As eleições municipais de 2016 contarão com uma peculiaridade que não foi percebida no cenário político local desde a redemocratização: a existência de um ex-prefeito na disputa com o atual gestor, que tenta reeleição. Cientistas políticos entrevistados pelo Diário do Nordeste apontam que este é um fator determinante para o pleito deste ano, uma vez que tanto Roberto Cláudio (PDT) como a deputada federal e ex-prefeita da cidade, Luizianne Lins (PT), tendem a ser os mais visados na disputa.
Fato com alguma semelhança ocorreu nos pleitos de 2004 e 1992. Há 12 anos, nas eleições de 2004, Antônio Cambraia, ex-prefeito da Capital, disputou uma nova eleição, recebeu mais de 200 mil votos, mas não foi sequer para o segundo turno. Há 24 anos, na condição de ex-prefeito, Lúcio Alcântara perdeu, já no primeiro turno, para Antônio Cambraia, que na ocasião disputava o primeiro pleito apoiado pelo ex-prefeito Juraci Magalhães, ambos filiados ao PMDB.
Lúcio foi prefeito de Fortaleza de 1979 a 1982, na época em que os prefeitos eram indicados pelos governadores, situação criada pelos militares que comandavam o País após o golpe de 1964. Naquele período, outros prefeitos da Capital foram indicados pelos três coronéis que assumiram o Governo do Ceará: Adauto Bezerra, César Cals e Virgílio Távora.
Conhecidos
A diferença do pleito atual para os demais é que há um ex-prefeito na mesma disputa em que o atual gestor concorre à reeleição, fato que não aconteceu nos anteriores. Por já terem gerido a máquina administrativa do Município de Fortaleza, Luizianne Lins por oito anos, e Roberto Cláudio ainda no curso do primeiro mandato, esses dois personagens da política local têm uma vantagem sobre os demais, visto que são os mais conhecidos e visados pelo eleitorado.
No entanto, de acordo com estudiosos ouvidos pelo Diário, esse fator também traz muitas desvantagens para eles. Para o professor de Ciências Políticas da Universidade Federal do Ceará (UFC), Valmir Lopes, o fato de Roberto Cláudio ser o atual gestor da capital cearense lhe dá uma vantagem considerável, principalmente, por ter a administração pública municipal ao seu lado. Ao mesmo tempo, ele tende a ser criticado justamente por conta disso.
Em relação a Luizianne Lins, o aspecto positivo é o fato de ela já ter sido prefeita e ter um nome consolidado, ou seja, não vai precisar fazer-se conhecer como os demais postulantes. O aspecto negativo da candidata é, justamente, o momento negativo em relação ao seu partido, o PT, que é relacionado à corrupção.
Outro ponto
Segundo Lopes, a ex-prefeita lança seu nome para a disputa em Fortaleza tentando defender o legado do partido. Há outros aspectos negativos para a petista, como uma comparação entre aquilo que foi feito nos oito anos de gestão e o que foi feito por seu sucessor em três anos e meio.
O apoio do governador Camilo Santana é outro ponto que deve ser levado em consideração, visto que demonstra que o partido não tem unidade. No entanto, segundo informou o cientista político, Luizianne Lins sabe jogar com a vitimização para tirar o proveito eleitoral.
"Eles sempre jogaram com isso e, de certo modo, se fazer de vítima é uma estratégia utilizada pelo petismo, e a Luizianne Lins sempre se utilizou disso, como foi no caso de 2004, quando ela se lançou candidata contra o próprio partido. Nesse sentido, não contar com o apoio do governador pode ser um trunfo".
Em 2004, o PT queria apoiar a candidatura de Inácio Arruda (PCdoB). Até o principal articulador político do Governo Lula na época, José Dirceu, veio a Fortaleza para tentar mudar a posição da direção municipal do PT, já naquela época controlada pela ex-prefeita Luizianne.
Para Lopes, em uma campanha de reeleição, o atual prefeito é o mais visado, e para os menos conhecidos a ideia será apontar falhas das duas gestões, de Roberto Cláudio e Luizianne Lins. O problema de Heitor Férrer (PSB), segundo o cientista político, será a falta de tempo de televisão, ainda que ele tenha se destacado no pleito de 2012 quando por pouco não foi para o segundo turno da disputa. Já Capitão Wagner (PR) tem bom tempo de televisão, mas precisa tornar conhecido aquilo que pretende fazer pela cidade, e o período reduzido da campanha talvez inviabilize isso.
"O grande problema dele é que ainda é uma figura desconhecida, não tem experiência administrativa, e vai ter que construir uma imagem de gestor. Temos uma campanha com tempo menor, e não sei se ele conseguirá isso", avaliou.
Influentes
O cientista político Rui Martinho Rodrigues avalia que, além de serem conhecidos, Luizianne Lins e Roberto Cláudio têm contatos com políticos influentes, vereadores e lideranças comunitárias. Esses contatos são valiosos para os postulantes e, somados aos laços pessoais construídos através daqueles que foram atendidos durante as administrações, favorecem aos dois postulantes em algumas circunstâncias. No entanto, ele explica que o exercício do poder gera desgastes aos postulantes.
"Essas eleições serão de difícil previsão, porque estamos em uma situação em que o financiamento de campanha é uma incógnita. Houve mudanças nas regras, e as empresas vão pensar duas vezes antes de fazerem caixa dois, porque empresários estão sendo presos", disse. Os próprios candidatos estão preocupados com as novas regras da disputa municipal, em todos os aspectos do pleito.
Desempenhado
Além desses fatores, ele aponta que há um desgaste considerável na sigla da ex-prefeita, que antes tinha, tradicionalmente, algo em torno de 30% do eleitorado, e agora não se sabe o que aconteceu com esses eleitores, motivo, inclusive, de preocupação das principais lideranças nacionais da agremiação.
O PT sofreu muito desgaste e só o tempo vai mostrar o que pode acontecer. Por outro lado, o fator Camilo Santana, governador que foi eleito sem o apoio de alguns petistas, estando ao lado do atual prefeito, pode contribuir de forma negativa à postulação de Luizianne, embora Fortaleza tenha a tradição de ser um eleitorado de oposição, e nisso não há vantagem para o atual prefeito, mas a candidata Luizianne Lins já foi testada.
Durante os debates no rádio e na televisão, segundo Rodrigues, os confrontos serão inevitáveis e os problemas da cidade serão colocados diante daqueles que já administraram o Município. Por outro lado, quem poderá invocar gestões para atrair votos serão os dois nomes. "A ex-prefeita vai dizer o que fez, e o atual prefeito dirá o mesmo. Os demais vão mostrar aquilo que não foi desempenhado", disse.