Rui Martinho afirma que, devido ao acesso à informação, é inadequado fazer diferenciação qualitativa dos eleitores da Capital e Interior
FOTO: CAROL DOMINGUES
A duas semanas da votação que vai definir o próximo governador do Ceará, Camilo Santana (PT) e Eunício Oliveira (PMDB) correm contra o tempo para conquistar o eleitorado nos locais em que não foram bem votados. Levantamento do Diário do Nordeste revela que Fortaleza até tem peso na eleição do chefe do Executivo estadual, mas às vezes caminha na contramão do resultado das urnas. Para cientistas políticos, por conta da ampliação do acesso à informação, é inadequado fazer uma diferenciação qualitativa entre eleitores da Capital versus Interior.
Nas eleições de 2002, o candidato Lúcio Alcântara (ex-PSDB e hoje filiado ao PR) terminou o primeiro turno com 49,7% dos 3,2 milhões de votos válidos contra 28,3% de José Airton, do PT. Porém, naquele pleito, apenas 34% dos eleitores da Capital cearense escolheram Lúcio, enquanto 48,8% optaram pelo petista. Os dados estão no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O resultado do segundo turno repetiu o cenário. Com pouco mais de três mil votos, Lúcio Alcântara ganhou com 50,04% dos apoiamentos e José Airton ficou com 49,9% do total. Apesar de ter perdido o pleito daquele ano, o postulante do PT conquistou 63,8% dos votos dos eleitores de Fortaleza. Já o governador eleito em 2002, Lúcio Alcântara, foi escolhido por 36,1% do eleitorado da Capital.
Por sua vez, nas eleições seguintes, em 2006, foi constatado um maior equilíbrio entre a preferência da Capital e do restante do Estado. Em Fortaleza, Cid Ferreira Gomes (que ainda era do PSB e hoje integra os quadros do PROS) recebeu mais de 668 mil votos na cidade, cerca de 60% dos sufrágios validados no local. Na votação geral, ele chegou a 61,2% de aprovação nas urnas.
Reeleição
Derrotado nos planos de reeleição, Lúcio Alcântara conquistou 33,8% dos sufrágios. Na Capital, a porcentagem de votação dele foi um pouco abaixo da média do Estado, apenas 30,1% de aceitação. Enquanto isso, alguns pleiteantes concentram o eleitorado em Fortaleza. Em 2006, Renato Roseno (PSOL), deputado estadual eleito neste ano, obteve apenas 2,7% dos votos válidos na disputa ao Governo do Estado daquele pleito, pouco mais de 106 mil apoiamentos, sendo 75 mil só na Capital cearense.
Na reeleição de Cid Gomes, o gestor acabou atraindo, em termos proporcionais, mais eleitores de Fortaleza do que do restante do Estado. Isso porque, embora tenha vencido no primeiro turno com 61% dos votos, ele conseguiu o apoio de mais de 64% dos eleitores da Capital.
Lúcio Alcântara, mais uma vez, teve votação menos substancial em Fortaleza do que no Interior. Apenas 9% dos fortalezenses disseram sim ao ex-governador, mas ele conquistou 16,4% das preferências no Estado. O segundo colocado, Marcos Cals (ex-PSDB, atualmente do Solidariedade), marcou 19,5% dos apoiamentos, média semelhante à votação na Capital, de 20%.
No primeiro turno do pleito de 2014, o postulante que saiu na frente na disputa, Camilo Santana (PT), perdeu para o opositor Eunício Oliveira na Capital, embora o petista tenha levado a maioria dos votos do Interior. Questionado sobre o assunto, Eunício disse, durante atividades de campanha na última segunda-feira, que alcançou mais eleitores da Capital por serem mais esclarecidos. A declaração gerou críticas de aliados de Camilo na Câmara Municipal de Fortaleza, alegando que o peemedebista foi preconceituoso.
Camilo conquistou 434.393 votos de Fortaleza e 1,6 milhão nos demais municípios. Eunício foi o mais votado na Capital, com 540.221 apoiadores, e ficou na marca de 1,5 milhão de sufrágios no restante do Estado. Na votação geral, apenas 60 mil votos separam os dois pleiteantes.
Abstenções
De acordo com o último demonstrativo do TSE, o eleitorado do Ceará conta com mais de 6,2 milhões de pessoas, sendo 1,6 milhão em Fortaleza, 26,4% dos eleitores do Ceará. Com abstenções e votos nulos e brancos, o eleitorado cearense que de fato escolheu um candidato a governador no dia 5 de outubro só chega a 4,2 milhões, dos quais 1,1 milhão votaram na Capital.
O cientista político Rui Martinho, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que há algumas décadas havia uma polarização do perfil do eleitorado da Capital e do Interior, principalmente por meio das trocas de favores na zona rural. Entretanto, ele diz que não é mais possível fazer a diferenciação.
"Antes se dizia que o voto da capital era mais influenciado pela retórica, mas isso não se sustenta mais, porque, com a comunicação instantânea, essas informações também chegam ao Interior", declara Rui, completando que a compra de votos se repete tanto nos bairros de Fortaleza como nos municípios menores.
"Falava-se muito que o voto era encabrestado, mas fica muito complicado fazer a diferença, porque na periferia (da Capital) também há muitos currais e há distribuição de cédulas de valores monetários. Não é muito diferente do Interior", compara.
Cabos eleitorais
O professor da UFC acrescenta que há mais proximidade dos cabos eleitorais com a população em municípios menores, o que é mais difícil de acontecer nos grandes centros urbanos. "O voto da Capital é mais solto. Quem conversa no distrito com o eleitor não é o próprio candidato ou o deputado, é o cabo eleitoral. O voto da capital é mais flutuante, mas não há uma diferença de consciência", pondera Rui Martinho.
Para Sérgio Néry, professor de Ciências Políticas da Universidade de Fortaleza (Unifor), é necessário fazer um levantamento mais aprofundado para definir o perfil do eleitor. "Seria necessário um estudo específico para destrinchar essa posição. Não sendo objeto de estudo, por ora parece superficial", afirma.
"O que é notório é o alcance da propaganda eleitoral da televisão e da Internet, que tem influenciado as pessoas e tende a homogeneizar a opinião pública que antes se dividia entre Interior e Capital. O acesso à informação no Interior está maior do que já foi", completa.
Lorena AlvesRepórter