Na disputa de 2018, o PSL contava com nomes que não devem estar juntos em 2020
Foto: José Leomar
Rompido com o presidente Jair Bolsonaro, após crise interna com o PSL, o presidente do partido no Ceará, deputado federal Heitor Freire, busca estratégias para repaginar o PSL no Estado, de olho nas eleições de outubro. Tentando adotar um discurso mais "moderado", o dirigente diz que agora será "independente" em relação ao Governo Federal, priorizará alianças com partidos de centro no Estado e vai "entrar de cabeça" na disputa em Fortaleza, reafirmando sua pré-candidatura.
O cenário é uma reviravolta na cúpula do PSL local, em tão pouco tempo. Basta lembrar que, no ano passado, Heitor Freire era apontado como um dos "homens de Bolsonaro" no Ceará e um dos membros do PSL mais fiéis ao Governo Federal nas votações.
As perspectivas duraram até a relação entre o presidente da República e o partido azedar, em meio a disputas internas, e o parlamentar cearense decidir apoiar o comandante nacional da legenda, Luciano Bivar, contra a ala ligada a Jair Bolsonaro.
Distanciamento
O fundo eleitoral de R$ 202 milhões previsto para o PSL, neste ano foi, na verdade, um dos pivôs do racha. Além disso, por ter a segunda maior bancada de deputados da Câmara Federal, o PSL deverá ter a segunda maior fatia do horário eleitoral gratuito no rádio e na TV: aproximadamente quatro minutos. A briga pelo controle dessa estrutura dividiu o partido entre "bolsonaristas", que querem criar outra legenda, o Aliança pelo Brasil, e os chamados "bivaristas".
Do lado do grupo rompido com Bolsonaro, Heitor Freire diz que não é um "bajulador" do Governo Federal e que atuará de forma "independente" na Câmara Federal. "Continuo alinhado com os mesmos princípios conservadores. Agora, não sou um bajulador, vou votar os projetos de acordo com minha consciência. Antigamente, talvez eu tivesse uma idolatria pelo Bolsonaro, hoje, para mim, ele é uma pessoa que tem erros", afirma.
Questionado sobre a incoerência em criticar o presidente Bolsonaro, hoje, considerando que, no ano passado, e durante a sua campanha para deputado federal, manifestava total apoio às suas pautas, Heitor Freire alega que só "o tempo" mostra "erros".
Impactos na Eleição
Nesse cenário, o deputado cearense e outros parlamentares do PSL não deverão contar com o apoio de Jair Bolsonaro, até então o principal cabo eleitoral do partido, nestas eleições municipais. Antes mesmo da crise nacional, o partido no Estado já estava rachado. De um lado, os apoiadores de Heitor Freire e do outro os defensores dos deputados estaduais André Fernandes e Delegado Cavalcante, que se dividiram também após disputas internas.
Sem Bolsonaro "puxando" o partido, o PSL, naturalmente, perde influência política e corre o risco de perder votos dos apoiadores do presidente. Para tentar se cacifar no jogo político e obter desempenho nas urnas, em outubro, a cúpula do PSL no Ceará já começou a apostar em um discurso mais suave. A ideia é se distanciar dos radicalismos do campo de direita.
Nessa esteira, a estratégia, segundo Heitor Freire, será buscar alianças com os partidos de centro, nas disputas municipais.
"Tem município que eu vou estar com o PSD, com o DEM, o PSDB. Não podemos tratar com partidos de extrema-esquerda, tipo PT, Psol, PCdoB, PCO, mas, com os de centro, nós temos muitas coisas em comum e estamos abertos ao diálogo com todos", afirma.
Inclusive, diz o dirigente, o PSL poderá compor chapa com o PDT, partido de centro-esquerda, em alguns municípios. Ele, porém, descarta uma aproximação com o grupo governista, liderado pelos irmãos Ferreira Gomes. "O estatuto do partido não nos permite fazer aliança com o PT, mas com o PDT podemos. Isso não significa que eu sou aliado, sou oposição ao prefeito e ao governador", afirmou.
Fortaleza
O partido estuda lançar candidatura à Prefeitura de 15 municípios cearenses, entre eles Fortaleza. O deputado afirma que será o candidato do PSL na Capital e que a direção nacional da legenda dará estrutura para a campanha. "O PSL vai entrar de cabeça. O PSL me garantiu estrutura pesada para bancar a candidatura à Prefeitura de Fortaleza, como para a eleição de vereadores", afirma o deputado.
Heitor Freire diz que o lançamento oficial da sua pré-candidatura já está pré-agendado e acontecerá até março, com a presença de lideranças nacionais do partido. Entretanto, o desafio mesmo do PSL será atrair partidos em torno da sua candidatura na Capital. Por mais que se tenha recursos para financiar a campanha e um tempo razoável de propaganda no rádio e na TV, Heitor Freire precisará ter musculatura.
O deputado cearense tenta aproximação político-eleitoral com o ex-vice-prefeito de Fortaleza, Gaudêncio Lucena, do MDB. No entanto, o emedebista não sinalizou suas pretensões eleitorais, nem o partido. Além do mais, o ex-senador Eunício Oliveira, que comanda a sigla emedebista no Ceará, é próximo do governador Camilo Santana (PT) e já sinalizou que pode segui-lo, no caso de Camilo apoiar a candidatura de algum partido da base aliada, que não o PDT.
Freire diz que vai procurar o DEM, que ainda não oficializou sua permanência na base governista, mas é apontado nos bastidores, como já "fechado" com o grupo governista. Na oposição, resta o PSDB que sustenta a pré-candidatura do ex-deputado estadual, Carlos Matos, no esforço de retomar o protagonismo político no Estado.
Sobre o Pros, comandado pelo deputado federal Capitão Wagner, que quer disputar de novo a Prefeitura de Fortaleza, as negociações esfriaram. Os dirigentes iniciaram tratativas, no ano passado, mas pouco avançaram. O PSL mantém o discurso de que quer ser "protagonista".
Reações
Do grupo ligado ao presidente Bolsonaro, o deputado Delegado Cavalcante disse que não "comunga" com a "nova ideologia" do PSL e que seu foco agora é a criação do Aliança pelo Brasil. "Para mim, o PSL nem fede, nem cheira, só estou no PSL por causa da legislação".
O deputado estadual André Fernandes, também engajado na criação do Aliança pelo Brasil, diz que "quer distância" das articulações do PSL, ainda que, oficialmente, ainda esteja filiado a ele.
"Na campanha, o atual presidente estadual do PSL criticava muito o PSDB, dizia que era o PT de gravata. Hoje está dizendo que vai se aliar com o centro. Então, normal. Eu não tenho nada contra a pessoa, mas quero distância dessa articulação. Provavelmente, daqui a pouco, vão fazer parte do grupo dos Ferreira Gomes", disse Fernandes.
Em novembro, André Fernandes foi suspenso da sigla por decisão do Conselho de Ética, pelo período de 30 dias em meio a desgastes com Freire. "Infelizmente foi apenas uma suspensão, gostaria muito que fosse uma expulsão", disse o deputado estadual à época.
A troca de farpas começou logo no início de 2019 por decisões de Heitor Freire à frente do PSL. Cavalcante e Fernandes tentaram afastar o dirigente, acusando-o de irregularidades na nomeação de membros do diretório estadual e no uso da cota parlamentar para o aluguel de um escritório em Fortaleza. Freire foi mantido no posto mesmo assim.
Áudio vazado
Em outubro de 2019, áudios de uma conversa entre Bolsonaro e Heitor sobre a disputa pela liderança do PSL na Câmara foram divulgados e lançaram sob o cearense a suspeita de ser o autor do vazamento. O deputado, em nota, admitiu o diálogo, mas negou ser o responsável pela divulgação. O episódio, em outubro de 2019, aumentou o racha da sigla no Ceará e deu munição para outras lideranças estaduais do PSL, rompidas com Freire, criticarem o seu comando.
Perda de cargo
Em novembro, uma ação do Governo Federal impôs desprestígio a Heitor Freire. O coronel da reserva da Polícia Militar, Júlio Aquino Rocha, foi exonerado do cargo de superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Ceará pouco mais de um mês após a nomeação. Ele foi indicado ao cargo pelo parlamentar cearense.
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