Candidato a presidente José Maria (PSTU) divide o palanque de Ailton Lopes no CE com os presidenciáveis Luciana Genro (PSOL) e Mauro Iasi (PCB)
FOTO: TUNO VIEIRA
Centrado no voto essencialmente personalista, em que o candidato é mais relevante do que os partidos políticos e projetos de governo, o País mergulha num clima eleitoral encoberto por contradições ideológicas, tanto da parte do eleitor como das coligações partidárias. No Ceará, um dos demonstrativos dessa fragilidade ideológica é o desalinhamento entre os discursos em âmbito estadual e federal, chegando a confundir o eleitor.
O episódio mais delicado, tomando como base uma lógica de projeto de governo, é o caso do senador e candidato ao Governo do Estado, Eunício Oliveira (PMDB), que repete aos quatro ventos ser eleitor de Dilma Rousseff. Por sua vez, o companheiro de chapa do peemedebista e postulante ao Senado Federal, Tasso Jereissati (PSDB), é aliado de primeira ordem de Aécio Neves, representante tucano na disputa pela presidência da República.
No lançamento do comitê da campanha da candidatura de Eunício Oliveira, no dia 31 de julho, antes de o evento começar, alguns apoiadores do senador subiram no palanque para fazer críticas ao Governo Federal, atacando o programa Bolsa Família. Durante o discurso dos candidatos, não houve nenhuma referência nem à Dilma nem a Aécio.
Questionado pelo Diário do Nordeste, antes do início da solenidade, se a divisão de palanques não traria prejuízos à campanha, Eunício Oliveira minimizou a situação. "Eu não posso calar a boca das pessoas, elas são livres, nós vivemos numa democracia. As pessoas falam o que querem em qualquer lugar. Eu lutei para que a gente tivesse democracia", respondeu.
O peemedebista rechaçou as críticas ao Bolsa Família (que foi chamado por aliados de bolsa esmola) e reafirmou apoio à Dilma. "Não considero o Bolsa Família uma esmola, considero algo importante para pessoas que não têm a menor condição. E, se você quer saber, a minha candidata é Dilma", acrescentou.
Além do PSDB de Aécio Neves, dois partidos da coligação de Eunício Oliveira têm postulantes que concorrem a presidente da República: o PSC será representado pelo Pastor Everaldo e o PSDC por José Maria Eymael.
Negociações
A candidatura de Camilo Santana ao Executivo cearense também não escapa das contradições ideológicas. A confirmação do nome do candidato ocorreu após uma série de negociações com aliados que eram contra a indicação de um nome do PT para pleitear o Governo Estadual. Do arco de alianças do petista, algumas passam longe de apoiar a presidente Dilma, como o Solidariedade, que está na coligação de Aécio Neves.
Apesar de o Solidariedade constar na lista de apoiamentos ao tucano, Camilo Santana afirmou ao Diário do Nordeste, através de sua assessoria de imprensa, que "todos os partidos da aliança que compõem a coligação Para o Ceará seguir mudando apoiam totalmente a reeleição da presidenta Dilma".
A falta de alinhamento se torna ainda mais perceptível quando envolve o Interior do Estado. No dia 3 de agosto, em comício em Limoeiro do Norte, a chapa encabeçada por Camilo Santana teve de ouvir do prefeito da cidade, Paulo Duarte (DEM), que o gestor vota em Camilo, mas não em Mauro Filho, que disputa o Senado. Duarte garante que vai pedir votos a Tasso. Para aumentar o imbróglio, o DEM do prefeito de Limoeiro está oficialmente na coligação de Eunício Oliveira.
Sobre a adesão de Eunício à reeleição de Dilma Roussef, Camilo acusa o opositor de tentar confundir o eleitorado. "Camilo Santana é o único candidato apoiado pela presidenta Dilma no Ceará (...) Qualquer associação de Dilma e Lula a outras candidaturas no Ceará é uma tentativa de enganar o eleitor", declara o petista.
Das 18 agremiações que estão coligadas a Camilo Santana, duas lançaram candidato a presidente da República, além da postulação de Dilma Rousseff: o PV defende a candidatura de Eduardo Jorge e o PRTB indicou Levy Fidelix para concorrer ao Palácio do Planalto.
Os três partidos que apoiam o pleiteante Ailton Lopes possuem candidatos ao Governo Federal. O PSOL indicou Luciana Genro, o PSTU sairá com Zé Maria de Almeida e o PCB será representado por Mauro Iasi. Todos os postulantes a presidente da República já vieram a Fortaleza ou estão com agendas marcadas para a Capital cearense, onde estão sendo recepcionados pelas três siglas da aliança.
Unificar
Para Ailton, a situação não se enquadra no rol das contradições ideológicas, porque os três partidos se encaixam no mesmo espectro político, embora não tenham conseguido unificar uma candidatura à presidência da República. "O mais importante a ser dito é que, mesmo tendo três candidatos a presidente, os três estão dentro do mesmo campo, diferente do Eunício, que tem Dilma e Aécio. Os três estão dentro da esquerda", ressalta.
O candidato avalia que o atraso na formalização da candidatura de Luciana Genro atrapalhou as negociações com os demais partidos. "Seria importante que se tivesse uma identidade dos três partidos nacionalmente, porque há uma identidade partidária. Nos outros casos, é apenas um arremedo para conseguir tempo de TV", alega Ailton.
A candidata Eliane Novais (PSB) é a única que sai em chapa pura neste ano, defendendo o nome de Eduardo Campos para a presidência da República. O Diário do Nordeste tentou conversar com a candidata, mas, como ela estava viajando, a assessoria de imprensa sugeriu que as respostas fossem concedidas pelo irmão de Eliane e coordenador da campanha, Sérgio Novais.
De acordo com o articulador político, a orientação nacional do PSB é que os estados se adequem às diretrizes da campanha nacional e incorporem as principais propostas de Campos, como o Pacto pela Vida - para reduzir a violência - e o passe livre no transporte público. "Um dos nossos eixos é a questão da democracia. O povo pouco participa das decisões do cotidiano", diz.
Na opinião de Sérgio Novais, o fato de o PSB não ter se coligado no Ceará e no âmbito nacional facilita ao eleitor perceber de forma mais clara o projeto de governo. "Em outras coligações, tem PT misturado com PROS. É uma confusão, uma geleia geral. Estamos tranquilos porque é mais fácil explicar ao eleitor. Não temos que ficar nos justificando, como PT e PMDB", diz.
Fragilidade ideológica agrava cenário
A socióloga Mônica Martins, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), atribui as controvérsias das alianças políticas ao casuísmo dos partidos e candidatos. "Minha percepção é de que essas eleições estão cheias de perspectivas oportunistas. Os partidos e candidatos estão muito pouco preocupados com a realidade do povo brasileiro", aponta.
Para a pesquisadora, o desenrolar da campanha eleitoral no Brasil não acompanha o desenvolvimento que o país tem vivenciado em outras áreas. "Somos um país tão importante no contexto mundial, poderíamos estar de fato exercendo um papel muito melhor. Candidatos não estão nem aí, estão preocupados com detalhes que pouco dizem respeito à situação do povo", complementa.
Apesar de o histórico político revelar que esses episódios de oportunismo eleitoral não são novidade no Brasil, Mônica Martins acredita que o momento atual é mais delicado do que nos pleitos anteriores. "Já existiu anteriormente (esse casuísmo), mas para mim está sendo muito relevante agora", opina.
Legislação
O cientista político Clésio Arruda lembra que a atual legislação não obriga as coligações regionais a se alinharem ao projeto nacional. "Hoje as normas podem ser feitas nos estados de acordo com as circunstâncias políticas. Como não há normas que obriguem e a ideologia dos partidos não é bem delimitada, pode ter esse distanciamento em alguns estados e alinhamento em outros", ressalta.
O docente acrescenta que a fragilidade ideológica das legendas contribui para a formação de coligações sem afinidades políticas. 'Há uma indefinição ideológica partidária e uma tradição do eleitor de votar no candidato e não no partido", diz. "Algumas coligações se constituem sem projetos, apenas pela questão pragmática, como tempo de exposição na mídia. Não é o programa que está unindo determinadas vertentes políticas", detalha.
Lorena AlvesRepórter