Janela aberta pela prescrição de processos no Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) já livrou, em pouco mais de três meses, 439 gestores municipais de julgamentos. Entre os processos expirados, estão ações onde o acusado já havia sido condenado pela Corte, assim como casos onde houve dano aos cofres públicos - o que vai de encontro à Constituição Federal. A medida é alvo de questionamento do Ministério Público (MP-CE) e de um dos conselheiros.
A prescrição de processos no TCM, após cinco anos de tramitação, foi instituída ainda em 2013 - através de Emenda à Constituição apresentada pelo deputado Tin Gomes (PHS). Após meses de debates na Corte sobre como a medida seria colocada em prática, “bolo” de prescrições passou a ser oficializado em 16 de outubro de 2014. De lá para cá, mesmo com recessos de fim de ano, já foram 439 ações prescritas e arquivadas.
O procedimento vem sendo alvo de diversos protestos do conselheiro Pedro Ângelo, um dos sete titulares do TCM. Durante as votações, ele aponta irregularidade da prescrição de ações onde há dano ao erário ou que iniciaram antes da criação da nova lei, mas acaba sempre como voto vencido. Alguns dos casos provocaram longos bate-bocas na Corte.
A ação também é alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pelo procurador-geral de Justiça do Ceará, Ricardo Machado, junto ao Tribunal de Justiça do Estado (TJ-CE).
Sem julgamentoSegundo levantamento do O POVO em dados do TCM, diversas figuras “de peso” na política cearense já foram favorecidas pela medida - como a ex-prefeita Luizianne Lins (PT) e os deputados federais Genecias Noronha (SD) e Odorico Monteiro (PT). Também ficaram sem julgamento deputados estaduais Dr. Sarto (Pros), Agenor Neto (PMDB), Rachel Marques (PT) e Sérgio Aguiar (Pros) - filho do presidente do TCM, teve três ações contra ele prescritas.
O autor da PEC da prescrição, Tin Gomes (PHS), também responde a ações na Corte e já teve um processo - de sua gestão como presidente da Câmara de Fortaleza em 2002 -, prescrito. Em entrevista ao O POVO, Tin disse não ter conhecimento do arquivamento da ação, negou irregularidades e defendeu a prescrição de processos.
“Se prescreveu processo de 2002 para cá, é dentro do que se defende a nível nacional, que é cinco anos. A Corte tem que julgar nesse tempo, senão fica inviável para o gestor se defender direito”, diz.
Procurado pelo O POVO, o presidente do TCM, Francisco Aguiar, também destaca que vem “cumprindo o que determina a nova lei”. “Não houve ainda nenhuma decisão judicial mandando suspender. Então, temos que cumprir o que manda a legislação”, afirma.
“Foram muito poucas ações prescritas ainda, em um universo de 30 mil processos”, justifica. Aguiar nega que casos onde há dano ao erário estejam sendo extintos. Segundo ele, ações do tipo são encaminhados ao MP, para que seja apurada a responsabilidade legal dos envolvidos.
NÚMEROS
439
processos foram prescritos desde 16 de outubro de 2014, segundo dados do TCM
16,8
prescrições é a média de prescrições nos dias em que a Corte julgou ações do tipo
SERVIÇO
Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará
Fone: (85) 3218-1305 Mais em: www.tcm.ce.gov.br
Para entender
Vários dos casos dados como prescritos pela Corte são questionados por membros do MP ou por Pedro Ângelo. Em uma das ações, por exemplo, um ex-gestor de Nova Russas foi julgado em 2007 e condenado a pagar multa de R$ 4,2 mil, além de compensação de R$ 116,9 mil por danos aos cofres públicos.
O ex-gestor apresentou então um recurso à Corte, que foi transmitido ao conselheiro Hélio Parente só em 2012. A partir daí, o conselheiro pediu tempo para analisar o processo, que só voltou à pauta em 2014, quando já estava fora do prazo para julgamento e foi prescrito.
Adin da PGJ ainda aguarda julgamento no TJ. Atualmente, ação está com desembargador Inácio de Alencar
LINHA DO TEMPO
Maio de 2013
Assembleia aprova projeto de Tin Gomes (PHS) que permite a prescrição de processos do TCM após cinco anos. Texto aprovado previa imprescritibilidade de gestores que provocaram danos aos cofres públicos
Dezembro de 2013
Após aprovação de emenda, a Assembleia vota projeto de resolução do TCM regulamentando a prescrição de processos na Corte. Neste texto, o item que prevê a imprescritibilidade de casos com danos ao erário é removida pelos deputados, sem chamar atenção.
Maio de 2014
Primeiros casos passíveis de prescrição começam a ser analisados na Corte. Em uma das votações, conselheiros decidem por ampla maioria pelo arquivamento de um recurso prescrito. Conselheiro Pedro Ângelo é voto isolado contrário ao arquivamento.
Junho de 2014
O procurador-geral de Justiça do Ceará, Ricardo Machado, entra com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a legislação que permite prescrição. Segundo o promotor Marcus Renan, assessor jurídico da Procuradoria Geral de Justiça, ação aguarda desde setembro de 2014 manifestação final do desembargador Inácio de Alencar. Renan classifica expediente da prescrição como “lamentável” e “infeliz”.
Outubro de 2014
Mesmo sob dúvida, prescrições se intensificam. Em alguns dias, são quase 50 prescrições diárias pela Corte.