Não correu sem polêmica a sessão "extra" de votações que a Assembleia Legislativa realizou nesta terça-feira. O debate foi das prerrogativas do Estado às prerrogativas dos parlamentares, motivado por uma proposta, aprovada nesta terça em plenário, de cobrança de um "aluguel" por tornozeleiras eletrônicas no Ceará.
O debate foi liderado pelo deputado Soldado Noélio (Pros). Líder da oposição, ele criticou o fato de o plenário da Casa votar a mensagem do Governo do Estado antes de um projeto de sua autoria, com teor semelhante, apresentado antes no Legislativo.
"Meu projeto levou dez dias para ser lido no plenário desta Casa, quando foi enviado à Procuradoria (Legislativa, órgão consultivo que faz a análise jurídica de todos os projetos), onde até hoje adormece. A mensagem do governador (Camilo Santana, do PT) chegou e foi lida (em plenário) no mesmo dia, encaminhado à Procuradoria e, no mesmo dia, dado parecer. Foi votado nas comissões, fizeram reunião conjunta, passou em todas as comissões em um dia só", argumentou.
Para Noélio, houve desrespeito às prerrogativas parlamentares. Segundo o sistema da Assembleia, o projeto do Executivo foi protocolado no dia 24 e lido em plenário na mesma data. No dia 30, o texto passou pelas comissões de Constituição e Justiça, Defesa Social, Trabalho e Finanças.
O opositor defendeu que a proposta do Governo deveria ter sido apensada ao seu projeto e tramitado conjuntamente. O argumento foi acatado mesmo por adversários da proposta. "Não tem sentido que um determinado projeto de lei, em razão da sua origem, tramite em rito ordinário muito mais rapidamente do que um projeto de autoria de um deputado", sustentou. Para ele, é preciso que os parlamentares defendam suas prerrogativas.
Regimento
Elmano de Freitas (PT) afirmou que, de fato, as matérias deveriam ter tramitado conjuntamente, mas que Noélio precisaria ter levantado a questão antes, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). "Não é razoável pedir a anexação de um projeto que está na Procuradoria a outro que está no plenário", alegou.
O parlamentar, entretanto, destacou que a questão, exposta nesta terça, precisa ser tratada nas discussões sobre a reforma do Regimento Interno, em pauta na Casa.
A reclamação de Noélio não foi abraçada pelos deputados. Em votação, mais cinco ficaram ao seu lado, enquanto 23 não acataram a questão de ordem. A mensagem do Governo teve destino diferente. Foi aprovada com 26 votos favoráveis e apenas um voto contrário, de Renato Roseno (Psol). Segundo o deputado, a matéria era caso de "populismo penal" e adicionaria uma nova pena ao preso. Ele questionou a legalidade da proposta.
Na justificativa da matéria, o Governo expõe que os custos do Estado com esses equipamentos é elevado. O projeto, que estabelece cobrança - aos presos beneficiados pela progressão de regime e que tenham condições financeiras de pagar - pelo uso de tornozeleiras eletrônicas, porém, não prevê os valores cobrados. Estes devem ser definidos por ato do titular da Secretaria de Administração Penitenciária.
Foram aprovadas duas emendas ao projeto: uma determinando isenção de pagamento para quem tiver pessoas do núcleo familiar próximo beneficiadas por programa de assistência e para quem for defendido pela Defensoria Pública. Noélio criticou as medidas, dizendo que elas esvaziariam a matéria, ampliando demais os beneficiados pelas isenções no pagamento das tornozeleiras eletrônicas.
A lei é inspirada em norma semelhante já existente no Rio Grande do Norte, onde Mauro Albuquerque, secretário de Administração Penitenciária do Ceará, atuava na administração penitenciária até o ano passado. O Ceará tem, atualmente, 24.500 presos, de acordo com a Pasta. Destes, 3.762 são monitorados por tornozeleira eletrônica.
Consórcio
A Casa também aprovou nesta terça outra mensagem do Governo, ratificando a criação de um consórcio entre os estados do Nordeste. A matéria teve apoio até mesmo do líder da oposição. Já o líder do Governo na Casa, Júlio César Filho (PPS), defendeu que a medida é importante para aumentar o poder de pressão da região junto à União.
"De forma conjunta, com nossas bancadas federais reunidas, senadores e deputados federais, além de governadores, terão mais força para lutar por maiores investimentos", disse. Ele também apontou que é possível ter ganhos no intercâmbio de políticas públicas e a compra conjunta de insumos, como remédios.
Para Renato Roseno, o consórcio é útil não apenas para pressionar o Governo Federal, mas também para proteger-se dele. Para ele, a União vem promovendo um desmonte da rede de proteção social, e o intercâmbio entre os nordestinos pode diminuir os impactos de algumas medidas. O único voto contrário à medida foi o do Delegado Cavalcante (PSL). Para ele, não há margem constitucional para a proposta aprovada.
As votações aconteceram nesta terça - e não quinta-feira, como é usual - em razão de pedido da liderança do Governo. Com matérias acumuladas em razão da falta de quórum para votações na semana passada, a liderança temia não conseguir votar os textos na quinta-feira em razão da votação já marcada da proposta de liberação de venda de bebidas nos estádios cearenses.
Fundo do trabalho
A AL-CE também aprovou nesta terça a criação do Fundo Estadual do Trabalho, por iniciativa do Governo estadual, para destinar recursos à política estadual do trabalho, emprego e renda.
Horário
O esforço para aprovar as mensagens do Governo fez a sessão de terça-feira entrar pela tarde, o que não é comum. Havia o temor entre parlamentares de que, conforme a sessão avançasse, faltasse quórum em plenário.
Governo Federal
Na discussão sobre o Consórcio Nordeste, Delegado Cavalcante declarou que “Bolsonaro é um parceiro”. Já Roseno defendeu que o consórcio deveria ter postura crítica ao Governo Federal.
Semelhanças
Após a fala de Roseno, Salmito Filho (PDT) declarou que o discurso do parlamentar colocava o Psol e o PSL lado a lado. Para ele, o consórcio deve buscar um parceiro na União.