Você está aqui: Início Últimas Notícias Dia da Consciência Negra simboliza conquistas e reforça lutas por igualdade
Ao longo do tempo, sobretudo nos últimos vinte anos, houve um avanço significativo nas políticas pela igualdade racial no Brasil, conquistas fruto da luta de movimentos sociais. Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Ceará, deputado Renato Roseno (Psol), um dos mais importantes ganhos para a população negra foi o fortalecimento do próprio movimento negro.
“Esse fortalecimento denuncia e informa à sociedade brasileira sobre a permanência do racismo e da desigualdade racial na nossa sociedade, fruto da escravidão negra, maior sequestro do planeta. Isso deitou raízes na sociedade brasileira que atravessam os séculos e, lamentavelmente, se veem nos indicadores de violência, socioeconômicos, ausência de acesso à saúde e outras áreas”, avaliou o parlamentar.
HISTÓRIA
Em 1971, um grupo de jovens negros de Porto Alegre pesquisou a luta dos seus antepassados e questionou a legitimidade do 13 de maio (data da assinatura da Lei Áurea) como referência de celebração do povo negro. Foi sugerido então o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, para destacar o protagonismo da luta dos ex-escravizados por liberdade e gerar reflexão para as questões raciais.
“Essa data é de muita importância para os movimentos antirracistas e também para as políticas públicas de promoção da igualdade racial, porque ela traz uma simbologia, uma representatividade do ponto de vista da nossa história. Então, houve um deslocamento do 13 de maio para o 20 de novembro como uma data que marca a presença negra no Brasil, a sua participação na formação da sociedade brasileira e a luta contra a herança do sistema escravocrata que perdurou por nós por quase quatro séculos”, ressalta a coordenadora especial de Políticas Públicas para Igualdade Racial da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos do Ceará (SPS), Martír Silva.
O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra foi instituído no Brasil, oficialmente, pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. Em 2021, 50 anos após o movimento dos jovens gaúchos, o Senado aprovou o projeto 482/2017, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que torna o 20 de novembro feriado. É necessária ainda a aprovação da matéria pela Câmara dos Deputados para a data se tornar feriado em todo o Brasil.
CONQUISTAS
Apesar da Abolição da Escravatura, com a Lei Áurea, ter acontecido em 1988, o País levou mais de 100 anos para criminalizar o racismo. É por meio da Lei nº 7.716 de 1989, conhecida também como Lei Caó, que deve ser punido todo tipo de discriminação ou preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor, idade. Em seu artigo 3º, a lei prevê como conduta ilícita o ato de impedir ou dificultar que alguém tenha acesso a cargo público ou seja promovido tendo como motivação o preconceito ou discriminação.
Nas últimas duas décadas, a luta por igualdade racial obteve importantes vitórias. Em 2003, resultado das lutas dos movimentos sociais, movimentos negros e antirracistas, o Estado Brasileiro acabou por absorver demandas desses movimentos e criou a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que, na época, tinha status institucional de ministério.
Outra conquista foi a instituição da Lei nº 10.639/2003, que versa sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nos programas pedagógicos das escolas públicas de ensino básico no Brasil. Já em 2010, foi instituído o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR) através da regulamentação do Estatuto da Igualdade Racial pelo Congresso Nacional.
Um grande marco para a população negra se veio com maior participação nas universidades. Em 2012, foi aprovada a chamada Lei de Cotas (Lei 12.711), que propõe que metade das vagas para cotistas seja reservada para estudantes de escolas públicas com renda familiar mensal de até 1,5 salário mínimo por pessoa, dividindo os cotistas em dois grupos de renda.
Em cada grupo de renda são reservadas vagas para negros, pardos e indígenas em quantidade correspondente à porcentagem que esses grupos representam no estado, conforme o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Além de políticas nacionais, estados e municípios também evoluíram no enfrentamento ao racismo. No Ceará, Martír Silva destaca a criação do Selo Município sem Racismo como importante instrumento de fortalecimento da igualdade. “Essa é uma estratégia de diálogo e estímulo aos gestores municipais para a criação de medidas voltadas para a igualdade racial, como a institucionalização de um ambiente administrativo que haja um órgão para tratar da igualdade racial, a formação continuada de gestores e servidores sobre as relações étnico-raciais e a identificação de processos que possam dar a relevância da população negra e seu acesso às políticas públicas”, pontua.
A coordenadora especial de Políticas Públicas para Igualdade Racial da SPS avalia também que não bastam ações apenas do Estado, mas é preciso que a sociedade civil avance na sua compreensão das questões étnico-raciais. “Não tivemos uma democracia racial, muito pelo contrário. O racismo foi apenas escamoteado, e o que temos é um racismo velado, que fez com que essa questão ficasse silenciada durante muito tempo. As políticas públicas são importantes, mas não são suficientes por si”, observa.
Conforme Martír Silva, as políticas públicas raciais se constituem de três eixos: políticas repressivas, tratando o racismo como crime; a política valorativa, que busca dar a devida importância da presença do negro na sociedade brasileira, a cultura, memória e resgate histórico desse povo, e por fim as políticas afirmativas, que vão trazer cotas, visando à redução de desigualdades e fornecendo educação para essa população.
Dados divulgados em julho último pelo do IBGE apontam para um crescimento, nos últimos dez anos, no número de brasileiros que se declaram pretos ou pardos, tendo aumentado 32% e 11%, respectivamente. Conforme a pesquisa, somos cerca de 212,7 milhões de brasileiros. Desses, 56% se consideram pretos ou pardos. Já o número de pessoas que se declaram brancas caiu para 43%.
Na avaliação do deputado Renato Roseno, os dados podem refletir um maior reconhecimento de identidade racial e de letramento racial importante para a sociedade. “A sociedade brasileira é majoritariamente não branca, majoritariamente negra. Essa compreensão deve, inclusive, estruturar as políticas públicas e as próprias relações sociais”, ressalta.
DESAFIOS
As desigualdades sociais por cor ou raça, no entanto, ainda são evidentes. O estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, divulgado na última sexta-feira (11/11), feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela os desafios que o País precisa superar, sobretudo quando analisados os cenários de mercado de trabalho, emprego e renda, moradia, maior encarceramento da população negra, índices sobre violência e outros setores no País.
Informalidade - A informalidade no mercado de trabalho atinge mais pretos e pardos do que brancos. Em
Rendimentos - O rendimento médio dos ocupados brancos, em 2021, era de R$ 19 por hora, mas para os pretos (R$ 10,90) e pardos (R$ 11,30) esse valor era bem menor. O estudo aponta que os rendimentos são maiores entre aqueles que têm maiores níveis de instrução, mas as diferenças por cor ou raça são presentes nesse cenário. As pessoas brancas com ensino superior completo ou mais ganharam em média 50% a mais do que as pretas e cerca de 40% a mais do que as pardas.
Pobreza - Uma análise das linhas de pobreza propostas pelo Banco Mundial atesta a maior vulnerabilidade das populações preta e parda no Brasil. Em 2021, considerando a linha de U$$5,50 diários (ou R$ 486 mensais per capita), a taxa de pobreza dos brancos era de 18,6%. Já entre pretos o percentual foi de 34,5% e entre os pardos, 38,4%. Na linha da extrema pobreza (US$ 1,90 diários ou R$ 168 mensais per capita), as taxas foram 5,0% para brancos, contra 9,0% dos pretos e 11,4% dos pardos.
Homicídios - Segundo o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, entre 2019 e 2020, o número de homicídios no país cresceu 9,6%. Em 2020, foram 49,9 mil homicídios, ou 23,6 mortes por 100 mil habitantes. Entre as pessoas pardas, a taxa foi de 34,1 mortes por 100 mil habitantes, o triplo da observada entre os brancos (11,5 mil mortes por 100 mil habitantes). Entre as pessoas pretas a taxa foi de 21,9.
Encarceramento - Além disso, pretos e pardos são maioria na população carcerária no Brasil. Segundo dados da edição de 2022 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Brasil tinha, no ano passado, cerca de 820,7 mil pessoas privadas de liberdade.
Desses, a maioria ainda é negra. Atualmente, são 429,2 mil pessoas negras privadas de liberdade, o que representa 67,5% do total. Já a população carcerária branca vem diminuindo. Hoje, são 184,7 mil, o que corresponde a 29% do total. Em 2011, 60,3% da população encarcerada era negra e 36,6% branca, segundo dados do anuário.
Para Martír Silva, o recorte feito pelo IBGE tem uma grande importância para nortear as políticas públicas direcionadas para a população negra, conforme a condição social e econômica em que se encontra. “Os resultados são importantes para termos essa visibilidade, para a sociedade enxergar o problema, e ajudam o poder público a solucioná-lo”, avalia.
Outro desafio é levar de fato todas as políticas afirmativas e fazer esses direitos adquiridos serem cumpridos no País, segundo a vice-presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Ceará (OAB-CE), Tharrara Rodrigues. Para ela, é preciso ampliar o debate e levar a reflexão das problemáticas que atingem principalmente os negros.
“A discriminação, por vezes, é colocada em um debate raso e incompreendido. Colocado como se fosse obra do acaso, sendo que é um mecanismo sistêmico, que visa impedir que essas pessoas acessem esses ambientes e tenham seu direito de existir no Estado Brasileiro Democrático, assim como é preciso um combate efetivo dos crimes de cunho racial”, enfatiza.
LEGISLATIVO
O Dia da Consciência Negra está incluído no Calendário Oficial do Estado do Ceará, a partir da Lei 16.493, de 19 de dezembro de 2017, aprovada pela Assembleia Legislativa por iniciativa da então deputada estadual Rachel Marques e sancionada pelo então governador Camilo Santana.
Além desse projeto, outras matérias voltadas ao combate da discriminação racial no Estado foram aprovadas no Legislativo, a exemplo do projeto 335/21, de iniciativa do deputado Renato Roseno, que originou a Lei estadual 17.688, que institui o Dia da Preta Tia Simoa e da Mulher Negra e a Semana Preta Tia Simoa de Combate à Discriminação Contra as Mulheres Negras no Ceará.
Dois projetos de lei ainda tramitam na Casa: o PL 138/22, do deputado Leonardo Araújo (MDB), que propõe a criação do Sistema de Cota Racial em Instituições Privadas no Estado, e o 30/22, também do deputado Leonardo Araújo e do deputado Bruno Pedrosa (PDT), que proíbe qualquer ato de racismo e LGBTfobia, bem como injúria racial nos estádios de futebol, pistas de atletismo, ginásios poliesportivos, demais equipamentos esportivos do Ceará. Ambas as matérias aguardam apreciação pelas comissões temáticas e posteriormente pelo Plenário da Alece.
Tramita ainda o projeto de indicação 61/22, de iniciativa do deputado Nelinho (MDB), que dispõe sobre a criação da Delegacia Especializada de Combate aos Crimes por Discriminação Racial e Delitos de Intolerância no Ceará, para a repressão de crimes de racismo, xenofobia, LGBTfobia e intolerâncias afins. A matéria encontra-se nas comissões temáticas da Casa.
GS/LF