Coisa rara quando se fala de reforma política, a Câmara dos Deputados aprovou medida que é um grande avanço. O fim das coligações proporcionais. Em décadas, é a maior contribuição para fortalecer os partidos políticos. As alianças em eleições para vereadores, deputados estaduais e deputados federais distorceram completamente a forma de representação.
Se não há coligação, o conjunto de votos no partido indica o números de vagas no Poder Legislativo. Os ocupantes das cadeiras são definidos pela ordem de votação entre os candidatos da legenda. Assim, seria composta representação que teria como elemento de coesão ao menos o fato de pertencer ao mesmo partido.
Com as coligações proporcionais, a lógica inteira foi subvertida. O princípio é o mesmo, mas a coligação inteira funciona como se fosse um partido só. Com a diferença de que não é um partido, muito longe disso. Se os partidos têm incongruências, as coligações são monstrengos completos. Para a Câmara dos Deputados, não é raro que estejam aliadas nos estados forças que são inimigas ferrenhas no plano federal. O voto do eleitor vai para um lado do espectro político e pode acabar elegendo o oposto. O sentido democrático da votação se desvirtua.
Houve aliança que incluiu os partidos que não podiam ser mais antagônicos. Em 2014, por exemplo, quem votou no Genecias Noronha (SD) ajudou a eleger Luizianne Lins (PT). Quem votou no Ivo Gomes (então no Pros) deu voto para Elmano de Freitas (PT). O voto em Elmano foi também em Fernando Hugo (SD). Isso vem de longe. Em 2002, quem votou no então petista João Alfredo ajudou a eleger o pastor Pedro Ribeiro (do então PL, atual PR) e Almeida de Jesus (também do PL), então candidato da Igreja Universal. Não tem força no mundo capaz de assegurar o mínimo de nexo a bancadas compostas desse jeito.
A votação nos partidos não necessariamente se expressa na representação eleita. Escolhe-se um partido e perfil e se elege alguém de características totalmente antagônicas. Retomando o exemplo acima: o mesmo voto elegeu a radical opositora Luizianne e o Genecias empedernido defensor de Michel Temer (PMDB).
MOEDAS
As alianças proporcionais se tornaram moeda de negociação nas alianças majoritárias. Para apoiar o candidato a governador, o partido exige que haja parceria também para deputado. Se a campanha é para prefeito, a contrapartida vem na eleição para vereador. Uma forma de partidos menores se favorecerem da votação dos maiores, que encabeçam as chapas.
Quando Cid Gomes (PDT) redefiniu os parâmetros para mega-alianças no Ceará até tamanho sem precedentes, a distorção chegou ao máximo. Dezenas de partidos passaram a se agrupar em dois ou, no máximo, três grandes blocos, que ficam com quase todas as cadeiras no parlamento. A composição já chega montada antes de o eleitor ser chamado a decidir. A partilha entre os partidos é feita antes da votação.
Sem coligação proporcional, tudo isso muda. Os partidos terão bancadas eleitas isoladamente. A disputa eleitoral para esses cargos se torna mais pulverizada, mas também mais clara. As bancadas eleitas tendem a passar a representar um pouco mais fielmente a vontade do eleitor. Não do dia para noite. Será um processo.
Sem aliança proporcional, é provável que mais partidos lancem candidatos a governador e prefeito, com objetivo de ter nome para puxar votos para a legenda. Por outro lado, alguns partidos nanicos deixam de ser atraentes para candidatos. Pode se tornar muito difícil, quase inviável, eleger-se por alguns deles. Tendem a se desidratar.
No geral, as mudanças são bastante positivas. Mas, não foram aprovadas na Câmara pelos méritos. Passaram, isso sim, pelo desejo de adiar a mudança.
A CONTRARREFORMA
O que ocorre é o seguinte: os deputados não queriam mexer nas coligações proporcionais. Aliás, a maioria não queria mudar nada. Foram eleitos do jeito que está hoje e, por eles, assim ficaria. Porém, foram alertados de que o tema poderia entrar na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF). E, nesse caso, a mudança poderia valer já em 2018. O que eles fizeram? Aprovaram o fim das coligações proporcionais, mas só para 2020. Quando a eleição será para vereador.
Só será aplicada em eleição para deputado em 2022. Daqui a cinco anos. Daqui para lá, sabe lá Deus o que ainda pode acontecer.
Então, no frigir dos ovos, quase nada de reforma política passou e o que passou teve objetivo de empurrar a mudança para o mais longe possível.