Odeputado estadual Carlos Matos (PSDB), encerrando seu mandato na Assembleia Legislativa, faz um balanço do que pôde realizar e mapeia quais os desafios que se pode enxergar no horizonte para o Ceará e o Brasil. Ele, que não conseguiu se reeleger na eleição deste ano, conta que não pretende sair da vida pública em 2019, prometendo atuar junto a forças políticas e instituições públicas e privadas, de modo a fazer avançar pautas com que trabalhou na AL. O parlamentar defende, também, que o espaço que ocupou no Poder Legislativo – e que será repassado no ano que se aproxima – seja usado como uma oportunidade para criar consensos na sociedade, explorando seu poder articulador e conciliador no poder público.
O deputado conversou com O Estado sobre esses temas, fazendo reflexões, ainda, sobre o momento atual do País, a situação em que se encontra o PSDB e a situação hídrica no Ceará. Confira na entrevista abaixo.
O Estado. No desfecho do seu mandato na Assembleia, o que destaca desses últimos quatro anos?
Carlos Matos. Destacaria três aspectos. Primeiro, a sociedade nem sempre cobra corretamente, nem mesmo a imprensa, do desempenho do parlamentar. Espera-se que faça muito pronunciamentos na tribuna ou produza muitos projetos de lei e isso tem burocratizado o País. É quase uma sensação falsa de que, para cada problema, uma lei resolve. Não é verdadeiro. Temos mais leis do que seria necessário, hoje temos em torno de 12 mil leis no Estado do Ceará, se houvesse a metade talvez fosse melhor. Então houve grande aprendizado do papel do parlamentar, que é de um grande mediador e articulador de soluções para o desafio da sociedade. O segundo aspecto é de que a Casa Legislativa é, talvez, o maior poder político que a sociedade tem, porque ali estão todas as correntes de pensamento. Ali está 100% do povo representado, o que não acontece no Poder Executivo, onde um poder político ganha e boa parte segue outros pensamentos.
É uma oportunidade única para construir consensos, que acho que é o grande caminho para que a sociedade possa dar saltos. Não dá mais para ficar um querendo subir na parede e outro puxando pelo pé, um querendo fazer e outro querendo desmanchar. E é preciso que nós possamos otimizar recursos da sociedade. Já se paga 40% de impostos, é muito, não tem como pagar 50, 60, e a forma como o Estado está organizado não está dando resposta adequada para a superação de desafios. Vemos isso na saúde, na educação, na segurança pública, nas políticas de infância e juventude, então é preciso que se faça mais com o recurso que tem. Para isso, é preciso que haja mais cooperação, mais entrosamento e integração com diferentes forças políticas.
OE. Você tem falado sobre a importância de a sociedade se organizar em comunidades para encontrar soluções políticas. Pode expandir um pouco essa ideia?
CM. A primeira grande unidade, a célula vital da sociedade é a família. Na medida em que ela é degradada, que vai sendo atacada, nós, como deputados, nesses quatro anos trabalhamos muito em favor da família, fomos decisivos para ser rejeitada a matéria de ideologia de gênero na Assembleia Legislativa, para o Plano Estadual de Educação nos próximos 10 anos. Nós precisamos voltar à origem. Parece uma coisa de dinossauro você defender a família, uma coisa ultrapassada.
O que é ser progressista, é destruir a família? Não acredito que isso seja sensato, que seja bom. Isso se vê claramente na defesa do aborto, ou contra o aborto. Se usa o argumento da defesa da mulher, direito da mulher para cometer o aborto, do outro lado se argumenta que você deve respeitar a vida incondicionalmente. Outro dia uma pessoa disse: “realmente, os criminosos devem ser mortos, pena de morte deve acontecer”. Quando a vida não é respeitada, nada mais é respeitado numa sociedade. A vida nos é concedida por Deus e só pode ser tirada por Deus. Na hora que nós, por mais alto cargo que possa ter, por mais autoridade que possa ter sido conquistada, nos vemos no direito de escolher quem vai morrer ou não, nós construímos uma sociedade desumana.
OE. Qual sua expectativa quanto ao andamento da transposição do São Francisco para 2019?
CM. Acho que é irreversível a transposição, foram gastos R$ 11 milhões. Mas, se comprarmos a um avião novo e pagarmos, o avião não deixa de existir, mas pode cair. Então a transposição precisa ser bem gerida. Ela custa R$ 300 milhões por ano só de energia, os canais precisam ter manutenção anual, não precisa esperar que o canal quebre para fazer manutenção, precisa ser permanente. E o custo da operação hoje varia de R$ 400 a R$ 700 milhões, depende de quem faça o cálculo. É preciso apurar esses números, porque quem vai pagar essa conta não está bem definido. São os estados, mas eles não querem assumir a conta, porque, no caso do Ceará, o principal canal previsto para a transposição do São Francisco não está pronto, o que vai nos impor perda de 50% da água. Gerou-se expectativa de que a transposição resolveria o problema da água no Ceará e não é verdade, não vai resolver o problema. Nós vimos que o Cinturão das Águas, que foi uma expectativa da política pública gerada para o Ceará, que levaria água, não tem fundamento, porque não tem fonte hídrica para sustentar. Para além da transposição, nosso mandato passou a discutir a segurança hídrica do Estado. Somos o estado com menor oferta hídrica por habitante, não podemos nos dar o direito de desperdiçar água como se faz hoje.
OE. Tendo presidido a Frente Parlamentar de Combate ao Aedes aegypti, qual legado o senhor considera que esse trabalho deixa?
CM. Fica um grande legado. Primeiro, de que não cabe à Assembleia Legislativa ficar apenas legislando ou comentando o que deu certo ou não. Podemos ser um grande articulador, um grande regulador para que se encontre melhores soluções. Foi o que fizemos na Comissão, atuamos com o Ministério Público, universidades, com entidades da sociedade civil e em governos nas esferas municipal, estadual e federal, e construímos uma agenda de 10 pontos estratégicos, dos quais seis foram implementados.
OE. O PSDB teve resultado abaixo do esperado nessas eleições, como avalia a situação do partido hoje?
CM. É um partido com morte anunciada, se não for tomada uma medida grave e séria. Nós éramos um partido reconhecido pela seriedade, pela honradez, e isso permanece no Ceará: até hoje não tem um arranhão com alguma pessoa do PSDB no Ceará. Mas, no Brasil, não dá para defender Aécio Neves, um monte de nomes que se envolveram na corrupção e, com respeito ao partido, deveriam ter perdido afastamento. Não tendo pedido, era necessário que o partido tivesse afastado e não fez, e assim ficou interpretado como mais um partido que se misturou, que misturou o que é público e privado. E isso, se não der um corte de separação, todos do PSDB ficarão sem crédito. uma grande mudança se impõe ao PSDB hoje, ou morrerá por inanição, por falta de uma voz forte.
OE. E sobre o Ceará em específico, qual o futuro do partido aqui?
CM. Vamos ver agora, nesse pós-eleição. Aqui no Ceará eu continuo tendo como referência o senador Tasso [Jereissati] – acho que nem ele mesmo tem o PSDB como referência hoje, da maior forma que está. Ele, como presidente do partido, propôs assumir uma agenda de erros, para poder repaginar, construir uma nova história. O Brasil foi para extremos, agora temos extrema-esquerda e extrema-direita, e o brasileiro é mais equilibrado, ele busca uma postura de centro. Mas, mesmo com uma postura de centro, é preciso ser uma postura com firmeza, não dá para ficar querendo agradar todo mundo e no final não mostrar a que veio, e o PSDB acho que foi por essa linha.
OE. Vemos que a bancada de oposição no Ceará deu uma encolhida, o governador se reelegeu com uma vitória expressiva… O momento é ruim pra ser oposição?
CM. Eu acho que nunca o momento é ruim para ser oposição, porque faz parte da democracia. O que faz mal é o governo tentar cooptar todo mundo e não querer que tenha oposição. Ao tentar matar a oposição, comete um erro grave contra democracia e contra ele próprio, porque o governo precisa de um retorno nas suas ações e atitudes, e esse retorno é a oposição. E acho que, mais do que numero de componentes, prefiro uma bancada com dois membros do que uma com 10 que dizem que são contra o Governo incondicionalmente, ou que cedem com muita facilidade. Acho que a oposição foi bem qualificada na Assembleia, nesses últimos quatro anos.
OE. O senhor mencionou não ter intenção de sair da vida pública ano que vem. O que pretende fazer, agora sem mandato?
CM. Farei as articulações, mesmo sem mandato. Construí relacionamentos sólidos na Assembleia, com instituições públicas e privadas, então esse talento de articulação, que Deus me deu, não vou deixar apodrecer. Vou usar em favor da sociedade, em favor do bem comum e dos assuntos que tratei com seriedade e profundidade na Assembleia. Eu vou, na medida em que puder convencer os novos parlamentares a continuar com essa bandeira, e na medida em que puder estarei a serviço. Acho que as grandes mudanças na política não se dão por políticos, nem no meio político. A participação da sociedade é a grande a cereja do bolo.