Deputada federal Gorete Pereira reclama que aspectos machistas e patriarcais "ainda são muito fortes" sobre mulheres na política
( Foto: Fabiane de Paula )
Se, para mulheres, eleger-se a cargos eletivos, ainda hoje, é mais difícil que para homens, conforme evidenciam as pouco numerosas bancadas femininas nos parlamentos brasileiros, a reeleição é desafio ainda maior. No Ceará, até o pleito de 2016, apenas 54 mulheres já foram eleitas vereadoras da Capital, deputadas estaduais, deputadas federais ou senadoras. Destas, 32 conseguiram exercer mais de um mandato. Duas chegaram à Prefeitura de Fortaleza, enquanto outras deixaram a política após quatro anos no poder, por escolha ou por derrota nas urnas. Quem permanece, portanto, sabe que ocupar espaços é esforço sem trégua em busca de equidade de representação.
Informações da publicação "Mulheres no Parlamento cearense", produzida pelo Memorial da Assembleia Legislativa do Ceará em 2011, somadas a dados do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) referentes às eleições de 2012, 2014 e 2016, contabilizam que, desde 1975, apenas 29 cearenses foram eleitas deputadas estaduais, das quais 16 tiveram mais de um mandato, seja no Legislativo estadual ou em outro cargo eletivo. Na Câmara Municipal de Fortaleza, onde a primeira vereadora foi eleita em 1950, 28 mulheres já ocuparam cadeiras daquela Casa Legislativa. Destas, 13 exerceram mais de um mandato parlamentar.
Até hoje, quatro mulheres do Ceará também chegaram à Câmara dos Deputados e duas, ao Senado Federal, em Brasília. A única a alcançar reeleição para o Congresso Nacional, contudo, foi a deputada federal Gorete Pereira (PR), que ocupa uma das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados há três mandatos. Antes, ela já havia sido suplente do cargo e, no Estado, também foi deputada estadual por oito anos e vereadora de Fortaleza por duas legislaturas.
Primeira eleição
Exceção aos números, ao contrário de muitas mulheres que ingressam na vida política por influência de familiares políticos, Gorete Pereira, que foi eleita pela primeira vez em 1988, pelo extinto PFL, não chegou aos parlamentos por impulso de dentro de casa. Fisioterapeuta por formação, o interesse por buscar a política institucional, conta ela, foi reflexo de vivências de trabalho que lhe despertaram para "causas sociais".
Ser professora universitária e escrever um livro-base para a formação de outros fisioterapeutas eram "sonhos" que a cearense tornou realidade. Ser política, ainda que acompanhasse a atividade, nunca foi um deles. Até que, num dia de trabalho em 1988, quando chegou ao consultório onde trabalhava, no Centro de Fortaleza, "16 mães com crianças excepcionais nos braços", que aguardavam atendimento, surpreenderam-na com o incentivo: "Agora só votamos se for na senhora", ouviu delas. "Essas mães me deram a corda, e peguei aquela corda", lembra.
Buscou, então, o único político que conhecia, o ex-governador Adauto Bezerra, cujas filhas eram suas amigas, e de uma audiência com ele veio a filiação ao PFL, partido pelo qual disputou a primeira eleição para vereadora, naquele mesmo ano. "Dali em diante, fiz uma reunião com a minha família. Tinha dois irmãos que foram contra. Disseram que eu já tinha uma carreira como professora. Aí disse: 'mas estou indo pelo trabalho social, para ver o que posso contribuir com aquelas pessoas'", relata.
E foi. Chegou à Câmara Municipal de Fortaleza, à Assembleia Legislativa do Ceará e à Câmara dos Deputados, na capital federal. Em 2010, já deputada federal, filiou-se ao PR, onde permanece. O "diferencial" que, segundo a republicana, a levou até onde está é uma palavra que repete em resposta: "Trabalho, trabalho, trabalho", acompanhado de prestação de contas.
Além disso, Gorete Pereira ressalta que procura participar ativamente das atividades da Câmara. "Sou da comissão de Constituição e Justiça, da comissão de Orçamento, da comissão de Trabalho, sou vice-líder do meu partido, fui procuradora-adjunta no mandato passado e sou, agora, candidata a procuradora da Câmara Federal", cita.
Permanecer no Legislativo, entretanto, não é fácil. O esforço em busca de cada eleição, argumenta ela, ainda é desigual. "Uma mulher, para se reeleger a qualquer cargo legislativo, precisa trabalhar três vezes mais do que os homens, a começar pelas campanhas", exemplifica.
"Para o homem, a campanha política é, muitas vezes, um prazer enorme, porque vai para um comício e se diverte. Ele bebe, ele vai falar, ele dança com as meninas, ele tem mil pessoas ao redor. Nós não fazemos nada disso", compara. "Essa liberdade que têm os homens nas campanhas é muito mais fácil do que para a mulher", observa.
Além de Gorete Pereira, também são "campeãs" de mandatos entre políticas cearenses a deputada federal Luizianne Lins (PT), que já foi eleita vereadora por duas vezes, deputada estadual por um mandato e prefeita de Fortaleza por oito anos; e Patrícia Saboya, que antes de ser alçada ao cargo de conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE), o qual ocupa hoje, foi vereadora da Capital por um mandato, somou oito anos na Assembleia Legislativa e outros oito no Senado. Além dela, o Ceará teve apenas outra senadora: Alacoque Bezerra, do PSD, entre 1983 e 1990.
Congresso Nacional
Já à Câmara dos Deputados, além de Gorete e Luizianne, chegaram Moema São Thiago, que participou da fundação do PDT e exerceu mandato de deputada federal constituinte entre 1987 e 1991; e Maria Luiza Fontenele, integrante da bancada do PSB na Câmara de 1991 a 1994. Entre 1985 e 1988, no PT, ela também foi a primeira mulher a ser eleita prefeita de Fortaleza e, antes disso, foi deputada estadual por duas legislaturas.
Entre as que passaram pela Câmara Municipal da Capital, Maria José Albuquerque de Oliveira somou seis mandatos como vereadora. Maria Magaly Marques Dantas foi eleita cinco vezes. No ano passado, após tentar lançar candidatura do filho, Samuel Marques, sem sucesso, ela voltou a ser candidata, mas não alcançou reeleição.
Prestes a completar 30 anos de vida pública, Gorete Pereira lamenta que, em determinados aspectos, ser mulher nos parlamentos pouco mudou ao longo dos anos. "Em quantidade, está praticamente igual. Quando entrei na Câmara pela primeira vez, éramos três vereadoras. Depois fui à Assembleia e só éramos eu e a Cândida Figueiredo (eleita pelo PSDB para a legislatura 1995-1998)", recorda.
A desigualdade persiste nacionalmente. Durante evento do projeto "Debates", do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), realizado na última quinta-feira (30) com o tema "A participação das mulheres na política", a ministra Luciana Lóssio destacou que, num quadro de 193 democracias no mundo, o Brasil ocupa "a desonrosa colocação de número 155". No continente americano, o País está à frente apenas de Belize e do Haiti. Segundo ela, apesar de representarem mais da metade do eleitorado do País e 44% dos filiados a partidos políticos, as mulheres não ocupam nem 10% dos cargos no parlamento. O número de prefeitas eleitas gira em torno dos 11%.
Machismo
Além do fato de que, a cada eleição, "se perde uma para entrar outra", a parlamentar cearense reclama que o machismo e o patriarcado "ainda são muito fortes" sobre mulheres na política. "As pessoas não escolhem ir, às vezes vão porque o marido colocou, porque o pai colocou, e muitas vezes não têm na cabeça uma ideia de transformação, de um trabalho de contribuição grande em relação à pauta da mulher, porque a mulher precisa ter o pensamento dela", sustenta.
Na contramão disso, Gorete Pereira aponta que, em alguns estados, mudanças são referência ao esforço por equidade de representação de gêneros. Dentre os oito parlamentares eleitos pelo Amapá no pleito de 2014, cita como exemplo, quatro são mulheres e quatro são homens.
Outras reivindicações, defende ela, podem contribuir para avanços, como a aprovação da PEC 134/2015, que reserva vagas para cada gênero na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas Câmaras Municipais; e a disposição de 5% do Fundo Partidário para candidaturas femininas, já que hoje os partidos são obrigados, pela lei eleitoral, a apresentar ao menos 30% de candidaturas de mulheres em disputas proporcionais, mas, segundo Gorete Pereira, não disponibilizam condição financeira para que elas possam concorrer.
Mais mandatos
Gorete Pereira: Foi vereadora, deputada estadual e é deputada federal. Eleita sete vezes;
Luizianne Lins: Já foi vereadora, deputada estadual, prefeita de Fortaleza e é deputada federal. Eleita seis vezes;
Maria José de Oliveira: Foi eleita seis vezes vereadora
Magaly Marques:Foi eleita cinco vezes vereadora;
Patrícia Saboya: Foi vereadora, deputada estadual e senadora. Venceu quatro eleições;
Rachel Marques: Efetivada neste ano, está no quarto mandato como deputada estadual.
Fontes: Memorial da Assembleia/TRE-CE