Contra o pavor, ocupemos a cidade
Poucas emoções são poderosas como o medo. Dificilmente alguma mexa tanto com os instintos, o inconsciente, o lado animal do humano. Por isso, é tão eficaz como instrumento justamente nas disputas de poder. Afinal, não apenas é capaz de afetar os sentimentos mais primordiais como também é relativamente simples de ser manobrado. “É muito mais seguro ser temido do que ser amado”, ensinou Maquiavel. Em trincheiras antagônicas, o pavor é a arma com que passou a ser travado o principal enfrentamento da política de Fortaleza. De um lado, o grupo “Fortaleza Apavorada”. O fenômeno é novo e só possível pelo advento das mídias sociais. Agrega setores tradicionalmente alheios a tais debates. E permanece incompreendido pelas diversas frentes da política tradicional – reativa como regra à novidade. Simbolizado pela mão ensanguentada, o movimento surge a partir do que o próprio governo reconheceu como crescimento “intolerável” de alguns tipos de crimes. Apropriou-se desse terror provocado pela escalada de homicídios e assaltos a mão armada. Com isso, incomodou o Palácio e provocou aquela que considero a mais relevante manifestação pública de todo o governo Cid Gomes (PSB) na área da segurança. Importante pela autocrítica sobre o caráter inaceitável do avanço da criminalidade, pela preocupação em prestar contas. E pela reação. Ao mesmo tempo em que afirma respeitar e considerar bem-vindo o movimento, o Estado aponta infiltração de “grupos partidários e marginais”, em “manifestação da corrupção e do oportunismo que ainda grassam na vida pública brasileira”. Além disso, pede aos participantes que não levem crianças, alerta para o risco de inocentes saírem feridos “ou mesmo sofrer algo mais grave”. E informa que fez “apelo” para que Tribunal de Justiça, Ministério Público e Assembleia Legislativa enviem representantes para monitorar o ato, “com o objetivo de garantir a tranquilidade e a integridade física dos manifestantes”.
Creio sinceramente nas boas intenções de um lado e outro. Acredito que os manifestantes, ao menos em sua esmagadora maioria, estão, sim, preocupados com os índices de criminalidade e buscam soluções, acima de tudo. Também penso que o Palácio da Abolição tem objetivo de evitar problemas durante a manifestação, quero crer que tem informações objetivas e confiáveis para fazer as acusações que fez e tenho certeza de que deseja obsessivamente resolver essa crise da segurança. Contudo, o método de ambos os lados não poderia ser pior. O uso político do medo remete aos anos mais sombrios dos totalitarismos de várias vertentes, às mais funestas experiências políticas da história humana. Talvez nessa forma de embate esteja o perigo maior.