Candidata do PSB disse que, em 16 anos no Senado, jamais defendeu projetos de caráter religioso
FOTO: DANI BARCELLOS/DIVULGAÇÃO
A candidata à Presidência Marina Silva (PSB), que visita o Ceará hoje e amanhã, afirmou nunca ter defendido projetos de caráter religioso em 16 anos de Senado e destaca, inclusive, ter sido contra a obrigatoriedade de bíblias em bibliotecas públicas. Em entrevista exclusiva ao O POVO, feita por email, ela afirmou ser vítima de “boatos e inverdades espalhadas pelos que temem avanços políticos no Brasil”.
A candidata falou também sobre “nova política”, causa LGBT e Banco Central. (Paulo Renato Abreu)
O POVO - No que consiste a nova política que a senhora defende? É possível praticá-la como presidente diante de um Congresso formado, majoritariamente, por representantes da velha política?
Marina Silva - Nossa proposta é fundar uma prática política diferenciada, de compromisso com a nação, de “democratização da democracia”. É necessário criar mecanismos de participação que revigorem a democracia representativa, aumentando sua legitimidade. Queremos governar com os melhores do nosso País e fazer um governo para todos. Vamos fazer uma governabilidade programática e não a governabilidade pragmática, que é feita pelo atual governo, que tem uma maioria artificial. A cada projeto que o governo manda para o Congresso é um Deus nos acuda e muita gente chantageando o governo para pedir mais um pedaço do Estado para votar em projetos importantes. Essa governabilidade não pode continuar porque está sendo feita em prejuízo do País.
OP - A senhora tem protagonizado um debate dos mais duros com a presidente Dilma Rousseff, que tenta reeleição. Já esperava que assim fosse? Tem queixas da postura dela?
Marina - Estou surpresa com a indústria de calúnias e boatos que se instalou logo no 1º turno. Uma onda de mentiras que só cresce à medida que a nossa campanha avança e a mudança da velha política para a nova política se torna mais próxima e real. Por isso, venho pedindo à militância para entrar nas redes sociais e divulgar as propostas de minha candidatura, o que ajudará a desfazer os boatos e inverdades espalhadas pelos que temem avanços políticos no Brasil. A gente nem precisa agredi-los. Vamos oferecer a outra face. Para a face da mentira, a verdade. Para a face do medo, a esperança. Para a face da corrupção, a honestidade.
OP - A revisão do plano de governo que a senhora anunciou, no capítulo que trata da questão LGBT, configura recuo no tratamento da temática? Há injustiças na crítica que tem sido feito por representantes do movimento?
Marina - Não houve recuo. O que ocorreu foi uma falha no processo de editoração que levou o programa a ser impresso e divulgado com uma versão que não refletia toda a discussão efetivamente realizada. Tivemos contribuições de vários segmentos sociais e comunidades para construir nosso programa de governo. O texto inserido foi o texto integral, ipsis litteris, recebido pela comunidade LGBT. Nenhuma contribuição de nenhuma outra comunidade ou segmento social foi incluída sem o debate em encontros e seminários que realizamos em todo o Brasil e resultaram nas propostas do programa de governo. No entanto, gostaria de reforçar que permanece irretocável o nosso compromisso irrestrito com a defesa dos direitos civis dos grupos LGBT e com a promoção de ações que eduquem a população para o convívio respeitoso com a diferença e a capacidade de reconhecer os direitos civis de todos. A abordagem das questões caras ao movimento LGBT é, de longe, no nosso programa a mais abrangente e mais comprometida entre os três principais candidatos. Compare-as.
OP - Qual o grande acerto e o grande erro dos governos do PT, na avaliação da senhora?
Marina - Essa é uma boa pergunta. É preciso reconhecer o que há de bom tanto na gestão tucana quanto petista, para que possamos garantir as conquistas. Nesse sentido, tanto a estabilidade econômica conquistada pelo governo FHC que hoje o PT coloca em risco, quanto às conquistas sociais que as pessoas mais pobres tiveram durante o governo Lula precisam ser preservadas. O grande acerto foi priorizar as políticas sociais que fizeram com que milhões de pessoas evoluíssem de vida. O grande erro foi que o governo Dilma perdeu seu foco, imerso em um mundo de corrupção, má gestão e desperdícios. Dilma, tida como a grande mãe do PAC, a grande gestora, decepcionou muito. Como Eduardo dizia, ela se revelou foi a madrasta da inflação. Hoje são só promessas para mais quatro anos, sendo que perdemos quatro anos já com ela. Precisamos voltar a evoluir. Manter as conquistas econômicas e sociais e avançar muito em um ciclo de conquistas políticas.
OP - A crítica central à proposta de autonomia do Banco Central indica que ela tira do governo e transfere para os bancos a política de controle da inflação. Ela (a crítica) está errada? Por quê?
Marina - A proposta de Banco Central institucionalmente independente não significa que os bancos comerciais, públicos ou privados, passarão a ser responsáveis pelo controle da inflação. A ação do governo sobre a inflação depende da gestão do orçamento, ou seja, da política fiscal, e da política monetária. Tal como é está sendo feito hoje, o Banco Central sofre influência direta da Presidência da República, que interfere nas decisões sobre os juros. A proposta do Banco Central independente cria uma blindagem contra o uso político de um instrumento crucial para manter a inflação sob controle. A política orçamentária pode ajudar o Banco Central, reduzindo os gastos não essenciais. Estamos propondo, adicionalmente, a criação do Conselho de responsabilidade Fiscal para ser um órgão de controle fiscal, independente do Tesouro Nacional, para garantir o cumprimento das metas fiscais nos Governos e Empresas Estatais. Da forma tratada pelo atual governo, a contabilidade tornou-se uma peça de ficção, que nem os funcionários de carreira, ou mesmo o Secretário do Tesouro, acreditam. Na nossa visão, quanto maior for o esforço para recuperar a credibilidade fiscal, menor será a necessidade de aperto monetário e poderemos recobrar a capacidade de crescer. Ao contrário da crítica da vez, que o governo Marina tirará pão da mesa do pobre para dar aos bancos, o governo já vem punindo a população de baixa renda, pela negligência no controle da inflação. A queda do PIB hoje é a gestação da alta do desemprego de amanhã. Encontramo-nos no pior dos mundos, crescimento medíocre com inflação elevada. As ferramentas para lidar com ambos os problemas foram perdidas nos últimos quatro anos.
OP - Por que sua religiosidade é confundida com fundamentalismo. Há má fé dos seus adversários no tratamento da questão?
Marina - Sou uma pessoa religiosa desde pequena. Nasci num berço católico. Em 1996, converti-me a fé evangélica. Nunca neguei minha fé. Não acredito que seja preciso negar a fé para ser presidente. Tenho 16 anos de Senado e nunca defendi algo religioso. Tenho inclusive exemplos que provam que sempre separei a minha religião da minha vida pública. Uma vez, neguei um projeto que me gerou problemas, que era para ter bíblias nas bibliotecas.
Dei um parecer contrário dizendo que as igrejas podem doar bíblias e as bibliotecas podem aceitar, mas isso não pode partir do Estado.
OP - O que precisa mudar em programas sociais hoje existentes no Brasil, especialmente o Bolsa Família? A senhora concorda que falta uma porta de saída que reduza a dependência dos beneficiados?
Marina - Acreditamos que falta uma integração dos serviços essenciais, como saúde, educação, saneamento, lazer, entre outros exemplos, com as políticas sociais existentes hoje no país. Além disso, essas importantes políticas não levam em consideração as diferenças regionais e locais, como também as diferenças de tipo de exclusão: nas periferias das metrópoles, dos quilombolas, população de rua, do meio rural. Nosso compromisso primeiro é tornar o Programa Bolsa Família uma política de Estado, integrando programas e orçamentos, além de integrar os cadastros e melhorar a gestão dando eficiência. Temos também de garantir transparência em todas as informações e controle social das Políticas Sociais. Nós ampliaremos o número de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família, pois é uma conquista da sociedade brasileira. O Bolsa Família retirou milhões de brasileiros da pobreza extrema e representou um salto no desenvolvimento social do Brasil. Nós reconhecemos essa conquista e ampliaremos o benefício para mais 10 milhões de famílias. Nós defendemos a criação de uma terceira geração de programas sociais, que assegurem igualdade de oportunidades, acesso a serviços públicos de qualidade e a emancipação das famílias.
OP - Caso vá ao segundo turno, como a senhora pretende negociar apoios?
Marina - Ainda estamos no primeiro turno. Se eleitos, iremos governar com os melhores e com as pessoas que querem o melhor para este País. Tendo como norte o programa de governo construído em conjunto com a sociedade.
Sem resposta
Marina não respondeu a duas perguntas enviadas por email pelo O POVO. Os questionamentos foram os seguintes:
1. Há quem considere incoerente a senhora fazer o discurso do “novo” e se aliar a políticos como, por exemplo, Jorge Bornhausen, em Santa Catarina, e Heráclito Fortes, no Piauí. Como responder a essa crítica?
2. A senhora conhece Eliana Novais, candidata do PSB ao Governo do Ceará? Por qual razão considera que ela merece o voto do cearense?