Heitor Férrer ameaça levar PEC à Justiça
(Foto: FÁBIO LIMA)
Tramita na Assembleia Legislativa uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende criar uma "aposentadoria voluntária especial" para conselheiros do antigo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) que acabaram na "disponibilidade" após a extinção do órgão. Com assinaturas de mais de 30 dos 46 deputados estaduais, a matéria tem apoios entre base e oposição e previsão de aprovação pacífica na Casa. Só há um pequeno problema: a mudança proposta passaria por cima do texto da Constituição Federal.
Em seu artigo 40, a Carta Magna brasileira estabelece uma série de regras gerais para a instituição do regime de previdência dos servidores públicos brasileiros. Entre elas, estão limites para a concessão de aposentadorias voluntárias, que exigem, entre outros pontos, idade mínima de 60 anos para homens e tempo mínimo de dez anos de "efetivo exercício no serviço público". O problema é que, na extinção do TCM, alguns conselheiros não possuíam nem tal idade nem tempo de efetivo exercício do cargo.
É aí que a nova PEC dá uma "mãozinha". Apresentado pelo deputado Osmar Baquit (PDT) - cujos únicos outros projetos de lei deste ano são três batismos de areninhas do Interior -, o texto antecipa a marca da aposentadoria dos conselheiros em disponibilidade para a data de promulgação da PEC que extinguiu o TCM, de 16 de agosto de 2017. Ou seja, na prática, a Constituição Federal estabeleceria um limite, e a Constituição do Ceará outro.
Contradição em pauta
A inconstitucionalidade foi levantada na Casa por Heitor Férrer (SD), o próprio autor da medida que extinguiu o TCM. Já sugerindo que deverá questionar a PEC na Justiça, o deputado apontou a clara contradição entre o texto federal (superior, por óbvio) e o estadual. A deputada Patrícia Aguiar (PSD) rebateu o colega, destacando legalidade da PEC, que não mexeria em "nenhum requisito" para a concessão de aposentadorias.
A proposta em análise, no entanto, diverge diretamente desta tese, chegando a afirmar textualmente que "não são exigíveis os requisitos do art. 40, §1º, III da Constituição Federal" para a concessão da aposentadoria dos conselheiros do extinto TCM. Ou seja, contradiz a Carta Magna (justamente no trecho onde ela institui os requisitos de aposentadoria) de forma clara e explícita, e ainda a chama pelo nome no texto.
Arrumar a casa
Resta ainda o outro argumento que embasa a PEC: segundo deputados favoráveis, a medida busca "fazer justiça" com os conselheiros do antigo TCM, que sofrem hoje dos impedimentos do cargo em disponibilidade mesmo sem terem a menor chance de assumir vaga efetiva no Tribunal de Contas do Estado (TCE). Entre essas limitações, está por exemplo a proibição de exercerem qualquer outra atividade profissional, com exceção à docência.
Aí ficam mais claros os contornos da coisa. Quando o TCM foi extinto, em 2017, o então presidente da Corte, Domingos Filho, era rompido politicamente com o grupo dos irmãos Ferreira Gomes, que comandava (e ainda comanda) a política do Ceará. O rompimento entre Domingos e o governismo foi inclusive a força motriz que impulsionou o fechamento da Corte, segundo o que próprio conselheiro levantou diversas vezes à época.
Acontece que Domingos e os irmãos Cid e Ciro decidiram, às vésperas da eleição passada, deixar os desentendimentos de lado e reatar amizade. Domingos, que é marido de Patrícia Aguiar, tem hoje 55 anos e teve pouco mais de três anos de exercício do cargo no TCM.
Se aliados do clã Ferreira Gomes admitem que fizeram injustiça com conselheiros como o aliado e agora pretendem reparar o erro, tudo certo. É legítimo e louvável. Eles só não podem, a pretexto de "fazer justiça", passar por cima da Constituição Federal. Até porque há quem olhe por ela.