A situação gera um desconforto que envolve a Justiça Eleitoral, responsável por fiscalizar o pleito
Após duas semanas da realização do segundo turno em Fortaleza, o Partido dos Trabalhadores ainda não apresentou à Justiça Eleitoral do Ceará, conforme prometido no dia da votação, as supostas provas de compra de votos na Capital em favor da coligação que apoiou o prefeito eleito Roberto Cláudio (PSB).
Inevitavelmente, a situação gera um desconforto que envolve a Justiça Eleitoral do Ceará, tendo em vista que o procurador regional eleitoral, Márcio Torres, já afirmou mais de uma vez que não está ciente que esse tipo de situação tenha ocorrido na Capital e assegura que foi às ruas no dia da votação, juntamente com promotores, para intensificar a fiscalização.
Por sua vez, o deputado Antonio Carlos (PT), que coordenou a campanha de Elmano de Freitas, e outros dirigentes petistas sustentam que faltou eficiência do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) no tocante à fiscalização. De acordo com Antonio Carlos, a assessoria jurídica do PT está reunindo provas "robustas" para a representação, mas não adiantou quando a legenda deverá apresentar o material à Justiça Eleitoral. O deputado também garante que os fiscais do partido receberam mais de 500 denúncias no dia da votação.
Desvio
"Quanto mais robustas e consistentes, melhor, a pressa nesse momento não ajuda. Quanto mais apurado esse questionamento à Justiça, melhor, inclusive pela responsabilidade do processo", aponta. Para o deputado Antonio Carlos, foram cometidas irregularidades nunca vistas na Capital cearense durante o período eleitoral. "Houve algum desvio (em eleições anteriores), mas nós havíamos avançado nesse processo. É um retrocesso sem paralelo em Fortaleza. O que aconteceu no dia 28 de outubro não tem paralelo, nem no Interior do Estado".
O procurador regional eleitoral, Márcio Torres, admite que houve, sim, um número maior de denúncias do que nas últimas eleições municipais, em 2008, mas afirma que a maior parte se refere a propaganda irregular e boca de urna, além de serem "vagas e abertas". Ele ainda justifica que esses números não podem ser considerados "de forma absoluta", pois devem ser levados em conta dois aspectos. Primeiro, o acirramento da disputa; segundo, o aumento das ferramentas para o eleitor fazer as denúncias e ampliação do corpo de fiscais.
Segundo o procurador regional eleitoral, a coligação tem mais de um artifício jurídico para questionar os resultados das eleições. Ele também assegura que ainda há "tempo hábil" para impetrar ação de impugnação do mandato, que poderá se dar até 15 dias após a diplomação.
A cientista política Adelita Carleial, professora da Universidade Estadual do Ceará, diz acreditar que o partido pode estar reunindo as provas, considerando a gravidade das denúncias. "Que tamanho é essa realidade e que peso ela tem para modificar o processo vai depender das provas", aposta.
Ela também explica que, mesmo questionando o resultado das urnas, a prefeita Luizianne Lins (PT) não teria outra opção a não ser dar curso ao processo de transição, iniciado nesta semana. "Porque causaria mais tensão ainda. Denúncia verbal não se constitui um fato, é natural que a Prefeitura cumpra essa etapa", opina a professora.
Enquanto isso, a cientista política Patrícia Teixeira avalia que, até agora, o discurso do PT não passa de "falácia", já que as provas não foram apresentadas à sociedade. "A partir do momento que isso puder ser provado, muda de figura. É o dito pelo não dito. Só a palavra não basta", aponta a pesquisadora.
A cientista política diz que a acusação constitui uma afronta à competência da Justiça Eleitoral do Ceará, pois, segundo ela, o processo eleitoral já avançou significativamente no Brasil. "Eu não discordo da versão do deputado Antonio Carlos (de reunir provas robustas), mas eles sabem que o TRE é um órgão sério. O processo foi feito com lisura, não há denúncias concretas de fraude. Hoje, temos um pleito modernizado", reflete.
Derrota
A professora Patrícia Teixeira compara a postura do PT com o posicionamento do ex-candidato a prefeito, deputado Heitor Férrer (PDT), que questionou judicialmente o resultado das eleições. "Tentaram repetir a mesma situação do Heitor, que quis atribuir a derrota à pesquisa dos institutos. Isso foi uma atitude tomada logo na primeira semana", acredita.
O deputado Antonio Carlos chegou a afirmar que a fiscalização do TRE deixou a desejar no dia da votação. Segundo explanou, alguns policiais fizeram vista grossa sobre as irregularidades cometidas nas ruas de Fortaleza, no último dia 28.
O procurador Márcio Torres alerta para a gravidade da denúncia. Ele diz que, se foram constatadas essas irregularidades cometidas por policiais, a coligação deveria ter entrado com uma representação contra os profissionais, já que isso se concretiza prevaricação, ou seja, ação por interesse ou má-fé.
A opinião de Patrícia Teixeira é que essas denúncias podem ter surgido principalmente pela derrota inesperada da legenda. "O PT não esperava de forma alguma perder essa eleição". Entretanto, ela afirma que, agora, é uma "questão de honra" a apresentação das provas, pois, em caso de inexistência desse dossiê, poderia ficar comprometida a credibilidade do partido.
O procurador regional eleitoral, Márcio Torres, pondera acerca da imagem que o PT pode construir ao protagonizar esse episódio. Para ele, só a população poderá fazer o seu juízo, mas adianta que tanto a sociedade quanto a Justiça Eleitoral "estão ansiosos" para tomar conhecimento das supostas provas prometidas pela legenda.
Márcio Torres lembra que o processo deverá ser encaminhado primeiramente a 114ª Zona Eleitoral e, posteriormente, segue para apreciação na Procuradoria Regional Eleitoral. Para mudar efetivamente o resultado do pleito, ele diz que só em caso de prova concreta de compra de votos com participação direta do candidato ou em situação de anuência, quando ele é conivente com o ocorrido.
SAIBA MAIS
Apuração
Logo após a apuração dos votos do segundo turno, o petista Elmano de Freitas fez um pronunciamento no comitê de campanha, criticando "práticas políticas atrasadas" durante a eleição.
provas
Apoiadores da candidatura petista realizaram, alguns dias depois, entrevista coletiva para anunciar que dispõem de provas de compra de votos na Capital, o que teria interferido no resultado do pleito.
Impugnação
Lideranças do PT disseram que enviariam as provas à Justiça Eleitoral e pediriam a impugnação de Roberto Cláudio. Porém, as provas ainda não foram entregues.