O deputado Dedé Teixeira elogiou os discursos da presidente Dilma e do governador Cid Gomes, que legitimaram os protestos
Foto: Viviane Pinheiro
Parlamentares debatem o porquê dos atos e aproveitam o momento para alfinetar adversários políticos
Os protestos das últimas semanas continuam sendo pauta para os debates propostos na Assembleia Legislativa do Ceará. Na sessão de ontem, não foi diferente. Os deputados aproveitaram para tentar entender o que estava acontecendo com os reclames das ruas. Enquanto alguns acusavam o Governo da presidente Dilma Rousseff pelo ocorrido, outros parlamentares pediam a constituição de uma Reforma Política séria e reclamavam da politização dos protestos.O deputado Dedé Teixeira (PT), por exemplo, ressaltou que as manifestações dentro do Estado deveriam ser ressaltadas por conta da "ordem" e "emoção" que foram passadas quando do Hino Nacional Brasileiro, visto que os torcedores permaneceram a entoar a letra da música. Segundo ele, do lado de fora do estádio, houve exagero por parte de alguns que estavam reivindicando seus direitos.
"Tirando a parte violenta, que é desprezível em minha opinião, o grande espírito daqueles que se manifestaram mostrou que o povo quer participar mais. A atual vigência em nosso País e no mundo inteiro mostra que a população quer ver legitimar outras formas de participação que não seja somente nas eleições".
O petista afirmou também que o pronunciamento de Cid Gomes e da presidente Dilma Rousseff, que legitimaram os movimentos, é a demonstração de que o Brasil está se transformando. O deputado citou parte do discurso do governador em que ele afirma querer discutir os interesses dos manifestantes. Para Dedé Teixeira, a manifestação das pessoas é legítima e deve ser defendida.
Para o tucano João Jaime, as reclamações dos manifestantes são, geralmente, corrupção, falta de educação, de saúde e gastos excessivos com a Copa do Mundo, lembrando que há dez anos o Partido dos Trabalhadores é quem comanda o País. O parlamentar ressaltou que o desemprego entre os jovens é de aproximadamente 15%, destacando que foi esse setor da população, majoritariamente, que foi para as ruas protestar contra os desmandos do Governo.
Cadeia
"É essa falta de rumo da presidência que levou os jovens para se manifestar. Todos os dias, o José Dirceu diz que não vai para a cadeia e os deputados petistas condenados estão aí criando leis para impedir o trabalho das investigações. Não faça discurso dizendo que não está no poder. Não me venha aqui falar do velho discurso das elites, porque o seu partido está na elite", reclamou o tucano.
Em resposta, o deputado Dedé Teixeira criticou a falta de segurança no Estado de São Paulo, administrado pelo tucano Geraldo Alckmin. Já o deputado Vasques Landim (PR) ressaltou que as manifestações demonstram a "vitalidade" da democracia brasileira e essa eclosão do povo mostra que os protestos nascem das manifestações populares, devido às insatisfações da sociedade.
O militar aposentado Manoel Duca (PRB) voltou a defender que o efetivo das Forças Armadas vá para as ruas, segundo ele, não para reprimir as manifestações, mas para "dar segurança" aos jovens que estão fazendo os protestos. Já Antônio Carlos (PT) disse que "alguns conservadores" se dizem a favor do passe livre, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da união de pessoas do mesmo sexo, mas ressaltou que essas não são pautas de DEM, PPS e nem do PSDB. "Às vezes olham para nós do PT e falam que o (deputado federal Paulo) Maluf, o (senador) Renan Calheiros e o (senador) José Sarney estão apoiando a gente. Alguns desses não são motivos de alegria para mim, mas nosso programa agora é o da inclusão", disse ele.
O deputado Osmar Baquit (PSD), por outro lado, reclamou daqueles que querem usar o movimento como "bandeira partidária" e, conforme afirmou, quem assim se posicionar estará "morto". "A gente tem que ter humildade para entender que o debate é mais sobre o que aconteceu com a população ao longo dos anos. Embora todo mundo seja político, temos que tirar a politicagem desse debate", reclamou o parlamentar.
Copa
Incorporando o discurso que o governador Cid Gomes utilizou ao ser questionado sobre os protestos, Osmar Baquit ressaltou que as pessoas fizeram festa quando o País foi anunciado como sede da Copa e só deixaram para demonstrar insatisfação agora. Ele lembrou que as cidades sede mudarão a realidade do País. "Por que não foram às ruas antes dizer que não queriam a Copa?", questionou.
Por sua vez, a deputada Eliane Novais (PSB) lamentou as cenas de violência constatadas no protesto ocorrido no entorno do estádio Castelão, quando mais de 50 pessoas ficaram feridas e outras três foram presas após confrontos entre manifestantes e a Polícia Militar.
"Estes protestos públicos que ocorrem em todo o País merecem a reflexão de partidos, governos, parlamentares e da sociedade civil em geral. Cabe a nós buscarmos compreender estes movimentos e esta nova forma independente e livre de se organizar", apontou.
Desproporcional
Já o líder do Governo na Assembleia Legislativa, deputado José Sarto (PSB), afirmou que a maior parte das pessoas que participaram do movimento realizado na última quarta-feira estavam bem intencionadas, no entanto, uma minoria "se manifestou de forma desproporcional" durante o ato.
O deputado Ely Aguiar (PSDC) relatou que esteve no local das manifestações e ressaltou que a população, de maneira geral, não acredita mais nos políticos que estão nas casas legislativas. Segundo o parlamentar, o que se viu País afora, em dezenas de protestos nos estados, é a falta da fidelidade partidária.
"Os partidos se escondem nas asas do Governo e ficam nos discursos, como se não fosse com eles. Essa manifestação é, sim, contra essa administração que está aí há dez anos. A Transnordestina não chegou, a Refinaria nunca saiu do papel e a seca está aí. Vivemos em um País que sustenta 13 milhões de pessoas que não fazem nada", atacou.
Vereadores apontam abusos e legitimam manifestações
A maioria dos pronunciamentos realizados ontem na Câmara Municipal de Fortaleza teve como tema as manifestações nas várias cidades do País, principalmente em Fortaleza, na última quarta-feira. Vários vereadores apoiaram a iniciativa da população de ir às ruas e levantar suas bandeiras, mas também criticaram excessos ocorridos, segundo eles, tanto da parte dos manifestantes quanto da Polícia.De acordo com o vereador Márcio Cruz (PR), um grupo pequeno de "baderneiros" e "vândalos" tirou o "brilho da manifestação" ocorrida na Capital cearense. O republicano condenou os atos de depredação contra o patrimônio público e privado, lembrando que uma viatura da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) foi incendiada. "Quem vai arcar com o prejuízo?", questionou.
A vereadora Toinha Rocha (PSOL) disse que participou da manifestação e não é baderneira. Ela fez questão de mostrar fotos de vários momentos do evento e imagens de pessoas machucadas, criticando a atuação da Polícia. Segundo Toinha Rocha, alguns manifestantes pediram de joelhos para a Polícia não atirar, mas não teve jeito.
Vitor Valim (PMDB) repudiou o que ele chamou de "truculência" por parte dos policiais. "Tinha manifestante de costa levando bala de borracha", comentou, entendendo que o Governo precisa rever o uso de armas não letais em manifestações. Para o peemedebista, o que deve ser parabenizada é a atitude da população, que de maneira apartidária foi às ruas reivindicar pela melhoria na qualidade dos serviços públicos.
Na visão do vereador Professor Elói (PSB), as pessoas estão dando o seu recado. Em Fortaleza, afirma, a manifestação aconteceu principalmente para questionar os gastos com o evento da Copa. O que a população quer, avalia, é que esses recursos sejam voltados para o povo e não apenas para os turistas. Quanto ao confronto entre os policiais e os manifestantes, Elói alega que esse é um atrito é normal e que a Polícia cumpriu o seu papel.
Partidos
O fato da maioria não acatar representação de partidos políticos nessas manifestações também chamou a atenção de alguns parlamentares. O vereador João Alfredo (PSOL) levantou a discussão, ao entender que há nessas manifestações, uma rejeição a forma de fazer política e, por isso, muitos não se sentem representados por partidos políticos. Ele aponta que o recado vindo da população não é para uma legenda em especial, mas para todos os partidos.
O vereador disse estar alegre em ver a população nas ruas e criticou a atuação da Polícia na manifestação ocorrida em Fortaleza, lembrando que os profissionais da imprensa que cobriam o evento também foram atingidos por bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha.
Para o vereador José do Carmo (PSL), está claro que muitas das criticas feitas pelos manifestantes em todo Brasil são dirigidas aos políticos. "Porque esquecemos de defender o povo e nos preocupamos com o interesse pessoal", analisa. Já Acrísio Sena (PT) questionou o fato de os ativistas não poderem empunhar a bandeira dos seus partidos e criticou a tentativa de alguns em canalizar os descontentamentos levados para as ruas, para o governo da presidente Dilma Rousseff. "Quem faz a leitura das ruas, dos cartazes, sabe que é uma pauta difusa", pontuou.
Reforma política é urgente no País, diz especialista
Os movimentos de protesto que afloram em todo o País demonstram a necessidade de uma reforma política no Brasil. A observação é do professor de ciências políticas da Unifor, Francisco Moreira, ao lembrar que os estudiosos já vinham colocando isso há algum tempo. Para ele, "o sistema político partidário representativo se esgotou, envelheceu, não tem condições de dialogar com a população".O especialista avalia ainda que os partidos políticos brasileiros nunca priorizaram um posicionamento de diálogo com a sociedade e o que está acontecendo é uma situação que dá muito mais visibilidade a isso, ou seja, "um movimento nas ruas totalmente sem condução". Moreira observa que os partidos que antes tinham participação massiva perderam essa condição ao ficarem apenas no jogo político eleitoral e esqueceram de ouvir as reivindicações da população.
Na sua concepção, a criação de novos partidos políticos não vai resolver nada se não houver uma reforma no sistema. "Pode ser que isso seja um novo ponto de partida, pode ser que a gente possa recomeçar", ressalta ao destacar que os partidos não têm condições de fazer essa análise e teriam de rever suas posições e repensar como instituições.
O cientista política também não acredita que o voto em si seja capaz de promover as mudanças necessárias, até porque, atualmente, eleição é um dos instrumentos mais caros no Brasil. Na prática, o que se observa é que muitas vezes o discurso político é feito pelos marqueteiros e, nesse processo, estaria envolvido um trabalho midiático.
Vontade popular
Para o professor Francisco Moreira, as eleições não são mais a expressão da vontade popular e pode ser que esses movimentos resultem em uma mudança muito mais significativa em 2014, mas o processo eleitoral brasileiro é extremamente viciado. "Hoje se compra uma eleição. Mesmo que não compre o voto compra a eleição através de outros mecanismos. O processo de levar o eleitor a votar em candidato A ou B é muito mais midiático do que por meio do contato direto do político com o eleitor". Ele diz ainda que, se o eleitor não quebra esse modelo e institui outra maneira de lidar com isso, é preciso modificar o sistema.
Francisco Moreira adverte para a importância de ficarmos atentos porque "o quadro que se apresenta ainda é muito dúbio, tem muita coisa obscura e é preciso ver como as coisas vão caminhar, como essas lideranças vão proceder e como é que vai ser a reação do Estado".
Sobre o fato de estarem acontecendo manifestações em vários pontos do País diz que "é como se estivessem aberto as porteiras". É uma insatisfação contida na maioria das pessoas que saiu às ruas. O difícil, avalia, é saber em que isso vai dar porque não se tem elementos ainda para avaliar o resultado.
De concreto, observa algumas medidas adotadas pelos governos de São Paulo, Rio de Janeiro e outros Estados, no sentido de conter os aumentos no transporte público. Ele considera isso como um avanço, uma vitória significativa do povo, mas, pelo volume de reivindicações, pelo acúmulo de insatisfação presente nas ruas, não há indicação, nesse momento, de que teremos soluções fáceis. O que deve haver agora, adverte, é uma pressão cada vez maior por questões que são fundamentais, e a população coloca, de uma maneira ou de outra, a luta por melhores condições de saúde, educação e, nesse processo, podem surgir, necessariamente, outras reivindicações.