Bate-boca e troca de acusações. O clima ficou tenso, ontem, no plenário da Assembleia Legislativa. A confusão começou durante o pronunciamento do deputado estreante André Fernandes (PSL). Ele falava sobre bandeiras que pretende defender e compromissos como o de “lutar contra a bandidagem”, quando afirmou que denunciará qualquer prática ou tentativa de corrupção. “Não estou acusando ninguém, mas, no dia que alguém chegar ao meu gabinete para oferecer dinheiro para qualquer que seja o motivo eu venho em plenário e coloco em público. Não venham no meu gabinete oferecer dinheiro”, disse.
A reação foi imediata. O deputado Fernando Hugo (PP) interrompeu o discurso, aos gritos, e iniciou o bate-boca ao cobrar “respeito” ao parlamento. Hugo disse que André estava agindo com “molecagem” e pediu que o jovem colega fosse retirado da tribuna. “Isso são devaneios, insinuando coisas que nunca vi com essa molecagem, não traga para cá, não”, disse ele.
Fernando Hugo também disse que a Casa Legislativa é respeitada e honesta. “A partir do momento que um colega expõe a Assembleia e insinua em público que aqui é uma Casa de negócios escusos, levanta suspeição errada da sociedade”, assinalou.
O parlamentar enfatizou, ainda, que os parlamentares estão defendendo, em peso, a Assembleia Legislativa por respeito à sociedade. “Devemos defender e prezar pela nossa Casa e pelo espaço do povo. Para ser respeitado é preciso respeitar”, afirmou.
“Fui frenético? Fui. Em defesa da sua Casa. Você hoje é membro da Assembleia”, disse ele, após baixarem os ânimos. “Não fizemos aqui nenhum ato amotinando da bancada do governo contra a oposição, a oposição é benfazeja”, continuou, mencionando Capitão Wagner, que atuou na bancada da oposição da AL até o início deste ano.
“Eu nunca vi o Capitão Wagner fazer isso, André. Se conselho fosse bom, ninguém dava e ninguém ouvia, mas tome uma fala de alguém um pouco mais experiente do que você. Você já nasceu grande e chega grande, pelo quantitativo de votos, não é preciso expor o Parlamento, que é a unta maior da democracia do Ceará, é essa Casa, respeite-a”, ressaltou.
O deputado Sérgio Aguiar (PDT) enfatizou que, independente da quantidade de votos obtidos por parlamentar, o Poder Legislativo é uma Casa de iguais. Sérgio Aguiar se referiu ao pronunciamento do deputado André Fernandes (PSL), que, no primeiro expediente da sessão plenária, insinuou possibilidade de supostas negociações de deputados da Casa.
“O deputado André Fernandes chega à Casa com uma votação expressiva, mas não imagine que aqui seja uma Casa rasteira, pequena e de negociatas”, apontou Sérgio Aguiar. Para ele, “a Assembleia é uma Casa que, há quase 200 anos, é a ressonância da força do povo cearense e merece respeito”.
Defesa
Já Vítor Valim (Pros) saiu em defesa de André Fernandes, considerando que o colega foi mal entendido e, assim como qualquer parlamentar na Casa, tem tem legitimidade e o “livre arbítrio” para fazer colocações. “Todas as acusações feitas ao parlamentar não são devidas”, defendeu.
Soldado Noélio (Pros), outro novato na Assembleia, considera que foi feita uma “tempestade em copo d’água” frente às declarações feitas. “Nós não somos pagos para ver ou dizer quem grita mais alto, é projetos e ideias. Se a gente discorda de algo tão pequeno, ‘ah, não devia ter dito isso’ ou ‘desonrou quem está aqui há 30 anos’”, pontuou.
Ele ponderou, no entanto, que a visão que tinha do Parlamento mudou desde que ingressou para a política, assim como assinalaram outros colegas. “Quando entrei, como vereador, achava que todo político era corrupto e eu mudei essa visão, sei que tem pessoas boas e tem corruptos também, mas aí se identifica, pega a prova e vai no órgão e denuncia, assim como fiz quando achei que estava errado, irregular, fui no Tribunal de Contas, no Ministério Público e denunciei”, continua. “O amigo André é livre a manifestação do pensamento […] e quem se incomodar procure a Justiça”, encerrou.
VDP
Ainda durante o pronunciamento, André Fernandes afirmou que vai dispensar parte da Verba de Desempenho Parlamentar (VDP). “Não vou abrir mão de toda VDP. Vou abrir mão daquilo que acho privilégio exagerado. Abro mão da locação de veículo terrestre. Recebi ajuda de custo no valor de R$19 mil. Amanhã, estou indo doar esse valor e vou publicar nas redes sociais.”
A declaração também foi repudiada pelos demais parlamentares. A deputada Dra. Silvana (PR) afirmou que não faz parte da conduta dos parlamentares da Casa receber valores. “Deixo o mais claro possível que jamais recebi e que não existe esse costume que o senhor denunciou. Você fez uma afirmação pública e eu tenho que defender essa Casa”, salientou.
Sobre os benefícios a que têm direito os parlamentares do Ceará, o deputado João Jaime (DEM) explicou como funciona a questão da aposentadoria e a verba de desempenho parlamentar. “Aqui no Ceará, diferente de outros parlamentos, não temos direito a aposentadoria como outros funcionários públicos. Temos a opção de aderir, pagando R$ 5 mil por mês. Já da VDP (Verba de Desempenho Parlamentar) não é possível abrir mão. Todos temos um limite de R$ 29 mil, se não precisar, é só não usar. Ninguém se torna melhor que o outro por isso”, salientou.
Diante das críticas, André Fernandes voltou ao microfone para falar sobre o protocolo de dispensa do benefício de locação de veículo terrestre. Conforme explicou o parlamentar, além do carro, ele também doará os recursos para ajuda de custos de seu gabinete. “Estou abrindo mão desses benefícios e vou doar os recursos. Minha intenção é reduzir custos. Sei que somos todos iguais aqui e não me coloco acima de ninguém. Respeito o Parlamento e os deputados, mas, acima de tudo, respeito o povo. Mas fingir que não existe vantagem ilícita é dizer que não tem político corrupto no Ceará”, afirmou.
Doações
O deputado Carlos Felipe (PCdoB) disse que a verba de gabinete recebida pelos parlamentares pode ser doada para instituições de caridade, entre outros. “Cada deputado pode demandar sua verba como quiser”, explicou.
O parlamentar assinalou que destina verba para o município de Crateús e hospitais. “Quando entrei no Parlamento, tomei essa decisão, mas não acho importante que os colegas queiram tornar isso público, esperando algo em troca”, apontou. O deputado salientou ainda que André Fernandes é novo na Casa e, com o tempo, vai ter muito o que aprender. “Quando me tornei parlamentar, fui aprendendo diariamente que a Assembleia era séria, íntegra e ética. Sei que André também vai perceber isso, no decorrer de seu mandato”, disso.
Deputados pedem respeito ao parlamento
Em meio à confusão entre os parlamentares, a palavra “respeito” foi recorrente em manifestações. O deputado Evandro Leitão (PDT) foi um dos que pediram que os parlamentares fossem respeitados durante as discussões. Ele afirmou que deputado não é obrigado a aceitar o incorreto, mas deve respeitar as prerrogativas do Legislativo.
Para Evandro, o pronunciamento de André Fernandes compromete a integridade do Parlamento. “Sei que a empolgação no sentido de dar uma resposta aos eleitores, ou até pela nova experiência, pode exaltar o ânimo, mas é preciso trabalhar com humildade e respeitando os pares e, principalmente, a Casa. Só assim um deputado pode ser respeitado”, disse.
Na mesma linha, o deputado Leonardo Araújo (MDB) externou tristeza com as palavras do parlamentar do PSL. Araújo disse que o momento é de extrema tristeza para o povo e o Parlamento cearense. “Ouvimos aqui palavras de extrema gravidade, com desrespeito a seus pares. O senhor foi o mais votado, mas não difere dos menos, pois todos ocupam um lugar aqui”, afirmou.
O deputado Audic Mota (PSB) afirmou que cada parlamentar faz o que quiser com seu mandato ou suas prerrogativas. O que não pode, entretanto, é partir de premissas falsas ou suspeitas ao se referir aos colegas de Parlamento. Ele lembrou que, em seu tempo como presidente do Conselho de Ética da AL, mediou diversos conflitos entre deputados, “e todos foram resolvidos por meio do diálogo”.
Audic ressaltou a necessidade de um pacto federativo que fortaleça o Parlamento. “O Poder Legislativo é o que mais precisa se fortalecer; enquanto isso, não devemos lançar suspeitas sobre a Casa baseadas em divagações”, ponderou.