Deputado Dedé Teixeira iniciou a série de pronunciamentos em defesa do relatório da Comissão da Verdade, publicado quarta-feira
FOTO: LUCAS DE MENEZES
A entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investigou crimes e violações de direitos humanos ocorridos no período entre 1964 e 1988, no curso do período da ditadura militar (1964-1985), foi o assunto destacado por vários parlamentares da tribuna da Assembleia Legislativa, na manhã de ontem. Na avaliação dos deputados, o momento é de imprescindível importância para a história brasileira.
Dedé Teixeira (PT), primeiro a levar o assunto à tribuna, destacou que uma das comprovações apontadas pelo relatório da CNV foi a de que graves violações aos direitos humanos foram cometidas por agentes do Estado a serviço ou com a aquiescência do Governo. "São graves violações, prisões sem base legal, tortura, violência sexual, execuções, ocultação de cadáveres, praticadas de forma massiva e sistemática. Um crime contra a humanidade", apontou.
O parlamentar informou que desde a sua implantação em maio de 2012, os membros da CNV colheram 1121 depoimentos, dos quais 132 de agentes públicos, realizou 80 audiências e sessões públicas pelo País, percorrendo o Brasil de Norte a Sul, visitando 20 unidades da Federação. "A comissão realizou centenas de diligências, e identificou, inclusive, um desaparecido, Epaminondas Gomes de Oliveira, que morreu numa dependência do Exército em Brasília", disse.
Suficiente
Teixeira destacou que o relatório final apresenta 29 recomendações a serem tomadas pelo Poder Público, mas apontou como uma das mais importantes o reconhecimento de culpa por parte das Forças Armadas, o que, segundo ele, até agora não aconteceu. "As Forças Armadas não negaram o que aconteceu, mas isso não é suficiente", avaliou, apontando medidas como a punição de agentes públicos, proibição das comemorações do golpe de 64 e mudanças nos registros de óbito das vítimas.
O deputado ainda destacou que há quem defenda a revogação da lei da anistia, que "perdoou" tanto os agentes de estado quanto os que aderiram à luta armada durante o regime militar, uma vez que muitos crimes cometidos são considerados pela Justiça imprescritíveis. "É um tema polêmico", pontuou Teixeira, "o debate vai continuar, e é fundamental para que o povo brasileiro, que 60% nasceu depois do regime, conheça essa realidade cruel na história do Brasil", pontuou.
Já o deputado Lula Morais (PCdoB) criticou a postura do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), que durante pronunciamento na Câmara Federal agrediu verbalmente a deputada Maria do Rosário (PT-RS). "Esse ex-militar não lembra a quantidade de jovens brasileiros que lutaram por democracia e foram presos. Certamente, ele seria um dos estupradores, um dos torturadores que promoveriam as atrocidades reveladas no relatório da CNV", apontou.
Esclarecer
O parlamentar afirmou que sua intenção não era a de atacar as Forças Armadas, mas mostrar o quanto o regime foi prejudicial ao Brasil. "Devemos, como todo patriota, defender o País, mas esse período marca um período negativo na história do Brasil. Nós não podemos deixar para trás aquilo que marcou a nossa história. O Brasil deve esclarecer muitas coisas e a Comissão da Verdade tem feito isso. O Estado brasileiro já pediu desculpas ao cidadão pelas violações e todos que tiverem responsabilidade precisam reconhecer o que fizeram", reivindicou.
A deputada Eliane Novais (PSB), por sua vez, avaliou que a entrega do relatório aconteceu em um momento importante, uma vez que tem acontecido manifestações em defesa da volta da intervenção militar e do autoritarismo no Brasil. "O relatório comprovou que o instrumento da tortura era usado de forma sistemática", lamentou.
A comprovação da existência de centros de tortura espalhados pelo Brasil também foi destacada pela parlamentar. "Inclusive aqui no Ceará, onde as investigações apontaram a existência de 10 locais que foram utilizados para a prática da tortura, como a chamada Casa dos Horrores, em Maranguape".
Eliane apontou ainda que o Ceará foi um dos estados que teve um governador contrário à comissão da verdade. "Nós, inclusive, apresentamos um requerimento solicitando a criação de uma comissão parlamentar memória, verdade e justiça, para ajudar a investigar os crimes cometidos contra deputados desta Casa que lutaram pela liberdade. Infelizmente, a proposta não saiu do papel. O fato concreto é que a contribuição do Ceará se deu muito mais por força dos movimentos sociais do que pelo Estado", afirmou.
Ela cobrou que os trabalhos para recuperar os acontecimentos do período não se encerrem com o relatório final apresentado aos brasileiros.
Repercussão na Câmara Municipal
Em pronunciamento na Câmara Municipal de Fortaleza, ontem, o vereador Deodato Ramalho (PT) destacou a apresentação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Deodato afirmou que o relatório é um passo importante para que a sociedade brasileira se reencontre com a sua história esclarecendo para as novas gerações que os cinco generais que assumiram a Presidência da República no período usurparam o poder democrático no Brasil.
"Importante para a sociedade se reencontrar com nossa história e sarar as nossas feridas, mas não deixar sob o manto da impunidade aquilo que aconteceu no período da ditadura militar por conta dos atos da intolerância, morte e tortura", disse.
Para o petista, nada foi mais ofensivo e degradante aos direitos humanos do que o período da ditadura militar que assolou o País durante mais de 20 anos, além de outros países da América Latina e do Sul.
Anistia
Segundo ele, a história do País é recheada de episódios de ditadura e golpes militares. "O período mais longo de democracia que nós temos é este da contemporaneidade a partir de 1986 com a redemocratização do Brasil".
Deodato Ramalho relatou que no Ceará foram apontados equipamentos públicos onde as práticas da tortura eram cometidas, como a escola de aprendizes-marinheiros, Instituto Penal Paulo Sarasate, o Quartel General da 10ª Região, o 10º Grupo de Obuses, o 23º Batalhão de Caçadores e a sede da Polícia Federal. "Esses locais oficiais, equipamentos públicos que foram utilizados para a prática criminosa e cruel da tortura, da morte, das prisões arbitrárias", lamentou.
O vereador ainda opinou que o momento deve ter sido um dos mais emocionantes para a presidente Dilma Rousseff (PT) por ela ter sido perseguida, presa e torturada, assim como tantos brasileiros durante o período.
O relatório traz 29 recomendações, dentre elas, a determinação da responsabilidade jurídica dos agentes públicos envolvidos nessas ações, afastando a aplicação da Lei da Anistia (Lei 6.683/1979). Para ele, não se trata de defender a revanche e sim de entender que a lei acoberta crimes contra a humanidade.
"A decisão Supremo Tribunal Federal vai na contra mão da história de todos os organismos internacionais de direitos humanos de todos os países. O único País da América do Sul que enfrentou a ditadura e saiu da ditadura com a força do seu povo e que tenta jogar para debaixo do tapete essa mancha é o Brasil".