Sem dinheiro e sem poder trabalhar para sustentarem-se no Ceará, muitos migrantes africanos que chegam para estudar, passam dificuldades no Estado. Segundo o presidente da Associação dos Estudantes Africanos no Ceará, Gino Pereira, existem, hoje, cerca de dois mil estudantes africanos no Estado. No entanto, desse número, apenas cerca de 140 estão matriculados em universidades federais. “Os outros estudam em universidades particulares que são de alto custo. Muitos não têm condições de arcar com as mensalidades e acabam passando dificuldades. Outro problema é a proibição de trabalho pelo Estatuto do Estrangeiro. Entendemos que temos que cumprir a lei, mas isso gera muitos problemas, até na renovação do visto”.
Pereira explica que quando o estudante está em débito com a faculdade, a instituição não libera histórico escolar para ser apresentado junto à Polícia Federal, para a renovação do visto e acabam ficando ilegais no País.
O número de africanos nessas condições está aumentando a cada ano, alerta Gino Pereira. “Desde 2008, que a migração acontece, mas alguns vêm enganados. Têm universidades que fazem acordos e prometem muitas coisas ao estrangeiro, mas quando chegam aqui, é tudo ao contrário. Têm estudantes que passam mais de três meses na casa de amigos por não terem condições de pagar aluguel. Essa problemática está afetando muitos africanos e isso está nos preocupando”, acrescentou.
Essa é a realidade da angolana Vanessa Pereira, 33 anos. Ela chegou a Fortaleza há seis anos e enfrenta dificuldades para pagar as contas na Capital. “Meus familiares me enviaram dinheiro, mas o salário no Brasil aumenta a cada ano. Na África, não aumenta. Então, o dinheiro que me enviam não é suficiente para pagar o aluguel, alimentação, transporte e mensalidade da faculdade. Se eu pudesse trabalhar, tudo seria mais fácil”, falou a estudante. Assim como Vanessa, outros milhares de africanos também passam pelos mesmos problemas, acrescido de outras dificuldades, como o não acesso a serviços públicos essenciais de saúde e de segurança. Além desses, os estudantes reclamam dos protocolos emitidos pela Polícia Federal, mas que as empresas não consideram como válidos, o que os impede de realizar tarefas básicas para a estadia na Capital.
Debate
Ontem, uma Audiência Pública, na Assembleia Legislativa, discutiu a situação dos migrantes africanos que residem no Ceará. O pedido de audiência foi de autoria do deputado estadual Renato Roseno (Psol).
Para Roseno, a política migratória não pode ser pautada pela via da criminalização dos estrangeiros, faz-se necessária uma política pautada pelo respeito aos Direitos Humanos, incluindo os principais atores envolvidos no processo na formulação das políticas públicas para os imigrantes no Brasil. Segundo o deputado, as políticas públicas devem ser desenvolvidas a fim de assegurar igualdade de tratamento e acesso a serviços e direitos; inserção social, econômica e produtiva; cidadania cultural e diversidade, abordagem de violações de direitos e meios de proteção e participação social e cidadã, transparência e dados.
“O Brasil tem questões ancestrais com a África. Então é natural que nós tenhamos uma política específica para a migração africana. Muitos desses imigrantes sofrem xenofobia, racismo, violência sexual, e muitos vieram sob imigração fraudada. Muitas instituições chegam lá, prometem mundos e fundos aos africanos, e quando chegam aqui, se deparam com outra realidade. As suas famílias que ficam na África não têm condições de pagar e entram na ilegalidade. Por isso, estamos tentando, no meio dessa crise humanitária, dar nossa solidariedade em respeito à dignidade dos africanos”, falou Renato Roseno, acrescentando que pretende formular agenda de inserção laboral, regularização da permanência dos africanos no Estado e o combate ao racismo.
No Ceará existem, hoje, estudantes africanos de Guiné-Bissau, Angola, Moçambique, Nigéria e Cabo Verde. Dos mais de dois mil africanos no Estado, 53% são de Guiné-Bissau.
Polícia Federal
Em resposta a reivindicações e dificuldades dos estudantes, a chefe da Delegacia de Migração (Delemig) da Polícia Federal (PF), Alexsandra Medeiros, falou sobre a dificuldade em resolver os problemas devido à legislação dos imigrantes. “A gente esbarra na legislação e precisamos exigir as documentações que são pedidas na resolução. Às vezes, os estudantes não entendem porque estão sendo notificados a deixar o País, mas é porque não temos autoridade para fazer de forma diferente. O visto deve ser renovado em um ano e o visto de estudo não pode ser convertido em visto de trabalho. Então, só podemos com a mudança da legislação. Até lá, não tem essa possibilidade”, explicou. Sobre o assunto do fornecimento das declarações pelas universidades para a renovação do visto dos estudantes estrangeiros, a delegada disse que “é um documento necessário, pois comprova que ele está estudando. É um documento essencial. Essa discussão deve ser feita diretamente com a universidade”, informou.