Para o deputado Renato Roseno (PSOL), os parlamentos do País não representam a sociedade, e sim, no máximo, interesses econômicos
( Foto: Thiago Gadelha )
A pesquisa Ibope contratada pela TV Verdes Mares, publicada ontem pelo Diário do Nordeste, também apontou um dado que, se não sofrer mudança até o dia 2 de outubro, quando serão realizadas as eleições em todos os municípios, pode representar um grande índice de abstenção de eleitores no pleito.
A primeira indagação feita aos entrevistados foi a respeito do interesse pelas eleições deste ano. As possíveis respostas eram: muito interesse; interesse médio; pouco interesse; nenhum interesse, não sabe/não respondeu. Das 805 pessoas ouvidas pelo Ibope, entre os dias 18 e 21 de agosto, 55% disseram ter pouco ou nenhum interesse, enquanto 18% têm muito interesse e 25%, interesse médio.
Para o cientista político Maurício Santoro, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), o alto índice de desinteresse do eleitorado pode ser interpretado como uma ressaca depois da enorme quantidade de protestos que tomaram as ruas do País nos últimos três anos.
Segundo ele, há certa decepção com os poucos resultados das manifestações. "Não tivemos reforma do sistema político ou aprovação de leis que mudassem de maneira significativa o atual cenário. O mais impactante nesse período foi o impeachment (da presidente afastada Dilma Rousseff), mas, basicamente, significou uma dança das cadeiras entre grupos que já fazem parte da elite política. Trocar o PT pelo PMDB não é necessariamente uma renovação", analisa Santoro.
O pesquisador da Uerj acredita que, quando o eleitor faz um balanço geral, passa a se perguntar a troco de quê foi para as ruas e até perdeu amizades ou se desentendeu com familiares, quando não viu praticamente mudança nenhuma. "Isso acaba gerando o desinteresse que a pesquisa apresenta", observa.
Ainda assim, Maurício Santoro defende que a política brasileira tem jeito. "Não somos um estado falido. Pelo contrário, somos bem estruturados em muitas áreas, temos uma população educada e um nível elevado de desenvolvimento humano".
Modelo em crise
Doutor em Ciência Política e professor da Universidade Regional do Cariri (Urca), Roberto Siebra aponta que o desinteresse do eleitorado está associado à crise no modo de fazer política. "A crise não é da política em si, mas dos políticos, e o eleitor acaba transferindo a rejeição para o processo eleitoral", considera.
Por isso, o professor sustenta a necessidade de separar a política, como ciência, dos políticos, que são as suas engrenagens. "Estava dando aula na Universidade e pedi para os alunos definirem a palavra política. Muitos falaram em corrupção, poder, autoridade, mas eu tentei explicar para eles que estavam confundindo a Ciência Política com o fazer política, no aspecto do indivíduo isolado que a faz. Ao fazer essa confusão, acabamos por julgar o todo pela parte".
Para Siebra, o fato de que 55% dos entrevistados demonstram não ter interesse em votar numa eleição municipal é reflexo do julgamento que as pessoas fazem diante da situação diferente que vive o Brasil, com escândalos de corrupção cada vez mais recorrentes. "Há uma crise sucessiva e, nessa história, as pessoas acabam colocando todos no mesmo barco, não percebendo que, entre tantos, há aqueles que até fazem boas ações", pondera.
O cientista político acredita que o resultado das eleições deste ano apresentará um grande número de abstenções, motivado pela subjetividade do eleitorado. Aliado a isso, ele avalia que esta campanha é diferenciada, com menos tempo para o candidato se apresentar aos eleitores, além da escassez de recursos que, em tese, existe.
Representação
Na avaliação do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), a política, da forma como se apresenta atualmente, causa repulsa ao eleitor e, em vez de ser arena de disputa de expectativas para a maioria da sociedade, foi capturada por interesses privados e pela prática de corrupção.
"O grande desafio é apresentar trajetórias políticas coerentes, independentes de aspectos ideológicos, mas com o debate que precisa ser enfrentado no Brasil, onde a sociedade está em crise econômica e política".
O socialista opina que o País ainda vai atravessar mais alguns anos de crise. "Para mudar essa situação, precisa, primeiro, de uma reforma política e, em segundo momento, organização. Quem está fora da política são os mais pobres e as classes trabalhadoras. Temos um País que é majoritariamente feminino e elas (as mulheres) têm somente 10% de representatividade no Congresso Nacional; (um País) majoritariamente negro e com poucos negros no Congresso, assim como é majoritariamente pobre e há poucos trabalhadores na política institucional. Isso é um retrato do esgotamento da representação", descreveu.
"O que mais se ouvia nos levantes de 2013 era 'não me representa'. É verdade. Os parlamentos já não representam a sociedade, mas, no máximo, interesses econômicos", completou.
Também deputada estadual, Silvana Oliveira (PMDB) concorda que a pesquisa Ibope reflete o desestímulo da população de buscar representatividade na classe política. Afirmando ser hora de o eleitor cobrar mais de seus representantes, ela levanta que a sociedade precisa fazer "mea-culpa", por eleger pessoas "viciadamente" envolvidas em grandes escândalos.
"(Os eleitores) Precisam abrir os olhos. É duro dizer que, não toda a população, mas uma grande parcela vota em quem nunca viu e não conhece, mas dá seu voto porque 'fulano' recebeu alguma coisa ou porque ele mesmo recebeu", argumentou.