Ex-prefeito de Crateús, Carlos Felipe Saraiva Bezerra, filiado ao PCdoB, deixou o Executivo municipal para uma cadeira do Legislativo estadual e destaca dificuldades de sair do comando de uma prefeitura para integrar a base do Governo Camilo Santana na Assembleia. Em entrevista ao Diário do Nordeste, ele admite que muitas vezes a base governista vota favorável a matérias a contragosto e aponta que o Legislativo está mais independente e menos subserviente ao Executivo.
O senhor foi prefeito de Crateús e tinha poder da caneta, da decisão. Em 2015 iniciou no Legislativo. Foi mais difícil ficar sem o poder de executar ou em ano de vacas magras veio a calhar trabalhar no Parlamento?
São duas realidades bem diferentes. Em uma tem a responsabilidade de gerir e, na outra, você é mais um articulador entre a sociedade e o Executivo. Você passa a cobrar mais as ações (do Governo). Nesses locais, com a queda da arrecadação e, com o aumento dos serviços, existe dificuldade grande. Temos que fazer muito uma escolha de Sofia. Mas você tem a decisão da realização, de ver de fato a melhora de algumas áreas. Por outro lado, tem uma responsabilidade muito maior. O bom do Legislativo é não ter esse grande peso da responsabilidade. O lado ruim é que você é limitado, depende do Governo. Você tem dois tipos de parlamentares, os que ficam na oposição e os da situação. Muitas vezes você tem matérias difíceis para a situação e a posição da oposição é cômoda. A situação tem que ter a consciência de aprovar o que é necessário, mesmo às vezes achando que não é o que desejava. Ao mesmo tempo tem que ter a obrigação de chamar o Executivo para rever. Esse diálogo é muito difícil muitas das vezes, porque a tendência do Executivo é passar a matéria que ele manda sem questionar. Em 2015, a Assembleia deu a resposta. A bancada de oposição aumentou e muitas pessoas da base governista fizeram emendas às mensagens do Governo e acho que os dois lados ganharam: Executivo e o Legislativo. Por isso que concordo com o nosso presidente (Zezinho Albuquerque) quando diz (em entrevista ao Diário do Nordeste publicada no dia 28 de dezembro de 2015) que a bancada não está coesa. Acho que não é isso, mas a bancada foi capaz de questionar mensagens do Governo e de se afirmar, não como setor subserviente, mas de dizer que é situação, mas precisa rever. Essa situação foi muito difícil.
Passado esse primeiro ano, que contribuições o senhor acredita que deu ao Legislativo e ao Estado?
Uma das mais importantes, do ponto de vista imediato, talvez seja a das tecnologias de geração utilizadas em projetos de minigeração e microgeração, onde fui o presidente da comissão de Ciência e Tecnologia e conseguimos isenção de ICMS para mini e microgeração. E seremos referência em energia solar. Do ponto de vista de projeto de lei, estimulamos o Governo a fazer o que o Governo Federal estava fazendo. Mandamos um Projeto de Indicação em que 50% das emendas dos deputados deveriam ir para a Saúde e seca, inclusive para custeio. Nosso projeto convenceu ao Governo e permitiu que as emendas fossem para saúde também. Com isso, estou ajudando meu município a passar três meses custeado, com recursos da ordem de um milhão de reais. Nós ajudamos também o Outubro Rosa, com 600 mil para biópsias.
E quando o projeto vai de encontro aos interesses imediatos da população? Esse é o momento mais difícil para a base?
É verdade. E nessas horas você tem que melhorar os projetos com emendas. O projeto das pensões teve 30 emendas e, das 30, cerca de 15 foram aprovadas pela Casa, o que melhorou muito a mensagem do Governo. A gente melhorou a mensagem e esse foi um voto difícil, como os votos das taxas, que vimos como necessárias. Eu, como fui gestor, tinha que entender que o Detran teria que ter um custo a mais para manter a carteira popular, precisaria passar as taxas. Na hora de passar o Plano de Cargos e Carreiras todo mundo quer, mas na hora de passar as taxas para permitir o financiamento do sistema ninguém quer. Tem também a coisa de jogar para a plateia, de só entrar na hora boa.
O senhor falou que não concordava com o presidente da Assembleia quando ele diz que a base não teria coesão. O trabalho da liderança foi importante para deixar a base unida? Como o senhor avalia o trabalho da liderança do Governo em 2015?
No começo do Governo, a gente viu uma liderança que estava desarticulada, que não tinha uma interlocução entre a Assembleia e o Executivo. Porque a base está sempre pedindo apoio para poço profundo, para recursos de hospitais, quer resolver problemas de uma pessoa. Ela precisa ter relação entre a base e ligação com o Governo. Com a chegada do (secretário de Relações Institucionais) Nelson Martins, houve melhora muito grande. Achamos que precisa fortalecer ainda mais a pessoa que faz essa conexão e melhorar o diálogo entre deputados da base e o Governo. Ainda há certa distância. Eu, por exemplo, tive reunião com o governador uma vez. Outra vez foi um almoço, mas com outros deputados presentes. Talvez por ser o primeiro ano de Governo e, com o risco de a Região Metropolitana de Fortaleza ficar sem água, o problema da Refinaria, do HUB da TAM, a questão de liberar recursos para as águas chegarem ao Município de Jati. Todas essas ações exigiram muito do Governo.
O senhor deixou o PSDB e ingressou no PCdoB. Como explica essa mudança impensada para os padrões ideológicos partidários no Brasil de hoje?
Na verdade, minha militância é antes da formação do PT. Eu tive militância como sindicalista, com a Teresinha Braga, esposa do ex-senador Inácio Arruda. Na primeira eleição do Tasso, o PCdoB o apoiou. Naquela época, a esquerda estava ao lado do PSDB e refletia o momento nacional. Na minha cidade, o prefeito me convidou para ser candidato. Eu disse que queria ser pelo PT e ele me disse que, se quisesse ser candidato a prefeito, como seria candidato pelo PT se o Ceará era governado pelo PSDB, se o País era governado pelo PSDB? Mas na verdade eu sempre tive um pensamento centro-esquerda.
Tivemos protestos em Quixeramobim por conta do "aniversário" de um ano de inauguração do Hospital de Quixeramobim, que está sem funcionamento. Onde o Governo do Estado errou na expansão de equipamentos de saúde sabendo que não haveria recursos para o custeio?
Quando o ex-governador (Cid Gomes) expandiu a estrutura dos hospitais, pensou que o Governo (Federal) criaria um novo financiamento para a Saúde. Ele achava que passaria a CPMF logo no inicio do Governo Dilma. Houve expansão da rede e os municípios aumentaram seus investimentos. Mas não houve contrapartida do Governo Federal. Essa aposta não deu certo. Houve diminuição grande desses leitos.
O senhor acompanhou as obras da Transposição do Rio São Francisco. O senhor acredita que até o segundo semestre de 2016 essas águas chegam nas regiões a que pretendem chegar aqui no Ceara?
Com certeza chega a Jati. Cerca de 85% das obras estão concluídas. Agora, a dificuldade será se ela chega até a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Tem que se resolver a questão de 53 quilômetros, entre Jati e o Riacho Seco em Missão Velha. O governador tem trabalhado muito para isso. Passamos empréstimo na Assembleia que faz parte do Cinturão das Águas. Lá tem um trecho, que é um túnel, tem barragens e canais. Ao todo, essa obra custa R$ 300 milhões e o Governo Federal vem investindo por mês R$ 10 milhões. Se continuar só nesse investimento não dá. Esses 53 quilômetros são de execução do Governo do Estado, que tem feito todo esforço para resolver isso.