Uma pauta que transcende a política
A Assembleia Legislativa iniciou na última terça-feira, em parceria com Unicef e Governo do Estado, aquela que talvez seja sua bandeira em pelo menos uma década. Foi criado comitê para identificar as causas e combater os homicídios contra jovens de 10 a 19 anos. O foco será vasculhar a história de vida de adolescentes nessa faixa que são tanto vítimas como autores de atos de violência – muitas vezes, as duas facetas coincidem e estão relacionadas. A intenção não é ficar apenas no diagnóstico e no debate, importantes, mas insuficientes. A intenção é apresentar um relatório até 15 de junho, com proposta de um plano de ação a ser colocado em prática.
O cenário atual é dramático. Segundo números do comitê, o Ceará é o terceiro estado do Brasil onde mais se mata nessa faixa etária. Mas, a população é a oitava maior. Há uma trágica desproporção.
A DIFERENÇA DO MÉTODO
A Assembleia teve outras iniciativas relevantes, mas de método cuja eficácia é discutível. Houve a campanha pela refinaria, que não foi exatamente bem-sucedida em seus propósitos. O empreendimento foi cancelado. E, ao invés de fazer pressão externa sobre os agentes políticos e econômicos que teriam poder de decisão, houve mais uma mobilização interna, indo a municípios no Interior, tentando convencer as pessoas da importância do empreendimento. Disso a maioria já estava consciente. Faltava articulação e apoio externo. Isso a Assembleia não conseguiu. Nem seria fácil, dadas suas condições.
Já a campanha contra as drogas – o crack em particular – fazia mais sentido quanto ao público que se buscou. Mas, de novo, a metodologia não demonstrou grandes resultados. Promoveu palestras, trouxe personalidades de destaque nacional. Mas, o grande desafio era chegar às populações mais vulneráveis, as principais vítimas e que são mais difíceis de alcançar com essas iniciativas. Não foi um obstáculo que o Ceará Sem Drogas tenha demonstrado ser capaz de superar. Já o programa de enfrentamento à violência contra jovens é diferente.
EXPERIÊNCIA DE SUCESSO COMO PONTO DE PARTIDA
O Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência tem por base experiência que surgiu há 12 anos. A mesma parceria entre Assembleia e Unicef criou o Comitê Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar. O trabalho tinha à frente o deputado estadual Ivo Gomes (então PSB, hoje PDT). Quando Cid Gomes (PDT), irmão de Ivo, chegou ao Governo do Estado, o projeto foi encampado. Surgiu o Programa pela Alfabetização na Idade Certa (Paic).
Os resultados na melhoria da qualidade da educação foram expressivos e a experiência inspirou um programa do Governo Federal: o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). Um dos efeitos do Paic foi que Cid Gomes acabou virando ministro da Educação. Não completou três meses do cargo. Saiu por questões políticas, após embate com Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Mas, isso é outra história.
A questão é que experiência semelhante à que se inicia agora chegou a projetar um cearense para um dos ministérios mais relevantes do País e – muito mais importante – trouxe reflexos importantes para os estudantes. A repetição da estratégia permite ter esperança de que, de fato, o comitê tenha resultados transformadores.
ECLETISMO POLÍTICO
O comitê reúne políticos de forças antagônicas. O presidente é Ivo Gomes. O relator, Renato Roseno (Psol). Quando Ivo era secretário da Educação de Fortaleza, chegou a ter entreveros graves com o Psol – especificamente com o vereador João Alfredo aliado de Roseno. Mas, para o comitê, a pluralidade política é interessante e importante.
Roseno atua nessa área desde que iniciou sua trajetória pública, no terceiro setor. Conhece o meio como poucos e tem capacidade de fazer trabalho consistente.
Ivo também tem trajetória que mostra sincera preocupação com o assunto, desde a época de deputado e secretário da Educação – em Sobral e Fortaleza. E, igualmente necessário, tem força política para fazer valer o que for encaminhado. No caso do Paic, foi importante Cid chegar ao poder e dar respaldo a Ivo para implantar as ações. Estivesse lá apenas o deputado do Psol, seria grande a chance de o trabalho virar um bom diagnóstico e reflexão sobre a questão e nada mais.
O único possível problema: Roseno é pré-candidato a prefeito de Fortaleza e Ivo deve concorrer em Sobral. As candidaturas são legítimas, mas a contaminação eleitoral pode ameaçar o trabalho. Não precisa ocorrer, mas é importante estar alerta. Felizmente, a trajetória dos dois deputados demonstra maturidade e seriedade suficientes para evitar essa tentação.