, Arnon Bezerra (PTB), destacou a expectativa de mudanças na qualidade da atenção básica.
Celeridade no envio das propostas à AL
Para acelerar a implantação do Plano de Modernização da Saúde, o Governo já enviou duas Mensagens à Assembleia Legislativa. A primeira estabelece que as regiões de saúde se adequem para conter, no mínimo, serviços de atenção básica, urgência e emergência, atenção psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar e vigilância de saúde.
O secretário de Saúde, Dr. Cabeto, explica que todos os hospitais regionais terão esses serviços. “Hoje nós não temos alguns desses serviços em todas regiões”.
O projeto propõe também um sistema integrado de saúde do Estado, com todas as informações dos prontuários dos pacientes. Dessa forma, a ficha médica pode ser acessada em qualquer unidade do Ceará, diminuindo gastos e ajudando no diagnóstico.
A segunda Mensagem abre a possibilidade para que os ocupantes de cargos da alta governança das Secretarias do Estado sejam escolhidos por meio de seleção pública.
Atualmente, os postos são preenchidos por indicação do titular da Pasta. De acordo com o Cabeto, a medida garante que áreas técnicas sejam ocupadas por especialistas e, por isso, a Sesa quer dar o exemplo. O Governo pede autorização da Assembleia para a criação de 91 cargos para a Pasta. Entre as funções, estão: diretor administrativo, diretor hospitalar, secretário-executivo, administrativo e financeiro.
“A Sesa vai ser a pioneira, mas a metodologia vai abranger todas as secretarias”, destaca. Segundo o secretário, a expectativa do Estado é que os projetos sejam aprovados pelos deputados até outubro deste ano.
Além disso, o Plano de Modernização da Saúde inclui, ainda, uma outra seleção pública para o preenchimento de vagas “urgentes” em unidades hospitalares do Estado. Essa medida, no entanto, não precisa da aprovação da Assembleia e já foi autorizada por Camilo para o preenchimento de vagas de médicos plantonistas, enfermeiros, nutricionistas, entre outras. O edital da seleção pública deve ser lançado no próximo mês.