Henrique Araújo, Editor-chefe do Núcleo de Cultura e Entretenimento
Uma das consequências do acirramento da disputa nacional à presidência é que nos estados onde há segundo turno, como é o caso do Ceará, as eleições locais perderam um tanto de interesse. O que é ruim. Afinal, há ainda muito para conhecer de duas candidaturas que, quanto mais se empenham em se descolar uma da outra, mais se aproximam. Onde começam as propostas de Camilo Santana (PT) e terminam as de Eunício Oliveira (PMDB)? O debate de ontem na TV O POVO deixou claro que essa distinção requer do eleitor uma dose extra de esforço.
Do lado de Eunício, que foi ao programa disposto a “olhar na bila do olho do eleitor”, faltou uma contundência que, desconfio agora, só mesmo alguém que não tivesse feito parte do governo por tanto tempo poderia ter. Ele conhece a máquina, sabe quem maneja as peças e como as escolhas são feitas - até tentou ser o candidato de Cid Gomes, mas, por contingências no arranjo político-partidário, não conseguiu. Dessa experiência íntima com a gestão cidista, de saber-lhe exatamente os pontos fracos, o que restou?
Restaram a crítica mal alinhavada ao modelo de segurança e a proposta autoritária de ampliação do Ronda de Ações Intensivas e Ostensivas (Raio). Também defendida por Camilo, a medida, muito popular pelo que tem de resposta fácil à violência urbana, merecia um bloco inteiro de perguntas e respostas. Na propaganda dos candidatos e nos debates, porém, tem sido apresentada como um novo Ronda do Quarteirão. Sai a polícia amistosa cuja função era tornar-se parte da comunidade; entra a tropa de motociclistas famosa pela truculência nas abordagens.
Se o assunto é cultura, então, o vazio impera. Ontem, após as platitudes de sempre, o tema entrou e saiu de foco do mesmo modo como tem sido praxe tratá-lo no Ceará: com a ligeireza e falta de reflexão habituais. Nome escolhido por um conglomerado de partidos que fez pouco caso da área por oito anos, Camilo orgulha-se de ter um comitê dedicado ao assunto. Eunício, nem isso. O peemedebista sequer consegue articular um punhado de ideias que se pareçam com um projeto para a cultura.
A despeito dos problemas, no próximo dia 26 de outubro, o cearense terá novo encontro com a urna eletrônica. Ali, diante da maquineta registradora do voto, sem ninguém para lhe perguntar se é débito ou crédito, o eleitor precisará escolher: Camilo, Eunício, nulo ou branco? Numa disputa desapaixonada entre candidatos que falharam até mesmo em ensaiar uma falsa polarização, o melhor talvez seja decidir na moeda. Ou no palito. Ou no uni-duni-tê.