Qualificar o corpo técnico municipal e cobrar efetivamente os tributos são os principais desafios a médio prazo para a reversão do cenário alarmante revelado pelo Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE). O Diário do Nordeste ouviu estudiosos que apontaram possíveis saídas que podem dar uma nova realidade aos gestores municipais.
Reportagem publicada na edição de ontem, com base na auditoria da Corte de contas, apontou que 41 municípios cearenses arrecadaram abaixo de 1% das despesas em 2017. Nenhuma das 184 prefeituras captou 30% do que precisou para prestar os serviços básicos à população.
"Incentivo aos prefeitos para que aumentem os esforços na parte que compete a eles, cobrar impostos, ter uma boa fiscalização dos serviços para poder arrecadar. Brigar junto com a Assembleia pela melhor divisão dos recursos. Fazer alerta para que os prefeitos, secretários, vereadores também possam ter maiores controles", cobra Eduardo Stranz, consultor da área de estudos técnicos da Confederação Nacional de Municípios, como uma das soluções.
Stranz ressalta que "cabe ao gestor político decidir o que quer fazer: quero ter uma cidade melhor e cobrar impostos, ou não cobrar impostos e ter uma cidade ruim, sem cobrança de lixo, ter iluminação público?". Um imposto embutido em um alimento, por exemplo, é melhor digerido pela população, segundo o representante da Confederação.
"Quando é em um feijão, que está embutido o imposto, você não vê que está pagando. As pessoas pagam impostos diretos e não se incomodam com isso. Na hora de pagar IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana), ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis), elas ficam bravas com o prefeito. É uma cobrança que tem de ser feita também na sociedade", explica o consultor.
Doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o professor Paulo Matos é convencido de que "não há uma solução única" em razão da variedade de municípios no Ceará. Um dos caminhos que visualiza é a melhor capacitação dos profissionais que atuam nessas localidades. "As prefeituras são carentes de capital humano. Sem capital humano é impossível fazer um planejamento bem feito, as pessoas não têm estudo para isso", argumenta. Seria um esforço em conjunto com o Tribunal de Contas do Estado, as universidades e o Banco do Nordeste do Brasil.
Para Matos, que é pesquisador na Universidade Federal do Ceará, a falha na fiscalização dos impostos é um dos entraves encontrados no interior cearense.
"Um dos impostos menos problemáticos é o sobre propriedade. Os outros impostos causam muito mais mal à economia. IPTU é um dos menos ruins de se cobrar. Por que as prefeituras não fazem um mapeamento em suas propriedades? O que tem de moradia sem documento é um absurdo", pontua.
É o mesmo argumento do conselheiro do Conselho Regional de Contabilidade do Ceará, Wellington Silva. "Muitos municípios ainda têm uma planta imobiliária completamente desatualizada. É uma falta de interesse que atravessa gestões", cobra. Para o especialista, falta planejamento e a "boa política". "Esse é um exemplo de má política que vem atrapalhando o desenvolvimento das cidades por não se implementar uma efetiva aplicação dos tributos", diz.
Debate nacional
Em meio à discussão da reforma Tributária, prefeitos se reuniram ontem e afirmaram que não vão abrir mão da competência tributária própria dos municípios em relação ao Imposto Sobre Serviços (ISS). A medida é uma das propostas discutidas nos projetos que tramitam no Congresso Nacional. O recado dos gestores foi oficializado em um documento com seis pontos, assinado pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças (Abrasf) e o Fórum Nacional de Secretários Municipais de Fazenda e Finanças.]
"Defendemos e destacamos a importância da preservação da autonomia municipal, princípio constitucional pétreo da República Federativa brasileira. Não abrimos mão que o ISS continue como um imposto de esfera municipal, sem ser incorporado por nenhum outro ente, porque sabemos que, se isso ocorrer, os municípios sairão perdendo, ou seja, em última instância, a população perde", diz trecho do documento formalizado.
O grupo quer "simplificar ainda mais o ISS, instituir a nota fiscal de serviços eletrônica nacional e padronizar as obrigações acessórias", mas sem maiores prejuízos.
"Entendemos que o País demanda uma reforma fiscal justa e equilibrada que observe a necessidade de correspondência fiscal entre os serviços prestados e a tributação; ou seja, desfazer o que acontece hoje, onde o município é responsável por tudo e pouco recebe", ressalta outro trecho.
"Apoiamos a simplificação tributária, mas é irresponsável fazer qualquer modificação sem a previsão de dados", declarou o presidente da Frente, Jonas Donizette, que é prefeito de Campinas, em SP.
Segundo o presidente da Abrasf, Vitor Puppi, ainda não há contas sólidas que fortaleçam uma reforma que pode aumentar o risco. "Sem ter números é muito complicado justificar o ingresso dos municípios em qualquer um desses barcos", disse.