O polêmico projeto que libera a venda e o consumo de cerveja em estádios e arenas do Ceará voltou a ser tema de discussão, nesta terça-feira (27), na Assembleia Legislativa. Primeiro, foi alvo de discursos no Plenário da Casa, depois alimentou acalorada audiência pública com a presença de autoridades e especialistas de diversas áreas. Até então pronta para ser votada, a proposta foi encaminhada à Procuradoria Legislativa para nova análise, o que tem gerado reclamações de parlamentares favoráveis.
No período da tarde, a deputada Mirian Sobreira (PDT), que é contrária ao projeto, comandou audiência pública que discutiu os efeitos práticos da liberação da bebida nos equipamentos esportivos do Estado, proposta no projeto de lei nº 237/2015. Apresentada no primeiro ano da atual legislatura, a matéria tramita há quase quatro anos, mas não deve ser votada até o fim do mandato do autor.
Mais cedo, aliás, Gony Arruda (PP), que assina a autoria da proposta, reclamou, durante sessão ordinária, que o projeto, depois de ter passado por cinco comissões, retornou à Procuradoria Legislativa, o que resultará em paralisação da tramitação por até 15 dias. Arruda denunciou "manobra" do presidente da Casa, Zezinho Albuquerque (PDT), para inviabilizar a tramitação da matéria.
No último dia 13 de novembro, Zezinho encaminhou à Procuradoria Legislativa questionamento sobre os trâmites legais do projeto de lei. De acordo com o pedetista, o projeto tramitou "equivocadamente" na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Pública, quando deveria ter sido encaminhado para a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia.
Prioridade
O Regimento Interno da Casa defende que os colegiados temáticos têm prioridade durante a tramitação das propostas. Albuquerque solicitou parecer da Procuradoria da Casa para exame de tramitação regular da matéria, "a fim de evitar possíveis inobservâncias regimentais". O parlamentar, autor do projeto "Ceará sem Drogas", também é contrário à matéria de Gony Arruda.
De acordo com o procurador do Legislativo, Rodrigo Martiniano Ayres Lins, a manifestação da presidência foi despachada para a consultoria jurídica e técnica e ainda há tem respostas sobre a apreciação. A Procuradoria tem um prazo de até 15 dias para dar retorno aos parlamentares.
Enquanto isso, no Plenário 13 de Maio, parlamentares favoráveis e contrários à matéria entraram em um embate com trocas de acusações. Depois de questionamento do líder do Governo, Evandro Leitão (PDT), sobre a liberação de projetos em tramitação, o secretário da Mesa Diretora, Audic Mota (PSB), pediu mais celeridade na tramitação de propostas que necessitam de relatoria do pedetista e que estariam paralisadas na Casa desde 2015.
Já o deputado Odilon Aguiar (PSD) chegou a reclamar de ação "sorrateira" do presidente da Assembleia, o que gerou mal-estar entre os presentes à sessão. Gony Arruda disse que deputados estão sendo feitos de "palhaços".
Audiência
Os ânimos continuaram exaltados na audiência pública realizada no período da tarde, na programação da Comissão de Orçamento, Finanças e Tributação. Além de deputados estaduais, participaram vereadores, representantes do Ministério Público do Estado do Ceará, de clubes de futebol, de instituições de combate às drogas e da indústria de bebidas. Posicionamentos contrários e manifestações constantes do público presente marcaram o evento, que precisou ser interrompido algumas vezes por pedidos de cautela.
Um dos primeiros a discursar foi o vice-presidente do Fortaleza Esporte Clube, Marcello Desidério. Em nome também do Ceará Sporting Club e da Federação Cearense de Futebol (FCF), ele voltou a se manifestar favoravelmente à liberação das bebidas nos estádios do Ceará, argumentando "pelo direito ao lazer".
Divergências
O vereador Márcio Martins (PROS), com atuação ligada às torcidas organizadas, também defendeu a venda e o consumo do álcool. "O que a gente vê é uma carga de grande preconceito, porque quem vai ao estádio é o pobre. Sejamos menos hipócritas", comentou. O parlamentar disse que a Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) também irá debater o assunto.
Já o psiquiatra e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fábio Gomes de Matos, levantou números de prejuízos do consumo de bebida alcoólica e questionou o posicionamento dos clubes do Estado. De acordo com o médico, "existem 'n' casos na literatura demonstrando claramente que a venda de bebida em dia de jogo, quer seja futebol, soccer, basquete, hóquei, qualquer esporte, aumenta a violência. Porque tem um comportamento coletivo".
O coordenador do Movimento Brasil Sem Drogas, advogado Roberto Lasserre, corroborou com as palavras do psiquiatra e pediu empenho dos parlamentares. "Podem ser uma referência para o Brasil se votarem e votarem contra", disse. "Nós entendemos que é um atraso profundo, porque é uma área onde o acirramento entre as torcidas, onde a violência é tão comum", argumentou. Outra frente contra a medida vem do Ministério Público Estadual. Para o promotor André Barbosa, do Núcleo do Desporto e Defesa do Torcedor, uma lei estadual não poderia se sobrepor a uma federal.
Embate
Os deputados Mirian Sobreira e Gony Arruda protagonizaram um momento tenso no fim da audiência pública. De posicionamentos antagônicos, os parlamentares discutiram sobre o tema. Arruda disse que a proibição da bebida apenas nos estádios, com os argumentos destacados na ocasião, deveria se estender ao restante do Estado. A pedetista alertou que beber durante festividades, como casamentos, difere de atmosferas de jogos de futebol.
Ao fim do evento, Gony destacou que o projeto já foi discutido à exaustão e analisado pelas comissões. "Nós temos que ir para o voto. Porque há uma ansiedade muito grande do torcedor cearense", disse. De acordo com o parlamentar, "qualquer coisa será uma surpresa impactante aqui no processo legislativo".
Enquanto isso, Mirian afirmou que continuará lutando para que o Estado "não cometa essa insensatez de autorizar vender bebida alcoólica nos estádios, aumentando cada vez mais a violência".