Deputados estaduais e vereadores se preparam para votar a Lei Orçamentária Anual de 2017 para o Governo do Ceará e a Prefeitura da Capital
( FOTO: JOSÉ LEOMAR )
O orçamento público tem sido alvo frequente de preocupação de gestores por conta da crise econômica brasileira. Nas próximas semanas, tanto a Assembleia Legislativa do Ceará e quanto a Câmara Municipal de Fortaleza deverão votar suas leis orçamentárias para 2017, com previsão de recursos nos valores de R$ 25 bilhões para o Estado e de R$ 7,5 bilhões para o Município. A previsão de receitas para o ano que vem é, respectivamente, 3% e 4% maior em relação aos orçamentos deste ano.
Dados dos portais da transparência revelam que tanto o Governo do Ceará quanto a Prefeitura de Fortaleza têm apresentado um baixo percentual de execução neste ano de 2016, quando a crise econômica se intensificou. Embora as despesas de dezembro ainda precisem ser contabilizadas, até o mês de novembro, o Estado e a Prefeitura executaram respectivamente 75% e 73% do que planejaram. No ano anterior (2015), os percentuais de execução foram de 82% pela gestão estadual e de 89% pela municipal.
É comum no Brasil que municípios, estados e até mesmo a União não consigam executar a totalidade do que previram nas suas leis orçamentárias. Normalmente, esse percentual costuma ficar entre 80% e 90%. Para especialistas em administração pública, o distanciamento entre o que é planejado e o que é executado é prejudicial à sociedade, pois dificulta o controle social e causa frustração sobre as políticas públicas planejadas.
Por outro lado, os estudiosos reconhecem as dificuldades para planejar orçamentos realistas, tendo em vista que a lei orçamentária não é apenas uma peça técnica, mas também um instrumento político. Na avaliação dos especialistas, apesar da dificuldade de cortes por conta das negociações políticas - seja entre Executivo e Legislativo ou mesmo entre partidos que formam a base de apoio ao gestor eleito -, a crise econômica tende a estimular, nos próximos anos, o planejamento de orçamentos mais realistas e menos superestimados, um ponto que consideram positivo diante da crise.
Arrecadação menor
Professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), José Matias Pereira diz que, como o orçamento público não é impositivo no Brasil, normalmente ele não é executado em sua totalidade. No entanto, o professor afirma que essa questão tem sido agravada pela crise econômica. "Nos três entes de governo, os orçamentos, como foram elaborados num contexto do ano passado em que a crise ainda não tinha chegado a este ponto extremo, constatam esse fato. Entre aquilo que foi aprovado e o que foi executado, há uma distância porque, do ponto de vista financeiro, não se pôde disponibilizar aos órgãos o recurso previsto, já que a arrecadação foi menor", explica.
Marcelo Lettieri, professor colaborador do Centro de Aperfeiçoamento de Economistas do Nordeste (Caen), acrescenta que também é comum executar menos que o planejado em razão dos chamados restos a pagar, que são despesas de um exercício que acabam sendo pagas apenas no ano seguinte. "Ultimamente, isso tem sido muito comum por conta de falha do planejamento ou por algum acontecimento que não foi previsto ao longo do ano. Agora, a crise deste ano também está aumentando essa diferença da execução orçamentária, principalmente porque a maioria dos orçamentos têm uma previsão de arrecadação que não se concretizou".
Para Marcelo Lettieri, a média de execução do orçamento público historicamente em torno de 80% para os mais diversos entes é preocupante. "Para fim de gestão, o ideal seria executar pelo menos 95% do orçamento e que 5% sejam essa margem normal de contingência, que é algo que ocorre por algum problema", afirma. O professor José Matias Pereira concorda. "Se você faz o balanço e descobre que só 80% do orçamento foi executado, significa que o planejamento foi aquém, porque deixou um vazio de 20%. Isso é significativo e prejudicial quando se fala de gestão pública", diz.
Recursos escassos
Se a crise tem dificultado o cumprimento do orçamento deste ano, o professor da UnB acredita que também deverá impulsionar a elaboração de orçamentos mais realistas nos próximos anos, já que os recursos estão escassos. "Esse novo modelo fiscal que está sendo aprovado, com a PEC do teto dos gastos, vai acabar com isso porque o orçamento vai passar a ser real e cada um vai ter que se ajustar em cima daquilo a que for destinado. O que estamos assistindo, na verdade, é esse lado positivo do ajuste fiscal, de exigir orçamentos públicos mais realistas", defende.
Conforme Matias Pereira, o planejamento de orçamentos superestimados, com previsões de receitas muito elevadas, é um problema. "Você planeja, por exemplo, fazer investimentos em obras. Quando chega no final do ano, avalia e vê que boa parte do que planejou não se efetivou. Isso gera uma frustração na sociedade", aponta. É o caso, por exemplo, do orçamento do Estado do Ceará em 2014, ano da Copa do Mundo. Segundo o portal da transparência, foram executados apenas 27,8% dos R$71 bilhões previstos. Apesar da expectativa de grandes obras, o valor executado pelo Estado foi de R$ 19,8 bilhões, média absoluta de valor semelhante aos anos anteriores.
Marcelo Lettieri também considera que a baixa execução orçamentária traz prejuízos, mas pondera que nem sempre a execução parcial do orçamento significa má gestão. "Se você conseguir fazer uma economia orçamentária por eficiência, prestando o mesmo serviço com menos recursos, vai executar um percentual menor do orçamento. Isso não significa uma ineficiência, pelo contrário. Mas, normalmente, no Brasil, a gente vê que essa distância entre o planejado e o executado é mais por falta de realização dos serviços do que por uma economia por ganho de eficiência. Aí, neste caso, é muito prejudicial", afirma.
Conforme o professor do Caen, é importante que, especialmente durante a crise, os gestores procurem reduzir a margem do que não é executado e planejem o orçamento de forma transparente para realizar cortes em áreas não essenciais. "Mas precisamos ter clareza de que o orçamento não é apenas técnico, é uma peça política. Quando os gestores vão fazer cortes, eles enfrentam resistências da sociedade e de seus apoiadores. Então, esta acaba sendo uma engenharia complicada. Essa é a grande dificuldade", pondera.
Matias Pereira pontua que essa necessidade de manter as forças políticas de apoio é um dos principais fatores que tornam os orçamentos "peças de ficção". "Cada instância da federação tem características próprias, mas todas caminham no sentido de superestimar os orçamentos. Há uma tendência de incluir obras e investimentos para mostrar aos eleitores que está atuando. E quando essas obras não se concretizam, você transfere a responsabilidade para outra instância de governo. Esse ciclo de postura não é adequado para a gestão pública", salienta.
Ele acrescenta que o ideal é que as gestões tenham capacidade de planejamento e estimativa orçamentária muito realistas, especialmente no período de crise econômica. "Os entes vão ter que começar a fazer orçamentos mais bem planejados, e os parlamentares vão ter que se resguardar para não ficar tentando inflar o orçamento porque isso só traz frustração para a sociedade. Este é um cenário que vai exigir cada vez mais gestores competentes", declara. Nesse sentido, Matias Pereira destaca que é fundamental que a população intensifique o acompanhamento das execuções orçamentárias por meio dos portais da transparência, já que é nele que o cidadão identifica a destinação dos recursos arrecadados em impostos.