É impressionante a saga política que levou à extinção do Tribunal de Contas dos Municípios. Não, não há motivações técnicas ou morais para explicar os acontecimentos. Tudo se relaciona com a dinâmica do jogo político. Afinal, na mente do grupo que comanda os destinos do Ceará desde que Cid Gomes se elegeu governador em 2006, a extinção do TCM jamais foi algo a se cogitar.
O alvo principal da extinção do TCM não era o TCM em si. Nem mesmo seis de seus conselheiros. Estes foram vitimados pelo efeito colateral do remédio político adotado para cortar as asas de um só conselheiro. No caso, o ex-presidente da Assembleia, ex-vice-governador e “ex-futuro” presidente do TCM, Domingos Aguiar Filho.
Aguiar traçou seu destino quando não aceitou renunciar ao cargo de vice-governador em 2014. Sua saída havia se tornado uma demanda política do grupo liderado por Ciro Gomes. Mas, o vice tinha seus caprichos, suas próprias ideias e um projeto de poder pessoal. Deu-se o choque com os interesses do cirismo.
Na sequência, Domingos Aguiar buscou se manter nas proximidades de Ciro e Cid. Dividiu palanques em 2014 como se nada tivesse acontecido. Elegeu o filho deputado federal com grande votação e vitaminou a força de seu grupo pessoal.
Percorria a linha que havia estabelecido para si mesmo cujo objetivo final era se candidatar a governador nas eleições de 2018.
Antes do fim do Governo, o vice que havia se recusado a deixar o cargo articula sua indicação para compor o grupo de sete conselheiros do TCM. Cid Gomes, o então governador, banca a nova empreitada. Empossado na função, Domingos se mantém, sem muitas reservas, como um ativo articulador político.
Veio a eleição de prefeito. Começam os problemas. O maior deles: sua esposa, Patrícia, perde a reeleição para a Prefeitura de Tauá, a terra natal. No entanto, sua influência política aumentou com a eleição de vários prefeitos que com ele se articulavam, incluindo o de Caucaia, a segunda cidade em população.
Para os Ferreira Gomes, permanecia claro que o Domingos fazia um jogo político duplo. Ao mesmo tempo em que se articulava com o poder, trabalhava com seu projeto pessoal. Veio a eleição da Assembleia e, outra vez, o conselheiro deu uma cartada contra os interesses do grupo hegemônico.
Fez isso apoiando a dissidência do também antigo aliado cidista, Sérgio Aguiar, do PDT, mesmo partido de Ciro e Cid. Mas era uma dissidência. No TCM, Domingos faz uma aliança com Chico Aguiar, pai de Sérgio, e se elege presidente da instituição. Tudo na família Aguiar.
Jogando com a máquina e todas as armas disponíveis, os governistas reelegem Zezinho para mais dois anos na presidência da Assembleia. Na sequência dos acontecimentos, Heitor Férrer (PSB), ex-oposicionista de Cid escorraçado do PDT, apresenta a emenda pelo fim do TCM. Era o necessário para desferir o golpe fatal em Domingos.
No fim das contas, Domingos ficou sem influência na Assembleia, sem o poder do TCM, sem a Prefeitura de Tauá. Virou um sem-tudo.
A sequência nos remete a um momento da História de Pernambuco, quando uma disputa de poder resultou na vitória do grupo liderado pelos irmãos Cavalcanti de Albuquerque.
A influência foi tamanha que, na década de 1840, dizia-se que a província de Pernambuco se tornara um feudo daquela família, resultando daí o soneto: “Quem viver em Pernambuco, há de estar desenganado; ou há de ser Cavalcanti, ou há de ser cavalgado”.