Ítalo é filho de um trabalhador que recebe pouco mais de um salário mínimo por mês. Tem dez anos. Para a burocracia, é apenas mais um menino, filho de assalariado. Nem CPF tem ainda. Ele é portador de diabetes mellitus tipo 1 (DM1), doença autoimune – quando as células de defesa atacam o próprio organismo e destroem algum órgão. No caso da DM1, o pâncreas é atacado e deixa de produzir insulina. Para viver, Ítalo, assim como outras crianças, depende de várias aplicações diárias de insulina e de outros chamados ‘insumos’ para diabéticos (tiras reagentes, glicosímetro, seringas, lancetas e agulhas).
Em alguns estados brasileiros os meninos com diabetes recebem, gratuitamente, como primeira opção de tratamento, os análogos de insulina - medicamentos mais modernos e eficazes que os dispensados hoje no Ceará.
É assim também em outros países. Em muitos deles, o tratamento preferencial para as crianças é a bomba de insulina, equipamento portátil que imita o pâncreas, garantindo a infusão contínua do hormônio. Uma opção lógica: trata-se da criança para evitar um adulto incapaz. Sim, pois sem monitoramento e sem o tratamento adequado, o menino com DM1 de hoje será o adulto sequelado de amanhã. A conta sairá bem mais cara.
Mas Ítalo nasceu em Fortaleza, mora no bairro Curió, e não teve acesso aos análogos de insulina, muito menos a uma bomba. Desde novembro passado, ele não recebe sequer as tiras reagentes para medir sua taxa de glicose no sangue e calcular a dose de insulina de que precisa. Cada caixa de tiras dura 15 dias e custa R$ 140. Muito para a família que vive com pouco mais de um salário. Aos dez anos, Ítalo já perdeu 50% da visão.
No último dia 13, em audiência pública na Assembleia Legislativa do Ceará, o pequeno Ítalo, ao lado do pai, ouviu burocratas afirmarem que por conta das exigências da lei das licitações parte dos insumos para o controle da diabetes está em falta na rede pública de saúde.
Ouviu os burocratas discordarem dos médicos quando estes alertavam que a insulina distribuída nos postos de saúde não é a mais adequada para crianças com DM1. Ouviu dizer também que existem canetas para aplicação e agulhas pequenas que não são tão dolorosas quanto as que ele é obrigado a usar. Mas os burocratas presentes à audiência pública não estavam preocupados com a dor que o menino sente.
Os burocratas não foram capazes de enxergar a urgência do pequeno Ítalo. E o menino, que a diabetes ameaça cegar, voltou para casa, assustado e triste, com a cegueira da burocracia.
Verônica Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. Jornalista