O sociólogo César Barreira, do Laboratório de Estudos da Violência da UFC, apoia o desarmamento e diz que a segurança é obrigação do Estado
Foto: Waleska Santiago
Sancionado há dez anos, em dezembro de 2003, o Estatuto do Desarmamento ainda divide opinião de parlamentares, especialistas e sociedade civil. Na Assembleia Legislativa, deputados insistem em levar à tribuna da Casa um discurso pró-armas, embora a legislação seja competência federal, cabendo ao Congresso Nacional. Sociólogos e deputados ouvidos pelo Diário do Nordeste divergem sobre o tema, mas reconhecem que as políticas de segurança pública devem ser responsabilidade do Estado.
Em 2005, foi realizado um referendo no País sobre o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento, que proibia a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, exceto a entidades previstas. Quase 64% da população brasileira que opinou na consulta disse não às alterações. Na prática, o porte de armas de fogo continuou liberado à sociedade, mas com uma série de restrições que inibem e dificultam o acesso.
Conforme o portal de notícias da Câmara Federal, existem mais de 80 propostas tramitando na Casa sobre a temática. Um desses projetos é do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), que revoga o Estatuto do Desarmamento e cria novas regras para aquisição e circulação de armas no País. A matéria já teve grande repercussão. A maioria das manifestações da população é favorável ao projeto.
O deputado estadual Manoel Duca, do PROS, é um dos defensores da flexibilização do porte de armas como meio de defesa contra a violência. Na Assembleia, ele costuma fazer discursos contra o Estatuto do Desarmamento e já chegou a apoiar a polêmica proposta do deputado federal Rogério Peninha. "A população está desarmada. O Estado, que é para dar isso (segurança), está sem condições", diz.
Vulnerabilidade
Na avaliação do parlamentar, a falta de munição deixa a sociedade em situação de vulnerabilidade diante do aumento da criminalidade. "O cidadão está tendo dificuldades de se armar. Não tem como ele se defender se o bandido está armado e ele, desprotegido", ressalta. Manoel Duca diz considerar suficiente ofertar cursos e testes psicológicos antes da venda de armas para prevenir acidentes e crimes considerados ocasionais.
O deputado Sérgio Aguiar (PROS), primeiro secretário da Assembleia Legislativa, afirma que a entrada ilegal de armas no País e a dificuldade de fazer esse controle, considerando-se o extensão do território brasileiro, "criam esse injusto pensamento de que a arma está na mão do bandido". O parlamentar opina que ampliar a legalização para porte de armas não trará soluções ao problema. "Deve ser feito um pente-fino para tirar as armas dos marginais", aponta.
O professor César Barreira, do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC), posiciona-se contra o fácil acesso às armas de fogo. Para o docente, que foi diretor-geral da Academia Estadual de Segurança Pública, a população não se sente segura, mas essa é tarefa do Estado e não pode ser transferida à esfera privada. "Há uma leitura equivocada (sobre o desarmamento) que decorre da não confiança no governo", declara.
O especialista em segurança cita como exemplo o caso dos Estados Unidos, lembrando que o país possui um elevado número de pessoas armadas, mas também inúmeras chacinas. "Lá estão se revendo a facilidade de compra de armas. Em cada acontecimento bárbaro, as pessoas colocam (em pauta) a revisão de compra de armas", explica.
Desigualdade social
César Barreira pondera que a questão do desarmamento deve levar em consideração aspectos socioeconômicos de cada país. Na Suécia, acrescenta, é fácil o acesso à arma de fogo, mas o país é considerado pacato e com baixa desigualdade social. Ele defende que, no Brasil, haja um controle severo das armas apreendidas e uma campanha educativa sobre os riscos de uso. "Quando se tem um enfrentamento com bandido, a possibilidade do bandido levar vantagem é muito alta", opina.
Já o cientista político Rui Martinho, da UFC, aposta que o desarmamento da população não trouxe impactos significativos à redução de homicídios. "Contrariando os resultados da consulta popular, ele (Estatuto do Desarmamento) não deu resultados". E completa: "Me parece que estamos alimentando uma ilusão. É preciso ver que o uso de armas de fogo de pessoas que agem contra a lei não diminuiu".
O professor alega que "existe uma burocracia que desestimula até o porte. Cria-se uma barreira muito grande". Para ele, são ínfimos os índices de crimes cometidos por armas legalizadas. "Isso talvez tenha deixado a população mais desprotegida", atesta.
O especialista rechaça a hipótese de que as desigualdades sociais influenciam no contexto, tomando como parâmetro estados brasileiros, já que algumas unidades da federação, apesar de mais pobres e com baixos índices de educação, são menos violentas do que outras regiões com menos desigualdade social.
"Isso não tem relação com pobreza, mas com a presença do Estado, com as políticas de segurança", defende. Segundo o docente, no referendo de 2005, só em duas cidades do País (Jaboatão dos Guararapes, Recife, e Diadema, São Paulo) predominou a manutenção da proibição do porte de armas de fogo.
LORENA ALVESREPÓRTER
SAIBA MAIS
Lei
O Estatuto do Desarmamento foi sancionado no Brasil no dia 22 de dezembro de 2003, através da lei 10.826, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição
Exigências
O porte de armas é concedido pela Polícia Federal, mas há uma série de exigências. Segundo o professor Rui Martinho, apenas quatro portes de armas foram autorizados no Ceará durante o ano de 2013. O crime pelo porte ilegal de arma de fogo varia de dois a quatro anos de prisão, além de multa. O comércio ilegal de armas prevê até oito anos de reclusão