“O que o torturador busca extrair do torturado é a negação absoluta e radical de sua condição de sujeito livre.” (Hélio Pellegrino, Folha de S.Paulo, 5/6/1982) (Para Ronaldo Bastos, in memorian)
Rever a foto do pedreiro Antonio Ferreira Braga nos jornais destes dias, com a notícia de sua morte (acontecida ainda em 2009), - em função de uma cobrança da Organização dos Estados Americanos - me remeteu aos conturbados dias de abril a julho de 1993, época em que eu presidia a Comissão dos Direitos Humanos da OAB/CE, na gestão José Feliciano de Carvalho.
No dia 12 de abril daquele ano, em uma atitude temerária, mas, absolutamente necessária, um grupo de advogados e parlamentares das comissões de direitos humanos da própria OAB, da Assembleia Legislativa (então presidida por Mário Mamede) e da Câmara Municipal, invadimos literalmente a Delegacia de Furtos e Roubos e flagramos uma das mais abjetas, covardes e indignas ações que um ser humano pode praticar sobre outro semelhante: a tortura. A cena, depois imortalizada pelo fotógrafo do O POVO, Evilázio Bezerra, era dantesca: o pedreiro, enrolado em uma coberta e imobilizado por cordas, sendo torturado com palmatória (cujas pancadas seriam encobertas pelo pano), pedaços de câmara de ar (que, pressionadas sobre o seu rosto, o faziam desmaiar) e fios elétricos descapados, para fazê-lo tornar a si após os desfalecimentos causados pela asfixia. O apelo dele foi para que o salvássemos; os policiais torturadores, incrédulos com nossa ação, tentaram nos intimidar e desfazer a cena do crime; o que só veio a ocorrer com a entrada da imprensa, poucas horas após.
Dali, decorreu uma sindicância, que presidi na CDH/OAB/CE (e que contou com a participação fundamental do então corregedor, prematuramente há pouco falecido, Ronaldo Bastos), em que apuramos quase 40 casos de torturas e maus-tratos (utilizados ou como “método” de investigação ou vinculados à extorsão), que levaram a algumas demissões (principalmente, entre os escalões inferiores), à exoneração do então secretário da Segurança, Francisco Crisóstomo (que justificara o que chamou de “sugesta”) e a criação do Conselho Estadual de Segurança Pública.
A notícia - veiculada no O POVO de 8 de maio - da exoneração de um major PM afastado por tortura - demonstra, infelizmente, que esta ainda é prática recorrente na ação dos órgãos de segurança. Uma das causas é a impunidade, que, certamente, poderia ser mitigada se tivéssemos aqui no Ceará (como em outros estados) o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, principal ação do Comitê Nacional de Prevenção à Tortura. Só assim, essas cicatrizes e mortes não teriam sido em vão.
João Alfredo
joaoalfredo
Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.o, professor universitário, vereador (Psol) e presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara Municipal de Fortaleza