Adequar a legislação que vigora desde a década de 1940 à Constituição Federal e aos tratados internacionais seguidos pelo Brasil. É esta a justificativa para mudar um dos principais mecanismos da Justiça penal no País: o Código de Processo Penal (CPP), norma que estabelece como o processo do crime ocorrerá no Judiciário. Desde 2011, há demandas na Câmara dos Deputados de revisão da legislação. Em 2014, a mudança começou a tramitar na casa.
A estimativa é que o novo CPP seja aprovado até junho. Entre críticas e polêmicas, legisladores e acadêmicos têm debatido o tema, que, dentre as principais mudanças, inclui o apelo para que o novo código garanta a adoção de medidas cautelares em substituição às prisões provisórias, na tentativa de evitar o encarceramento excessivo. Amanhã, o tema será debatido na Assembleia Legislativa do Ceará, em audiência pública, às 16 horas.
A reforma do CPP é discutida na Câmara Federal por uma comissão especial. No legislativo, o processo tramita em formato de Projeto de Lei 8045/10. A discussão na Câmara tem se baseado em dois projetos: um é o novo Código Processo Penal, elaborado por uma comissão de juristas e já aprovado pelo Senado no ano passado, e o segundo (PL 7987/10) apresentado pelo deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), por sugestão do Instituto dos Advogados Brasileiros.
Dentre as principais propostas de mudança no texto do CPP que têm mobilizado deputados, operadores do direito e professores universitários, estão a aplicação das medidas cautelares - como forma de substituição de prisões preventivas, a regulamentação das audiências de custódia, o estabelecimento da justiça restaurativa e de prazos para a prisão preventiva e a criação da figura do "juiz de garantias", que demarcará a separação entre o magistrado que atuará na fase da investigação e outro no julgamento do processo.
Outros temas que também têm tido ênfase são a limitação dos recursos judiciais permitidos aos condenados e o endurecimento dos critérios para progressão da pena e concessões de indulto e perdão. Estes dois assuntos, especificamente, apontam críticos, estão sendo tratados na Câmara assim como foram trabalhados no Senado, quando a casa debateu a alteração do Código Penal (norma que tipifica os crimes), com destaque no aumento das punições.
Operadores do direito ouvidos pelo Diário do Nordeste apontam que, dentre todos os pontos, os que dizem respeito às prisões provisórias - aquelas que ocorrem antes do julgamento final do acusado - são fundamentais para a modernização da norma. O advogado criminalista e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor) e da Universidade Federal do Ceará (UFC), Nestor Santiago, explica que o CPP brasileiro é o mais antigo em vigor na América Latina e carece de uma atualização.
Extremos
Para o advogado, nesse debate "há extremos dos dois lados" e não é possível dizer que o novo CPP será "punitivista", como apontam os críticos. "Na discussão há quem defenda punir muito e não punir nada. Nós, representantes da academia, estamos tentando trazer algumas ponderações", ressalta o professor que, no mês passado, foi um dos convidados que debateu o assunto em uma audiência pública na Câmara Federal. Nestor defende que o ponto referente à prisão provisória é um dos que carece de "discussão mais aprofundada". "Debatemos a restrição do uso desse tipo de medidas que consideramos que ajuda na superlotação do sistema. Criticamos é o fato dessa prisão não ser utilizada de forma racional".
Hoje, a população carcerária do Ceará é de 24.986 pessoas, conforme a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus). Destes, 12.208 (48,8%) são provisórios. Para o vice-presidente da Comissão de Direito Penitenciário da OAB secção Ceará, Antônio Augusto Gurjão Praxedes, as medidas que incentivem o punitivos devem ser evitadas na reformulação do novo texto. "Estão querendo resolver o problema da violência com o direito penal. Sabemos que não é essa solução. O entendimento da Comissão de Direito Penitenciário é que o aumento de pena não é o caminho. Quanto mais prende e lota o sistema carcerário mais custo tem", opina.
Trâmite
Na Câmara Federal o deputado cearense Danilo Forte (PSB) é o presidente da Comissão Especial para análise e mudança do CPP. De acordo com ele, neste momento está aberto um prazo de 30 dias para formulação e apresentação dos relatórios setoriais. Após este prazo, as formulações serão submetidas à Comissão. Em seguida, um relatório geral é produzido e encaminhado para votação no plenário da casa legislativa.
A expectativa é que a votação ocorra no fim de maio e começo de junho deste ano. "O que percebemos é que há uma cobrança da sociedade por um processo mais ágil. Para que o processo penal não seja interminável. Apenas 8% dos casos do Brasil chegam a julgamento. O que a sociedade que é agilidade. Mas precisamos ter segurança para que essa agilidade não cause mais injustiça", reforça o deputado Danilo Forte.