Os voos do governo Cid
Setembro bate à porta, mas já deve ter muita gente no Palácio da Abolição torcendo para que 2013 acabe logo. Talvez nem o mais pessimista dos aliados - ou o mais otimista dos opositores - tenha imaginado que o governo Cid Gomes enfrentaria tantos percalços em tão curto período de tempo. Tudo isso a quase um ano da sucessão eleitoral. O caso do buffet requintado ainda nem esfriou e já surge mais uma polêmica com repercussão nacional: a da compra de três helicópteros, por R$ 78 milhões, sem licitação.
Nem questiono a aquisição em si dos equipamentos. Claro que um Estado precisa estruturar sua frota área, importante para facilitar o deslocamento em casos de emergência, por exemplo. Sem falar que, no futuro, isso deverá representar economia de recursos pois, em tese, o Governo não necessitará mais gastar milhões no aluguel de aeronaves. O que causa espanto é o uso de uma espécie de gambiarra para a obtenção de determinados itens que, pelo alto custo, deveria seguir todo um trâmite administrativo autônomo, respeitando o direito à livre concorrência e abrindo a possibilidade de o poder público adquirir os mesmos aparelhos de aviação por um preço menor.
Mas não. O Executivo estadual preferiu aproveitar a brecha de um projeto da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece) para embutir compra de helicópteros. Sendo que o contrato com a empresa alemã MLW Intermed - aprovado pela Câmara de Comércio Brasil/Alemanha, pela Assembleia Legislativa do Estado, pelo Senado e pela Secretaria do Tesouro Nacional, segundo o Governo - fala em fornecimento de “equipamentos e instrumentos técnico-científicos e educacionais”. Haja criatividade para inserir aeronaves, que ficarão sob responsabilidade da Secretaria da Segurança, nessa categoria.
Para deixar o caldo ainda mais grosso, o primeiro helicóptero comprado pelo Estado, de acordo com informações do jornal O Globo, está sendo usado pelo governador Cid Gomes (PSB) para viagens oficiais, o que pode caracterizar um desvio de função, tendo em vista que o extrato de inexigibilidade de licitação é claro ao dizer que o equipamento deve ser utilizado “para fins de operação junto à Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior e Superintendência Estadual de Meio Ambiente”.
E talvez o leitor tenha ficado ainda mais surpreso ao saber também que de 2012 até hoje o Palácio da Abolição firmou contratos de R$ 18 milhões para voos comerciais, como mostrou matéria de ontem do O POVO assinada pela jornalista Hébely Rebouças. Somando-se aos valores gastos com compra de helicópteros e aluguel de aeronaves - R$ 22,4 milhões neste último caso - chegamos ao montante de R$ 118 milhões somente em 18 meses. Um volume de recursos considerável que exige do Governo do Estado uma série de explicações. Quais os destinos? Quem foi transportado nesses voos? Quais as motivações de cada viagem? Até agora, nada ou pouco se sabe. O Portal da Transparência não informa, nem a assessoria do Governo repassa esses dados. O que força a oposição a entrar com pedidos de esclarecimentos na Assembleia, gerando ainda mais discussões e ampliando a força do tema. Ou seja, parece que o Palácio da Abolição tem o prazer de alimentar controvérsias, que poderiam ser encerradas ou pelo menos encurtadas com uma simples decisão. Alguns enxergariam um quê de masoquismo nisso tudo. O crucial, agora, é esclarecer o assunto. Sem apelar para subterfúgios, como tentou fazer ontem a base cidista na Assembleia Legislativa, ao desqualificar as denúncias afirmando que se tratam apenas de uma “conspiração nacional” com vistas às eleições de 2014. Façam-me o favor.