Você está aqui: Início Últimas Notícias Maior produtor de castanha de caju do País, Ceará enfrenta desafios no setor
Apesar desse cenário, o Ceará segue ainda como maior produtor de caju do País. O crescimento da atividade em países africanos e asiáticos e a falta de assistência técnica, políticas públicas de estímulo, entre outras necessidades, geram preocupação entre produtores. A Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) tem tentado fomentar apoio à atividade por meio de propostas parlamentares.
PRODUÇÃO ESTAGNADA
O Brasil dispõe de pouco mais de 420 mil hectares de cajueiros plantados, dos quais cerca de metade se localizam em território cearense. Conforme o chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical, Gustavo Saavedra, devido à seca recente, à falta de manejo adequado e a uma genética de qualidade, muitas plantas foram perdidas. Só no Ceará essa perda foi de 130 mil hectares.
Ainda em território cearense, segundo dados do IBGE, o cajueiro anão, tecnologia desenvolvida pela Embrapa há 30 anos, responde atualmente por um terço da área plantada, mas metade da produção de castanhas. "Tratam-se de pomares mais novos, mais produtivos, de árvores com genética selecionada, mais resistentes ao estresse hídrico, ou seja, à falta d’água, sendo responsáveis”, explica.
Se, no século XX, as políticas públicas de incentivo ao plantio pelo reflorestamento da caatinga foram um grande motor para o aumento de área plantada, estas não são adequadas para o século XXI. No modelo anterior, a expansão da produção possibilitou o plantio de grandes áreas, com árvores oriundas de sementes, o que levou a rentabilidade baixa, tanto em produção, quanto em renda para o produtor. “O diferencial hoje é ganho de produtividade, e mais uma vez a tecnologia de clonal do cajueiro-anão é o diferencial, pois esta permite níveis maiores de produção e geração de renda por hectare”, informa Saavedra.
Todos esses fatores têm gerado preocupações entre os produtores e toda a cadeia produtiva. O Brasil já despontou como o segundo maior produtor de caju do mundo, chegando à marca de 230 mil toneladas/ano em 2020, produziu algo próximo a 139 mil toneladas. No Ceará, de 2008 a 2020, por exemplo, a área plantada total caiu 30,2%, passando de 386,7 mil hectares para 269,9 mil ha. E a produção total de castanha recuou 29,6%, passando de 121,0 mil toneladas para 85,1 mil, segundo dados do IBGE. Já as exportações caíram pela metade.
Para Gustavo Saavedra, entre os principais motivos para a estagnação da atividade ao longo dos últimos anos está a falta de políticas de incentivo consistentes em nível federal e estadual. Para ele, a cadeia é “desorganizada, não tem pensamento industrial e seus elos não conversam”. “O agronegócio brasileiro, quer pequeno, quer grande, funciona quando atua como uma indústria, com seus elos bem alinhados”, pontua. Com a atual área disponibilizada para produção de caju, o Ceará teria um potencial de produção de 250 mil toneladas de castanhas por ano, se adotasse integralmente e tecnologia clonal da Embrapa, mas só produz algo como 35% desse total.
Ainda de acordo com ele, há um desencontro de interesses, entre os produtores e o setor industrial, e as partes muitas vezes não dialogam bem. “O poder público, nesses casos, poderia atuar como mediador, apresentando, por exemplo, propostas por meio de políticas públicas, mas isso ainda não acontece, e o resultado é que nem temos uma cadeia sem olhar o desenvolvimento produtivo em um contexto de Estado”, apontou.
OUTROS DESAFIOS
A Fazenda Uruanan, localizada nos municípios de Chorozinho, Ocara, Cascavel e Aracoiaba, acolhe mais de 595 famílias vivendo da agricultura familiar. O assentamento tem uma área total de 10.360,1595 hectares e entre as atividades principais está a produção de caju.
Segundo o agricultor e presidente do Fórum Gestor da Fazenda Uruanan, Ivan Vasconcelos, o período de produção do caju é nos meses de outubro, novembro e dezembro. “Os produtores se organizam para viver dessa safra durante o ano todo. Alguns trabalham também podando os cajueiros, plantando milho e feijão para sustento próprio e com outras atividades para ajudar a sobreviver”, explicou.
A maior parte da renda obtida, segundo o agricultor, vem da castanha do caju que é vendida para atravessadores, pessoas que negociam a compra e venda do produto. Empresas, entre elas, a Usibras, também são compradoras dos agricultores da fazenda.
Entre as dificuldades enfrentadas, a falta d’água é a maior. O assentamento dispõe de dois poços cavados pela Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Ceará (Fetraece) e recebe apoio na distribuição de água pelos prefeitos dos municípios. “Recebemos um dessalinizador, através de emenda parlamentar do deputado Acrísio Sena (PT) e estamos com uma avaliação pendente na Companhia de Água e Esgoto do Estado (Cagece) para ser feita a escavação na fazenda e o escoamento de água”, explica.
Segundo Ivan Vasconcelos, as famílias estão ainda à espera de verba do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que vai possibilitar o investimento nas lavouras, compra de equipamentos e aquisição de animais. “Estamos na luta por melhores condições e para que os projetos cheguem para todas as famílias da fazenda”, disse.
Para o agricultor, os projetos e programas direcionados para o fortalecimento da agricultura são de grande importância, já que fortalecem a atividade no Estado e auxiliam os agricultores no sustento e sobrevivência.
FRUTO DO CAJUEIRO
Do cajueiro, aproveita-se praticamente tudo. O principal produto é a amêndoa da castanha-de-caju, localizada no interior da castanha, de onde também é extraída a película que reveste a amêndoa, rica em tanino e utilizada na indústria química de tintas e vernizes. Da casca da castanha, extrai-se o líquido da casca de castanha-de-caju, usado na indústria química e de lubrificantes, curtidores, aditivos, entre outros, sendo o resíduo da casca utilizado como fonte de energia nas indústrias, por meio de sua queima em fornalhas.
Já o pedúnculo do caju (pseudofruto) é processado por indústrias ou minifábricas para a obtenção do suco ou da polpa congelada, a ser utilizada na fabricação de sucos, cajuínas e outras bebidas. O pedúnculo também pode ser aproveitado para a fabricação de diversos produtos (principalmente doces) e na alimentação animal, além de que o caju inteiro também é comercializado in natura em feiras e supermercados.
PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Na Assembleia Legislativa, alguns projetos de parlamentares foram protocolados no sentido de subsidiar a atividade, seja com benefícios fiscais ou com propostas mais efetivas de apoio à cajucultura.
O Dia Estadual do Caju, instituído pela Lei 15.042 de 2011 e celebrado em 12 de novembro, foi deliberado a partir de proposta do deputado Manoel Duca (PDT), um dos maiores defensores da atividade na Casa. De acordo com o parlamentar, a iniciativa visa dar maior visibilidade para a cajucultura, além de atrair recursos para maior produtividade dos pomares, gerando mais emprego e renda no Estado.
O deputado explica que a cajucultura é uma das principais opções para o desenvolvimento econômico e social do meio rural da região Nordeste, uma vez que contempla uma cultura bem adaptada às condições existentes, ocupa mão de obra e gera renda. “A atividade ocupa o segundo lugar na pauta de exportação do nosso Estado. São mais ou menos 150 mil postos de trabalho no campo no período da entressafra de outras culturas, sendo assim, responsável pela manutenção de 200 mil famílias no interior do Ceará, minimizando o grande problema do êxodo rural”, assinala.
Buscar ações concretas para fortalecer a atividade no Estado deve ser uma das metas do poder público para o setor, conforme o parlamentar. Ele considera que a falta de políticas de incentivo é responsável pelo “grande retrocesso que a atividade vive atualmente”.
“O Ceará está importando castanha e suco da África, isso é uma vergonha para o Brasil. Precisamos que recursos cheguem ao produtor e, principalmente, na raiz do cajueiro, para reverter essa calamitosa situação”, defende.
Para o parlamentar, a cajucultura “se transformou em uma atividade extrativista, e deveria ser tratada como uma fruticultura comercial, com todos os tratos culturais”.
“Políticas públicas voltadas ao caju são de suma importância para voltarmos a ser os maiores produtores do Brasil, gerando mais empregos e renda ao nosso homem do campo. A viabilização da atividade passa também pela eliminação do desperdício do pedúnculo do caju, que representa 90% do fruto. Esse aproveitamento deve gerar uma nova fonte de renda ao produtor, possibilitando a aquisição de insumos e aumentando sua produtividade. É preciso ainda incentivar a população a consumir tanto a castanha como o caju e seus produtos derivados”, diz.
O parlamentar é autor ainda de dois outros projetos de indicação voltados para a cajucultura, já aprovados em plenário: o de n° 268/19, que isenta empresas beneficiadoras do pedúnculo do caju da cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o de n° 348/19, que institui a Política Estadual de Incentivo à Cajucultura. Segundo ele, o objetivo dos projetos é “alavancar a produção do caju e melhorar o preço para o produtor rural''. “Ainda há muito a fazer para colocar o caju no patamar que ele já esteve e merece”, afirma.
A criação de uma Frente Parlamentar em Defesa da Cajucultura também já foi proposta no Legislativo cearense, a partir de iniciativa do deputado Romeu Aldigueri (PDT). Ele lembra que o caju gera milhares de empregos no interior do Estado e considerou que a queda da produtividade, dessa forma, também implica na queda das oportunidades de trabalho. “Somos a favor da criação de uma frente ampla em defesa da cajucultura, que é uma das atividades mais importantes na geração de empregos no campo e combate à evasão”, assinala.
Para o parlamentar, existe um grande desperdício da fruta e dos subprodutos do caju. “A diversidade de produtos que vêm do caju e que podem e devem ser aproveitados, inclusive na merenda escolar, são enormes. O caju é uma fruta de alcance e que é desperdiçada. É preciso pensar novos cultivos e retomar as plantações de caju que agregam valor, empregos e renda”, disse.
O Estado chegou a ter 10 indústrias de beneficiamento de castanha de caju, e hoje esse número é muito menor. Segundo Romeu Aldigueri, é fundamental a mobilização da sociedade para apoiar a retomada desse segmento da economia.
O deputado Acrísio Sena (PT), um dos defensores do fortalecimento da agricultura familiar na Casa, também ressalta a importância de buscar alavancar a agricultura no Estado, para que esta possa investir na produção caju. “Investir no Fundo Estadual de Desenvolvimento da Agricultura Familiar (Fedaf) é alavancar a cajucultura no Estado”, defende.
Grande parte da produção do caju é responsabilidade dos agricultores e de grupos individuais. Segundo o parlamentar, é preciso turbinar o fundo estadual, que vai servir não apenas para o caju, mas também para outras tecnologias.
Acrísio Sena explicou também que o Ceará é um dos poucos estados do Brasil que têm a possibilidade de trabalhar a frente de produção do caju por conta da facilidade da adaptação do fruto ao clima semiárido. “Além do nosso Estado dominar a tecnologia do caju, como o cajueiro anão, temos pluralidade de clima”, disse.
Outro ponto reiterado pelo deputado é o aproveitamento do caju como um todo. “A castanha é a principal parte do caju, mas a polpa também é muito rica. Focar no aproveitamento do fruto inteiro servindo de aporte para a merenda escolar, por exemplo, é interessante, já que o caju é fruto rico em vitaminas e completo, dando espaço para fazer carne, doces e demais produtos”, afirma.
PE/GM/LF/CG