Professores e estudantes voltaram ontem às ruas do País em protesto contra o congelamento de recursos da educação, levado a cabo pelo Governo Federal. Houve manifestações em ao menos 25 estados e no Distrito Federal.
Em Fortaleza, o ato se concentrou na Praça da Gentilândia, no bairro Benfica, de onde os estudantes saíram em caminhada pelas avenidas 13 de Maio, da Universidade e Carapinima. Em seguida, encerraram o evento na Concha Acústica da Universidade Federal do Ceará (UFC), com apresentação de grupos musicais.
De acordo com a organização, capitaneada pela União Nacional dos Estudantes (UNE), foram contabilizadas 100 mil pessoas, o mesmo público estimado no ato do dia 15 passado, o primeiro realizado contra o contingenciamento na verba de manutenção de instituições de ensino federal. O POVO não localizou policiais militares no decorrer da passeata — a PM costuma realizar a contagem de participantes em eventos de massa.
No mesmo dia em que estudantes ocuparam as cidades pela segunda vez em maio, o Ministério da Educação (MEC) divulgou nota na qual afirma que "nenhuma instituição de ensino pública tem prerrogativa legal para incentivar movimentos político-partidários e promover a participação de alunos em manifestações".
Ainda no texto, a pasta, comandada por Abraham Weintraub, assinalou que "professores, servidores, funcionários, alunos, pais e responsáveis não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário escolar". O ministério acrescentou que, "caso a população identifique a promoção de eventos desse cunho, basta fazer a denúncia pela ouvidoria do MEC".
Um dia antes, Weintraub já havia dito nas redes sociais que professores estavam coagindo alunos a integrarem a programação de atos pelo Brasil. Ele então pediu que as famílias de estudantes enviassem provas dessa coação para que o governo pudesse tomar medidas cabíveis.
Em transmissão ao vivo ontem, porém, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) resolveu ignorar as manifestações contra a sua gestão. Durante a "live" que faz toda quinta-feira, o pesselista chegou a citar o ministro, mas apenas para dizer que o MEC será beneficiado com recursos recuperados pela Operação Lava Jato.
A postura do presidente difere da adotada no dia 15, quando chamou os manifestantes de "idiotas úteis", inflamando os protestos, que podem se repetir no dia 14 de junho, data prevista para outra movimentação de estudantes.
Professor de Geografia da rede estadual do Ceará, Otacílio Bessa diz que apenas essa mobilização permanente de todos poderá fazer o Planalto retroceder no corte de verba para educação — em todo o País, o Executivo congelou cerca de R$ 7 bilhões.
"Acredito que isto aqui só tem algum efeito se o povo estiver na rua mostrando a pressão", receitou o docente. Para ele, as manifestações "não são apenas contra os cortes, mas contra os ataques e desrespeitos contra entidades estudantis".
Bessa explica que se refere ao contra-ataque do MEC, expresso em nota. "Não tem como fazer uma nação crescer colocando estudantes contra professores e professores contra as famílias", criticou. "Se o governo quer mudanças, que se chamem as comunidades pra discutir, mas ele não tem feito isso."
Paraibana moradora de Fortaleza, a irmã Maria de Fátima Ferreira, 30, foi à passeata vestindo o hábito. "A dor do povo atinge a igreja, e não estou aqui sozinha", constatou. "Estou aqui pela igreja, que deve estar onde o povo sofre. E aqui o povo pede justiça e está com voz". Ao lado de outros amigos da igreja, irmã Fátima pregava que a "educação é fundamental para a família e para o jovem".
Ao lado da filha de 11 anos, que havia se empoleirado num dos pilares da grade da reitoria da UFC portando um cartaz com críticas a Bolsonaro, a artesã Alice Farias Tavares incluiu a reforma da Previdência entre os pontos de descontentamento dos presentes. "Todo mundo tem que se mobilizar", convidou. "Hoje estou aqui, e virei em todos que houver. Educação não é dever, é direito".
Aos 81 anos, Maria Marlene Oliveira de Andrade conta que, mesmo aposentada, está "sempre metida no meio disso". Depois de chegar sozinha ao protesto, ela aponta os jovens que a cercam na avenida 13 de Maio. "Eu me fortaleço aqui".
Professora de Sociologia e Filosofia, disciplinas no meio do fogo cruzado ideológico atual, Marlene avalia que o contingenciamento de recursos "é uma aberração" e que, "sem educação, todo mundo fica no cabresto". E promete não se abater. "Filósofo não se abate nem se deixa levar pelo cabresto. Sempre fui professora e tenho orgulho disso", conclui.
Políticos evitam atos de estudantes contra cortes
Parlamentares evitaram participar do protesto de ontem contra o contingenciamento orçamentário da educação organizado por estudantes. Em Fortaleza, poucos políticos com mandato estiveram presentes no trajeto da manifestação, que começou na Praça da Gentilândia, no Benfica.
Entre eles, estão o vereador petista Guilherme Sampaio e o deputado estadual do PSL André Fernandes. Pelas redes sociais, o pesselista chegou a divulgar vídeo no qual aparecem dois jovens. Vestindo blusas vermelhas, elas picham a lateral de um ônibus com a frase "Lula livre".
Do partido de Bolsonaro, Fernandes relatou no Twitter que foi até a UFC "pra ver de perto a manifestação 'pela educação'". O parlamentar então escreveu: "Resumindo pra vocês: muito 'Lula livre', muita bebida, homem de vestido, mulher seminua, muito cheiro de maconha e muita putaria!".
Durante a manifestação, porém, o único incidente registrado pela reportagem foi quando um homem numa moto sacou arma e ameaçou estudantes que bloquearam um cruzamento. (Henrique Araújo)
HENRIQUE ARAÚJO