Uma comissão de promotores de Justiça de Fortaleza vem tentando demover o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) da ideia de “extinguir” 22 juizados especiais criminais nos bairros. A proposta do Projeto de Lei 73/2017, que será votado na próxima quinta-feira (25) na Assembleia Legislativa (AL), é centralizar toda a demanda de casos, homologações e processos em apenas duas unidades no Fórum Clóvis Beviláqua, no Edson Queiroz. Com dois juízes e quatro promotores. Nos bairros permanecerão os juizados civis. Hoje, haverá audiência pública na Câmara Municipal para discutir a questão.
De acordo Francisco Edvando França, promotor responsável pela comissão que apresentou uma emenda contrária à redução, é um equívoco do TJCE propor a mudança. O juizado especial, explica o titular da 3ª Unidade no Mucuripe, “também trabalha na profilaxia do crime” nas zonas violentas da capital cearense. “Se está do jeito que está (a violência), imagine sem a oferta de Justiça no próprio bairro”, observa.
Sobre o assunto
Presidente do TJ descarta prejuízo com fim de juizados criminais
Perdem os pobres, diz pesquisador
Juiz que lidera eficiência é defensor da mudança
Hoje, segundo dados da comissão de promotores, são sete mil TCOs e processos distribuídos para os 24 juizados criminais. “Conhecendo a realidade da Justiça, vão engarrafar mais ainda os impasses levados pela população”. Entre os casos acompanhados pelos juizados, estão os crimes de calúnia, injúria, dirigir sem habilitação, som alto, desobediência, lesão corporal leve e outros delitos que podem ser resolvidos ainda na origem do conflito.
Sem a presença do juizado especial criminal no bairro, uma “briga de vizinho poderá se transformar num homicídio por causa da falta de intermediação mais ágil ou em tempo razoável”, alerta o promotor.A comissão do Ministério Público teme ainda a prescrição dos processos e o tempo mais apertado para as audiências preliminares. Hoje, segundo Edvando França, em média são 17 audiências preliminares por mês para cada juizado. “Dois juízes darão conta do que faziam 24? Não”, reclama.
De acordo com Edvando França, 90% dos casos criminais nos juizados terminam na transação penal (acordo) na mão do promotor e, depois, para a homologação com o juiz. E apenas 10% viram processo. “O TJCE levou em consideração apenas os 10% que vão para a mão dos juízes e desconsiderou o trabalho do Ministério Público. Para toda Fortaleza ficarão quatro promotores e dois juízes. Não dá conta. Ficará uma média de 3 a 4 mil processos, com prazos curtos, para cada dois promotores”, diz. Outra preocupação do promotor é a “relação entre pobreza e custo para mobilidade”. Quando os juizados foram implantados no Ceará, em 1995, uma das justificativas para a criação era a proximidade com a vizinhança, a presença da Justiça no bairro.
“Você acha que um conflito no Canidezinho, que poderia ser mediado pelo juizado, será levado para o Fórum, na Água Fria? Dificilmente”, responde o promotor. “O Fórum é distante e há pessoas que não têm dinheiro para pegar um ônibus. Isso gera pendência de relacionamento e problemas mais graves na vizinhança”, argumenta Edvando França.
A comissão do Ministério Público do Ceará está tentando convencer os deputados estaduais que a “extinção” de 22 juizados trará prejuízos à paz pública nos bairros. A Câmara Municipal de Fortaleza publicou uma moção de apoio aos promotores de Justiça e agendou uma audiência pública para discutir o assunto hoje, às 14 horas.
Propostas de mudança
VANTAGENS
1 Quem defende a mudança, acredita que especializará os juizados. Vinte e quatro trabalharão apenas na área cível. E dois apenas com o crime. Hoje, 24 cuidando com as duas demandas.
2 O TJCE acredita que desencalhará um passivo represado nos 24 juizados. O POVO apurou que a maioria dos juizados criminais está com mais de 500 processos emperrados. Apenas cinco, estariam com 60 processos para julgamento.
3 No cível, há juizados com mais de 4 mil processos na fila para solução. Com o acúmulo de casos, segundo O POVO apurou, o considerado administrável hoje é de mil processos.
DESVANTAGENS
1 Quem não concorda com a mudança, aponta que dois juízes não terão condição de julgar processos ou homologar acordos represados em 24 juizados especiais criminais.
2 A redução de 17 promotores para apenas quatro nos juizados criminais, implicaria no engarrafamento de processos. Cada promotor passaria a responder, em média, por 4 mil casos.
3 A extinção de 22 juizados especiais criminais nos bairros e a criação de dois especializados no Fórum Clóvis Beviláqua dificultará o acesso à Justiça da população de baixa renda ou miserável. A questão, aqui, é o custo para ir e vir até o Fórum.
Leia mais
CONTRA. O advogado e pesquisador Cláudio Silva critica a medida do Tribunal de Justiça e diz que os mais pobres serão os maiores prejudicados.
DEBATE. Conheça detalhes da tramitação da proposta, de como o sistema funciona em outros estados e do que diz a lei, exatamente.
SAIBA MAIS
- No dia 18 deste mês, 25 vereadores de Fortaleza assinaram uma moção de apoio à manutenção dos 24 juizados especiais criminais.
- Na Assembleia Legislativa, onde será votado o Projeto de Lei 73/2017 - que trata da extinção dos juizados especiais criminais, 45 deputados também assinaram a moção de apoio.
- A comissão de promotores de Justiça que tentam reverter a proposta do TJCE é composta por: Edvando França, Fernanda Marinho, Benedito Augusto e Iertes Gondim.
- Os juizados especiais criminais julgam delitos de menor potencial ofensivo – como injúria, calúnia, difamação, dirigir sem habilitação, som alto, lesão corporal leve e outros. A prescrição desses crimes ocorre entre dois ou três anos.
- Em Salvador (BA), capital com 2,675 milhões de habitantes, há cinco juizados especiais criminais.
- A Lei estadual 12.553, de 27/12/1995, criou o sistema de Juizados Cíveis e Criminais do Ceará para conciliação, julgamento e execução de infrações penais de menor potencial ofensivo.
- São as contravenções penais, os crimes que a lei determina pena máxima não superior a um ano. Excetuando casos em que a lei preveja procedimento especial.
- Pela lei, os juizados especiais devem ter um juiz de Direito, um diretor (a) de secretaria, um conciliador e um técnico judiciário e vaga de promotor de Justiça.