A cientista política Carla Michele Quaresma aponta que o descolamento entre partidos e filiados reflete falta de ideologia e questões eleitorais
( Bruno Gomes )
A divisão no bloco parlamentar formado por membros do PMDB, do PSD e do PMB na Assembleia Legislativa, acentuada nas últimas semanas a partir de uma alteração na liderança do grupo, levantou debate sobre fidelidade partidária e autoritarismo nas siglas que compõem o Legislativo cearense. Até o momento, deputados estaduais alinhados ao Governo do Estado que ocupam espaço no bloco oposicionista têm ignorado ameaças de expulsão das legendas pelas diretorias partidárias. Parlamentares, dirigentes e analistas políticos apontam motivos diversos para a "desobediência".
No bloco de oposição, a instabilidade se agravou quando a peemedebista Silvana Oliveira foi alçada ao posto de líder do grupo, no mês de junho, apoiada pela maioria dos 11 parlamentares que compõem o bloco. Tal revés, que destituiu o ex-líder, Leonardo Araújo (PMDB), ocorreu no momento em que a opositora, ao sinalizar aproximação com o Governo do Estado, realizou mudanças na composição de dois colegiados onde tramitam matérias estratégicas para o Executivo, o que retirou opositores das relatorias do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que extingue o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM).
Tão logo foram oficializadas as mudanças, Silvana já havia informado que recebeu do vice-presidente estadual do PMDB, Gaudêncio Lucena, ameaça de expulsão. As comissões executivas estaduais do PSD e do PMB, comandadas pela mesma família, também deliberaram pela "recondução imediata" de Leonardo Araújo à liderança do bloco e pediram que os relatores depostos voltassem à relatoria das matérias nas comissões.
Sem pleitos atendidos, a direção do PMB determinou a saída da sigla da composição do grupo. Antes, o PSD já havia decidido pedir os mandatos dos "deputados infiéis" à Justiça Eleitoral e chegou a expulsar Osmar Baquit (PSD), que recuperou a filiação por decisão judicial.
Outras ameaças
Não é a primeira vez em que o descumprimento de determinações partidárias motiva ameaças de expulsão na Assembleia. O último caso havia ocorrido em dezembro do ano passado, quando da eleição para a Mesa Diretora. Após fechar questão em torno do nome de Sérgio Aguiar (PDT) para a presidência do Legislativo, o PMDB anunciou que abriria processos de expulsão dos deputados Agenor Neto e Audic Mota, por terem votado em Zezinho Albuquerque (PDT), candidato que, apoiado pela base aliada, foi reeleito.
Passados seis meses do episódio, nada aconteceu com os dissidentes até agora. Osmar Baquit, que já anunciou que deixará o PSD na janela partidária do ano que vem, nega que haja infidelidade partidária na divergência entre a determinação do partido e a postura de alguns deputados na Casa. "Não tenho medo de que peçam meu mandato, até porque existe Justiça para me defender. Vou mostrar as contradições do que era antes e do que é agora", afirma.
Leonardo Araújo já apresentou requerimento à executiva estadual do PMDB para a abertura de processo de expulsão da deputada Silvana Oliveira da legenda e diz que, por pronunciamento do deputado Audic Mota em 14 de junho, fará o mesmo em relação ao correligionário. "Dessa vez não serão só ameaças, terá resultado efetivo", promete.
O peemedebista afirma, porém, que o descolamento entre as deliberações partidárias e as posturas de deputados não indica fragilidade político-ideológica. "Não há fragilidade, o que há é que nós não estamos no poder para atender interesses".
Perguntado se a situação da sigla - PSD e PMB não têm diretórios estaduais, apenas comissões provisórias - influenciaria na pouca consideração de alguns membros pelas deliberações partidárias, o presidente estadual do PSD, deputado federal Domingos Neto, por sua vez, afirma que todas as decisões do partido são sustentadas pelo diretório nacional da sigla. Ele não teme diminuição da bancada na Assembleia. "A gente só perde o que tem", resume.
Ausência de ideologia
Já a cientista política Carla Michele Quaresma, professora do Centro Universitário Estácio do Ceará, observa que, por trás do descolamento entre decisões partidárias e posicionamentos de parlamentares, há o surgimento de partidos "com pouca ou sem nenhuma ideologia" e, além disso, questões eleitorais.
Na prática, entretanto, ela afirma que as ameaças de expulsão acabam tendo efeito de "pressão" e não de punição. Para a cientista política, a ausência de vida partidária em siglas criadas com objetivo de viabilizar candidaturas também justifica a inexistência de rigor partidário em casos de discordância entre filiados e direção. "O partido só existe para viabilizar candidatura e, enquanto isso, a legislação permite que partidos existam dessa maneira capenga, instável".
A reportagem tentou ouvir os deputados Silvana Oliveira (PMDB), Odilon Aguiar (PMB) e o vice-presidente do PMDB no Ceará, Gaudêncio Lucena, mas eles não atenderam às ligações até o fechamento desta matéria.