Procurador de Justiça José Maurício Carneiro defende a resolução aprovada no TCM, mas sua opinião não é consenso no Ministério Público
Foto: José Leomar
A decisão poderá beneficiar gestores que seriam enquadrados pela Ficha Limpa caso fossem condenados
Uma resolução aprovada no Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará (TCM), no último dia 23, ao garantir que os processos que tramitam naquela Corte sejam prescritos após cinco anos de tramitação, tem gerado divergências entre lideranças políticas. Isso porque, sob a justificativa de dar celeridade aos julgamentos, a decisão assegura, por consequência, que as contas de gestores não apreciadas no prazo estabelecido ficarão isentas do pente-fino do TCM.Apesar de ter sido questionada por alguns parlamentares e debatida entre os membros do Ministério Público, do ponto de vista legal, a resolução segue a tendência de tramitação dos processos da esfera federal, que possuem o mesmo tempo de prescrição. É o que explica o professor de Direito Penal da Universidade Federal do Ceará (UFC) Daniel Maia. "O dispositivo equipara os processos do TCM aos federais", afirma.
O texto validado pelo Tribunal observa o que consta na Emenda Constitucional 76, de autoria do deputado Tin Gomes (PHS): "Tribunal de Contas dos Municípios, no exercício de suas competências, observará os institutos da prescrição e da decadência, no prazo de cinco anos, nos termos da legislação em vigor". Logo após a resolução do TCM ser publicada no Diário Oficial do Estado, o deputado Heitor Férrer (PDT), uma das poucas vozes de oposição na Assembleia Legislativa, alertou para o fato de vários gestores serem beneficiados com a proposta, já que há processos que se arrastam no Tribunal há mais de cinco anos que irão caducar.
Imprescritíveis
O procurador de Justiça José Maurício Carneiro, coordenador da Procuradoria dos Crimes contra a Administração Pública (Procap), do Ministério Público Estadual, avalia que a resolução é encarada de forma positiva porque "o Tribunal vai ficar obrigado a julgar em cinco anos para que outros órgãos de controle possam fiscalizar". Além disso, pondera que, como os crimes com imputação de débito são imprescritíveis, não haveria danos ao erário.
A resolução será encaminhada à Assembleia Legislativa, onde vai tramitar como anteprojeto de lei, permitindo que a Casa ainda possa alterar o texto aprovado no TCM, inclusive pontuando sobre o que ocorrerá com os processos que aguardam julgamento na Corte. "Acredito que a Assembleia vai examinar, mas ainda que seja aprovado nessas condições, o benefício vai ser maior do que (o prejuízo pelos) processos atrasados", opina o procurador José Maurício.
Entretanto, a opinião do coordenador da Procap não é consenso entre os membros do Ministério Público. O promotor de Justiça Eloilson Landim, que também integra a Procuradoria dos Crimes contra a Administração Pública, diz acreditar que a resolução foi aprovada para beneficiar gestores que seriam enquadrados pela Lei da Ficha Limpa e traz um "afrouxamento completo" à legislação.
Na avaliação de Eloilson Landim, a falta de celeridade nos julgamentos do Tribunal de Contas dos Municípios realmente traz impactos para a administração pública, mas ele questiona se o TCM terá suporte suficiente para cumprir o prazo de cinco anos. "A estrutura está preparada para suportar todos esses processos dentro do prazo? Há conselheiros e assessores suficientes? Essa estrutura deve passar pela digitalização dos procedimentos para haver agilização das análises", considera.
Fiscalização
O promotor de Justiça acrescenta que, ao estabelecer prazo para prescrição dos processos, o Tribunal deveria ampliar sua responsabilidade de fiscalização interna. Ele pondera para a limitação das Corregedorias, responsáveis pelo controle interno dos órgãos públicos, em acompanhar a regularidade das atividades. "É complicado, vamos imaginar que algum conselheiro fique mais tempo com uma conta. Não há ação mais rigorosa da corregedoria contra conselheiros. Terão que ser mais rigorosas com os prazos", aponta.
Apesar de a Assembleia Legislativa ter competência para alterar o texto que será encaminhado pelo TCM, de modo a garantir que as contas que atualmente aguardam julgamento não caduquem imediatamente, Eloilson Landim desconsidera a hipótese. "O legislativo teria, em tese, poder para alterar isso, mas há total interesse político para que isso não ocorra. Tudo converge para atender aos interesses da classe política", diz.
O professor de Direito Penal Daniel Maia também aposta que a tendência é que a matéria seja aprovada garantindo que as contas atrasadas dos gestores públicos caduquem. No entanto, o especialista defende que a resolução do TCM traz "segurança jurídica" para que os tribunais possam ser mais céleres.
Mesmo reconhecendo eventuais "prejuízos", ele ressalta que o bônus da proposta é superior ao ônus, já que, em troca, a matéria garantiria mais agilidade nos julgamentos do Tribunal de Contas dos Municípios. "Assim como o gestor tem que cumprir as contas, o conselheiro também tem que ter um prazo legal. É um absurdo que uma conta leve mais de cinco anos para ser julgada e, se passar de cinco anos, terá que se apurar o porquê dessa demora", declara.
Cobrança
O professor da UFC ainda alerta para a necessidade de se ampliar a fiscalização do TCM, pois "não adianta colocar prazo prescricional se não houver uma cobrança". "O ideal é que, junto com essa possibilidade de prescrição, fossem criados mecanismos de fiscalização da celeridade do andamento dos processos para evitar que ocorra essa prescrição", considera.
Por sua vez, o promotor Eloilson Landim reforça que a demora nos julgamentos não é exclusividade do TCM. "O argumento é que o gestor vai passar 10 anos para ter as contas aprovadas. É o preço que se paga por trabalhar com dinheiro público. Há casos de interesses particulares que demoram muito mais". E pontua: "É mais um mecanismo para proteger e resguardar interesses políticos escusos".
O presidente do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará, Francisco Aguiar, afirmou ao Diário do Nordeste, no último dia 30, que não comentaria a resolução do TCM enquanto a Assembleia Legislativa não votar a proposta. Ele acrescentou que não tem informações de quantos processos seriam arquivados por conta da prescrição.
LORENA ALVESREPÓRTER