O corpo de homem jovem estendido no chão, marcas de lesão visíveis na face, sangue coagulado num dos cantos da boca. Vi a cena por volta das 21 horas de sábado, 13/5, no calçadão da Praia de Iracema, no Largo Luiz Assunção. Mais um linchamento. Os relatos - do pipoqueiro ao garçom do bar - divergiam se era o terceiro ou quarto linchamento nos últimos três meses. A situação parece ser a mesma: ocorrência ou suspeita de assalto, turba indignada, paus e pedras, alguém morre linchado.
Mas a vida parecia manter certa normalidade: pessoas passavam, olhavam, se questionavam e, como eu, seguiam o curso de suas vidas. Havia, como em tudo, câmeras registrando imagens para as redes sociais ou para programas que espetacularizam a violência. Procurei conversar com alguns - alguém responde com tom de desalento que era “normal”. Todos naturalizamos a barbárie. No ano passado, registramos, apenas em notícias de jornal, 21 linchamentos.
A palavra linchamento tem origem no justiçamento privado contra negros escravizados rebelados na América do Norte colonial. O alvo do linchamento é aquele ao qual sequer se permitiu o julgamento formal e garantias básicas. Era o “exemplo”, por isso, devia ser muito visível. O linchamento contemporâneo no Brasil continua muito visível, mais ainda com as redes sociais. É, em parte, a resposta irracional e furiosa da sociedade por causa da violência urbana e pelo desalento de que o estado de direito cumpra seu papel de mediador social.
O linchamento revela muito do que somos: as “estruturas sociais profundas”. Desprezo pela vida do outro, racismo, ausência de cultura de mediação, “volúpia punitiva” como solução da violência. O aparelho estatal é também violento, pela omissão ou ação, o que impulsiona o justiçamento privado.
Não podemos, contudo, naturalizar que pessoas se matem em rituais de violência extrema. O que nos separa da completa barbárie é o respeito a alguma alteridade. Sem esse sentimento, seremos todos governados pelo ódio.
Renato Roseno
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Advogado e deputado estadual (Psol-CE)