Fernando Hugo (PP), deputado com mais mandatos atualmente na Assembleia, diz que o aumento de abstenções favorecerá candidatos ricos
( José Leomar )
Em 2016, pouco mais de 18% dos cearenses optaram por não escolher os prefeitos nos dois municípios do Ceará onde houve segundo turno. Na primeira etapa, quando, além de candidatos a prefeito dos 184 municípios cearenses, também estavam na vitrine postulantes a vereador, foram 14,6% os que abriram mão da prerrogativa. Na eleição de 2014, quando foram eleitos governadores, deputados estaduais, deputados federais, senadores e presidente, a abstenção do eleitorado cearense foi de 20,12% no primeiro turno e de 21,75% no segundo. Aquele pleito aconteceu logo depois de movimentos realizados em todo o País contra a corrupção, exigindo melhora na educação, saúde e no transporte público.
Passados quase quatro anos e já com uma nova eleição para os mesmos cargos batendo à porta, a expectativa de deputados estaduais ouvidos pelo Diário do Nordeste é que o número de eleitores que não vão votar, não apenas no Ceará, como no Brasil todo, seja ainda maior no pleito de 2018. Tal projeção, segundo eles, é reflexo dos escândalos que abalam cada vez mais a credibilidade dos políticos.
Fernando Hugo (PP) é o deputado com mais mandatos atualmente na Assembleia Legislativa do Ceará. Ele considera que percentuais de abstenção em torno de 20%, observando-se o comportamento do eleitor pelo mundo, principalmente de países da América do Norte, não chegam a ser assustadores. "Porém, o eleitorado brasileiro, que tenho chamado reiteradamente de eleitorado delinquente pelo comportamento de ser pedinte, por sempre postar-se na âncora dos candidatos, tem se afastado numa crescente de abstenção eleitoral preocupante", analisa.
Favorecidos
Para o parlamentar, caso não cessem, "atos irresponsáveis" devem influenciar um aumento das abstenções e favorecerão os mais ricos. "Imagine se o voto não fosse obrigatório no Brasil? Quem seria eleito, mais do que já, seriam os candidatos ricos que podem pôr à disposição dos eleitores, sejam da zona urbana ou rural, a oferta de transporte que cultivará a delinquência eleitoral maior ainda".
Hugo avalia que não há legislação política, eleitoral e partidária forte nos dias atuais. "E o pior é que não existem por parte dos ministérios públicos eleitorais, em nenhuma grande cidade do Brasil, em nenhum Estado, condições policialescas de fiscalização antes, durante e depois das eleições. É tocar o barco e deixar a bola correr desse jeito".
Efeito contrário
O deputado Julinho (PDT) acredita que haverá diminuição dos que comparecerão às urnas no pleito do próximo ano. "Infelizmente, vai aumentar. Mas a população tem que entender que, se não participar efetivamente na escolha dos seus representantes, acaba que aqueles mal intencionados se sobressairão pelos bem-intencionados", alerta. "Lamento dizer isso, mas acredito que vai aumentar a abstenção pelo descrédito ou pela frustração devido esses escândalos virem à tona dia após dia".
Para ele, contudo, o efeito deveria ser o contrário. "Acho que, por tudo o que acontece, com o Brasil sendo passado a limpo, a população deveria participar ainda mais, para colocar pessoas certas nos lugares certos, no poder público", afirma. "Agora, se simplesmente porque está frustrado, decepcionado, o eleitor cruzar os braços, nada vai mudar. Só muda quando a gente muda e a população tem papel protagonista para isso".
Na avaliação de Renato Roseno (PSOL), há no Brasil um grande desalento que faz com que as pessoas se abstenham nas eleições. "Há uma crise de representação e de representatividade", opina. Ele diz crer que essa crise se estenderá por anos e que somente será superada se houver o surgimento de novas forças políticas nacionais com poder para propor uma "ampla, profunda e democrática" reforma política desde a sociedade civil organizada. "Há um divórcio entre os apelos da sociedade e os acordos de sobrevivência dos políticos tradicionais", aponta.
Buscar soluções
Heitor Férrer (PSB) diz que, a fim de estimular os votantes a saírem de suas casas para escolherem representantes nas urnas, a classe política deve fazer valer a premissa de que a democracia se consolida com crises que acabam por criar soluções. "A primeira solução seria escolher bons representantes populares e acompanhar os mandatos desses representantes".
Por sua vez, Roberto Mesquita (PSD) crê que cabe aos eleitores a tarefa de eleger pessoas dignas. "É hora, inclusive, de reflexão por parte do eleitor. Ele tem que colocar na balança que, ao não votar, mantém aqueles que se utilizam dos currais eleitorais organizados principalmente pelas condutas que estão nos causando desprezo", considera.