A possibilidade de aprovação, em votação definitiva, de uma janela partidária para flexibilizar trocas partidárias tem levantado expectativas de políticos cearenses que desejam mudar de partido sem terem mandatos questionados na Justiça. Nos últimos anos, foi intenso o movimento de troca-troca de legendas, agravado pela fragilidade ideológica das agremiações e pelas circunstâncias eleitorais. A instabilidade da vida partidária acaba gerando esvaziamento de algumas siglas no Estado, como ocorreu com o PSDB.
Na semana passada, o Senado aprovou emenda ao Projeto de Lei 75/2015 que cria janela partidária de 30 dias a parlamentares que queiram trocar de partido sem serem acusados de infidelidade partidária. A previsão é que o texto final da proposta, que ainda seguirá para a Câmara Federal, seja votado amanhã. Em junho, a Câmara dos aprovou, em primeiro turno, Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que também estabelece a janela partidária. Vai prevalecer a matéria que primeiro for aprovada em instância definitiva.
Além das emendas à legislação, outros episódios agravam o troca-troca de partidos, como a criação de novas legendas, uma vez que a lei eleitoral resguarda de questionamentos parlamentares que migrem para grêmios recém-criados. É o que ocorreu no surgimento do PSD do ministro Gilberto Kassab, que levou quatro dos sete deputados estaduais do Ceará eleitos em 2010 pelo PSDB: Moésio Loiola, Osmar Baquit, Gony Arruda e Rogério Aguiar, além do suplente efetivado Professor Teodoro.
Da bancada tucana eleita em 2010, não restou nenhum deputado do partido, já que Téo Menezes e João Jaime foram para o DEM, enquanto Fernando Hugo se filiou ao Solidariedade. Eleito em 2010 pelo PSDB, o deputado federal Manoel Salviano optou pelo PSD. Com a provável criação da janela partidária, partidos estão em alerta sobre a possibilidade de perderem filiados.
Anuência
O grupo ligado ao ex-governador Cid Gomes, do PROS, tem interesse na criação de uma janela partidária, já que está prestes a se filiar ao PDT. Mesmo com a carta de anuência assinada pelo partido liberando o filiado para a outra sigla, a liderança "infiel" ainda pode ter o mandato questionado pelo Ministério Público ou pelo suplente do cargo.
O cientista político Valmir Lopes diz que a fragilidade de identidade dos partidos ficou mais evidente na redemocratização, nos anos 1980. Destaca que o histórico de vivência partidária é muito incipiente na democracia do Brasil, restringindo-se a dois momentos: de 1945 a 1964, depois da era Vargas e anterior ao golpe militar, e após 1985.
"Após a redemocratização, a orientação partidária ficou fragmentada. Isso criou um esfacelamento das forças políticas. Essa descaracterização de partidos contrasta com o que ocorreu em 1945, as orientações partidárias estavam bem mais claras", declara. "Essa reorientação partidária fica muito confusa. Por conta de um certo pragmatismo, os partidos perderam sua condição de aglutinação de ideologias e propostas gerais", diz.
Esse fisiologismo partidário, destaca o especialista, justifica a migração em massa de lideranças de partidos derrotados em eleições do Executivo, como o PSDB Ceará, que governou o Estado por três mandatos de Tasso Jereissati (dois consecutivos), seguido por Lúcio Alcântara (PR), à época filiado ao PSDB.
"O PSDB foi forte quando ocupava o Governo Federal. Ocupar o Governo Federal e Estadual é um acesso privilegiado a recursos públicos. Uma forma mais privilegiada (para os parlamentares) é fazer parte do grupo que está no poder, fazer parte do grupo do tesoureiro", reforça o docente. "Quando o PSDB ocupava essa posição, era o partido mais atraente", completa.
Concentrar poder
Em relação ao PT, Rui Martinho disse que a agremiação não seguiu exatamente essa lógica de concentrar o poder em uma mesma legenda, mas compartilhou o capital político e econômico com outras legendas aliadas.
O professor de Ciência Política Horácio Frota acredita que o País não conseguiu superar a herança "da velha política brasileira que dá muita força aos grupos oligárquicos, poderes municipais e estaduais". "Mais do que uma construção ideológica e de projeto de nação para o País, (os partidos) se constituem de agrupamentos de pessoas e interesses regionalizados", ressalta.
"Quando assume uma bandeira partidária, ele procura ajustar o partido às suas condições locais. São raros os partidos que têm projetos nacionais", declara, citando como exemplo os irmãos Ciro e Cid Gomes.