A mais cara empulhação da história do Ceará
Os cearenses foram feitos de trouxas por anos e anos, eleições e mais eleições. A ideia de uma refinaria no Estado remonta aos anos 1950. Muita gente, de diferentes partidos, elegeu-se com essa bandeira. Depois de décadas, restou a lorota, a conversa fiada. Foram pelo menos R$ 657 milhões investidos pelo Estado, só nos últimos oito anos, para tentar viabilizar o investimento, conforme o jornalista Andreh Jonathas mostrou em dezembro, no O POVO (leia acessando o link: http://bit.ly/op009). E o prejuízo não para aí.
Há o impacto social, pois o negócio dependia da remoção de tribos indígenas anacés, em protesto extremamente desgastante para todos os envolvidos – sobretudo para quem perderia a terra onde vive e seria transferido para outro lugar. Sabe-se agora, a troco de nada. E há os esforços secundários, de menor volume, mas também significativos. A Assembleia Legislativa, em 2013, levou comitiva para percorrer o Interior em campanha pelo empreendimento. Isso custou dinheiro, envolveu palestras feitas por Ciro Gomes (Pros), então secretário de Estado e irmão do governador. Mobilizou os municípios, embora talvez fosse melhor ter atuado junto a quem tomaria a decisão – Brasília e a Petrobras.
O dano, todavia, foi muito maior. Há o estelionato político, a ilusão, o engodo com o projeto de desenvolvimento do Estado. Isso é muito mais que simbolismo. Mexe com as expectativas da população e ainda mais de empresários e políticos. São, portanto, peças no jogo de poder real, no tabuleiro da economia regional. A CULPA QUE É DOS GOVERNANTES CEARENSESClaro que a Petrobras e o Governo Federal são responsáveis e devem ser cobrados com absoluta veemência. Afinal, houve compromissos efetivos, públicos. Porém, há de se cobrar das autoridades estaduais se era mesmo o caso de investir tanto dinheiro público sem garantias mais concretas. Sem mecanismos de ressarcimento em caso de quebra de acordo. Um acerto que estivesse além dos acenos políticos e que precisasse ser mantido independentemente do partido que estivesse no poder. Afinal, a cada eleição, os governistas manifestavam o receio de que fosse eleito um presidente de oposição, que talvez não cumprisse os compromissos. Não faz sentido colocar tanto dinheiro e ficar condicionado a essas oscilações que são próprias da política. Ainda mais quando, no fim das contas, manteve-se quem já estava no poder e, mesmo assim, o acordo foi rasgado.
Gastos tão elevados com esses níveis de insegurança só se veem com patrimônio público. Coisa de quem mexe com dinheiro alheio. Do próprio bolso, ninguém em sã consciência faz investimento dessa monta condicionado a tal ponto às intempéries da política.
HISTÓRICO DE ENROLAÇÃOA refinaria é sonho de mais de meio século no Ceará, mas a perspectiva se tornou mais palpável no segundo governo Tasso Jereissati (PSDB). Em meados de 1998, o hoje senador eleito chegou a anunciar o empreendimento, em parceria com alemães e sul-coreanos. Era a véspera da eleição em que o tucano seria reeleito. No ano passado, em entrevista na TV O POVO, questionei Tasso a esse respeito. Ele assegurou que o acordo estava firmado. Mas o empreendimento não saiu porque, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomou posse, em 2003, mudou o eixo estratégico de alianças do Brasil. Assim, segundo Tasso, a prioridade teria passado a ser a Venezuela, que tinha parceria com Pernambuco. Alemanha e Coreia do Sul teriam sido preteridas. Como a Petrobras era parte indispensável do negócio, aquele projeto de refinaria cearense gorou. É uma explicação plausível e razoável. Só não justifica o porquê de a obra não ter se movido um milímetro, durante os mais quatro anos de administração do PSDB no Governo Federal, após o anúncio do investimento em 1998.
Pois bem, quando Lula estava na Presidência e Lúcio Alcântara (então PSDB, hoje no PR) administrava o Estado, o projeto foi arquivado. Já na administração de Cid Gomes no Ceará, ainda com Lula no Planalto, veio a promessa da refinaria Premium II, que seria feita pela Petrobras sem outros parceiros, seria muito maior e blá blá blá.
Cid Gomes se reelegeu e Dilma Rousseff foi eleita falando dessa bendita refinaria. Dilma foi reeleita e Camilo Santana (PT) foi escolhido para suceder Cid tendo o mesmo discurso como prioridade. Aliás, na primeira conversa que a presidente e o governador tiveram, após as respectivas eleições, o cearense colocou o assunto na pauta. Em vão.
A ATITUDE QUE SE ESPERA DOS POLÍTICOSOs políticos locais tiveram responsabilidade ao gastar sem as garantias devidas. Acreditaram nos compromissos presidenciais e torraram dinheiro do povo cearense em negócio que não sairá. Já houve muitos outros projetos frustrados no Estado, mas nenhum consumiu tantos recursos públicos. É mais do que foi gasto nas obras do Castelão para a Copa do Mundo, por exemplo. Camilo Santana é do mesmo partido da presidente Dilma. Cid Gomes, o responsável por despejar as centenas de milhões de reais para viabilizar o investimento que virou fumaça, é ministro de uma das pastas mais influentes do País, um dos maiores orçamentos da República. E é prestigiadíssimo auxiliar da presidente e a mais destacada voz da política cearense junto ao Governo Federal. Eles têm o dever e a obrigação de vir a público e cobrar que se concretizem os compromissos de tantos anos. Devem agir com a altivez que cabe a representantes do povo e a veemência que a gravidade da situação exige. No mínimo, no mínimo, há de se ressarcir o Ceará daquilo que foi gasto em função de acenos ilusórios.