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Efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente e dos demais meios de proteção integral da infância e adolescente nos próximos 10 anos - QR Code Friendly
Quarta, 06 Julho 2011 00:00

Efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente e dos demais meios de proteção integral da infância e adolescente nos próximos 10 anos

  ATA DA COMISSÃO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA PARA DISCUTIR OS AVANÇOS E DESAFIOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, POR OCASIÃO DE SEUS 21 ANOS DE IMPLEMENTAÇÃO, REALIZADA NOS AUDITÓRIOS DO COMPLEXO DAS COMISSÕES TÉCNICAS DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ: DEPUTADO MANOEL DE CASTRO E DEPUTADO CASTELO DE CASTRO, EM 6 DE JULHO DE 2011. SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS PAULO FERREIRA: Boa tarde, senhoras e senhores presentes aos Auditórios Manoel de Castro e Castelo de Castro.Boa tarde, telespectadores da TV Assembleia e ouvintes da Rádio FM Assembleia.A Comissão da Infância e Adolescência tem o prazer de recebê-los para participarem do seminário pela efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA; e das demais normas de proteção integral a criança e o adolescente para os próximos dez anos no Ceará.Vamos fazer a composição da Mesa desse seminário de 21 anos do ECA:-Excelentíssima Senhora Deputada Bethrose, Presidente da Comissão da Infância e Adolescência da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (aplausos);-Deputada Fernanda Pessoa, Vice-Presidente da Comissão da Infância e Adolescência da Assembleia Legislativa (aplausos);-Dr. Wanderlino Nogueira Neto, Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público da Bahia, e da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e dos Adolescentes – Anced (aplausos);-Dr. Sebastião Araújo, representante da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (aplausos);-Senhora Mônica Silan, Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente no Ceará – CEDCA (aplausos);-Senhor Rui Aguiar, representante do Unicef (aplausos);-Senhora Promotora Antônia Lima Sousa, Coordenadora das Promotorias da Infância e Juventude (aplausos);-Senhor Maxwell Castro Maciel, adolescente do Centro de Ação Jovem do Eusébio – Cajer (aplausos);O Estatuto da Criança e Adolescente regulamentou o art. 227 da Constituição Federal que atribui a criança e ao adolescente prioridade absoluta no atendimento aos seus direitos como cidadãos brasileiros, o que representa um esforço coletivo dos diversos setores da sociedade.Mais do que uma lei, o Estatuto pode ser considerado um impacto nacional em defesa dos direitos da infância e adolescência em nosso país.Ao evocar a responsabilidade das famílias, sociedade e do Estado, a nova legislação deveria ser conhecida por todos e sua leitura obrigatória nos lares, escolas, empresas, instituições e órgãos públicos de modo geral.Entretanto, esse marco legal que está completando vinte e um anos no próximo dia 13, precisa chegar a muitos lugares e pessoas.Infelizmente, seu reconhecimento tem influenciado para a circulação de ideias destorcidas e preconceituosas sobre seus princípios e regras. Por isso, favorece a sua circulação de uma estratégia fundamental para suscitar seu permanente debate.Anunciamos a presença do grupo de violino, do Centro Cultural de Prejubaca, São Gonçalo do Amarante, sob a regência do maestro Marcelo Bugi.(Apresentação do grupo – aplausos)Anunciamos a palavra da Excelentíssima Senhora Deputada Bethrose, Presidente da Comissão da Infância e Adolescência.SRA. PRESIDENTE DEPUTADA BETHROSE (PRB): Boa tarde a todas e a todos.Eu gostaria de mudar um pouquinho o protocolo, convidando o Maxwell para sentar no meu lugar como prioridade; e eu irei para o seu lugar. (Aplausos).Gostaria de registrar as presenças: Dra. Juliana Nogueira, Defensora Pública; Dra. Luzia Laffitte, do IFAN e da Rede da Primeira Infância e dos Adolescentes; Conselheiros Tutelares de Direito; representantes dos municípios de Guaiúba, Caucaia, Baturité, Fortaleza, Pacajus, Pacatuba, Cascavel, São Gonçalo do Amarante, Eusébio, Sobral, Horizonte, Maracanaú, Banabuiú, Itapipoca, Itaitinga e Uruoca.Muito obrigado, de coração, pela presença de cada um de vocês.Saudar a Presidente do Conselho, a Mônica Silan; parabenizá-la pelo encontro estadual de mobilização, articulação, sensibilização e nivelamento dos Conselheiros Tutelares e Conselheiros de Direito, foi excelente. Eu tive a honra de estar presente não como deputada, mas como Conselheira do Conselho Estadual do Direito da Criança e do Adolescente.Cumprimentar o Dr. Sebastião Araújo, também esteve presente no Encontro Estadual do CEDCA; o Rui Aguiar, representante o Unicef; a Vice-Presidente, nossa grande parceira na Comissão da Infância, a deputada Fernanda Pessoa; a Promotora Antônia, parceira grande no nosso trabalho da Comissão; e o adolescente Maxwell, do município do Eusébio.Muito obrigado pela presença de vocês.Saudar a todos os presentes na pessoa do Professor Wanderlino Nogueira Neto, este brilhante Procurador, por seu valioso trabalho ao longo dos anos, e se tornou uma referência nacional e internacional na luta pela garantia dos direitos de nossas crianças e adolescentes.Nós da Comissão de Infância e Adolescência da Assembleia Legislativa nos sentimos muito honrados de ter a todos vocês aqui hoje para discutir e propor os caminhos a serem seguidos nos próximos dez anos, para a efetivação da legislação e da rede de proteção a criança e adolescentes no Ceará, em especial ao ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente que fará vinte e um anos no próximo dia 13 de julho.É importante destacar que depois da implementação da Constituição de 1988, a proteção à infância e juventude já propagada mundo afora, naquela época, passou a ser levada mais a sério aqui no Brasil. Várias ferramentas legais e resoluções internacionais que tratavam de dar um novo olhar à infância, foram incluídas na nossa carta magna principalmente o que se refere aos direitos fundamentais.E isso foi um passo importante para o país iniciar uma trajetória de reposição de perdas.Nós consideramos que ali começou uma corrida para recuperar o tempo perdido. Antes, quantas de nossas crianças não foram abusadas, violentadas e tiveram suas infâncias roubadas sem que houvesse uma norma sequer que defendesse e amparasse nossos meninos e meninas.E posteriormente, em 1990, a proteção à infância e adolescência ganhou um aliado que hoje pode ser considerado o número um, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente - o ECA. Desde a sua promulgação como lei, em 1990, o ECA já deu forma a outras normas no ordenamento jurídico brasileiro, mas continua sendo a referência de todos nós na luta pela garantia dos direitos infanto-juvenis.Os avanços foram grandes. Porém, nós não estaríamos aqui hoje realizando este seminário em comemoração aos vinte e um anos do ECA, de olho no futuro, se maiores avanços não fossem necessários.Os desafios que temos para garantir os direitos da criança e do adolescente com oferta de educação de qualidade - é o que nós mais precisamos - só em pensar que nossas crianças do Ensino Fundamental hoje, estudando em escolas públicas totalmente em nível de desigualdade para quem estuda no Ari de Sá; e a gente pensar que essas nossas crianças estuda o tempo todo em escola pública e quando chega para cursar o curso superior vai para particular porque não teve oportunidade, e quem estudou em particular vai para a universidade federal.É uma desigualdade de uma criança que participa do ENEM, estuda numa escola pública para quem estuda numa escola particular.É preciso melhorar a nossa qualidade no nosso tratamento de saúde adequado; condições humanas de moradia. Hoje, de acordo com o IBGE, o saneamento e o esgotamento os mais prejudicados são exatamente nossas crianças.A proteção contra o trabalho infantil e os maus-tratos é enorme.Repito: o que fizemos e o que avançamos até agora não é pouco, mas os desafios são bem maiores do que nós podemos imaginar.Pelo que temos sentido no dia a dia, nós precisamos atuar em várias Frentes para conseguir superar as adversidades e promover a real melhoria na qualidade de vida de crianças e adolescentes.Eu não poderia deixar de citar aqui, em forma de reconhecimento, pelo trabalho incansável ao longo dos anos, os Conselhos Tutelares e os Conselhos dos Direitos. Essas instituições têm um papel decisivo, embora não reconhecido nessa batalha cotidiana.E é pegando o exemplo dos Conselhos que inicio falando dos desafios que temos pela frente. Na maioria das cidades a realidade é sempre a mesma: o Conselho Tutelar é relegado ao terceiro plano, ambientes insalubres, frota de carros sucateada e ausência de recursos e de pessoal; porém, o mais importante e que nós devemos reconhecer é que os Conselheiros precisam entender melhor o seu verdadeiro papel: o de garantir os direitos das crianças e a atuação no controle de políticas públicas.Infelizmente, a carência dos Conselhos Tutelares ainda é muito grande, e nós temos de lutar para fortalecê-los em todos os sentidos.Não temos de aceitar que os órgãos responsáveis pela fiscalização e cumprimento das determinações do ECA estejam completamente sucateados.Como identificar os abusos ou mesmo as atitudes que violam os direitos das crianças e adolescentes se não por meio dos Conselhos?A primeira mobilização é no sentido do fortalecimento dos Conselhos por meio de políticas públicas eficazes, contundentes e, principalmente, no incremento gradual nos orçamentos dessas entidades para que elas, independentes, sejam ainda mais fortes.Por outro lado ainda há um problema: a falta de conhecimento da população a respeito do papel do Conselho Tutelar.Nos municípios maiores ainda há certa consciência a respeito do papel do Conselho, mas na maioria das cidades, principalmente nas do interior do Estado, nem a própria sociedade reconhece ou mesmo conhece o trabalho do Conselho Tutelar que está constituído e tem seus membros indicados pelas comunidades.Por isso é que cada dia mais temos de atuar junto à sociedade também para reforçar a presença e a importância dos Conselheiros Tutelares a quem, nesta saudação, eu faço questão de abraçar e enaltecer pelo trabalho valoroso para a sociedade.Com relação ao próprio Estatuto, este ainda precisa também ser mais divulgado e melhor compreendido. A sociedade precisa conhecer e entender e usar o ECA como uma arma em defesa própria. O Estatuto é um instrumento de garantia dos direitos de proteção das crianças e adolescentes.A visão de que o ECA é um mero instrumento para proteger adolescentes em conflito com a lei, e todos nós aqui sabemos que ainda existe, é utilizada por desconhecimento ou por maledicência. Não podemos reduzir a esta discussão medíocre à garantia dos direitos de todas as crianças, de todas as classes sociais, etnias e raças.No momento em que o ECA faz a proteção desses infratores, o faz para diferenciá-los dos adultos, pois os adolescentes ainda estão com uma personalidade em construção. E com tanta gente que tem por aí e luta pela redução da maioridade penal, um erro grave na nossa avaliação. Ai de nós se não fosse o estatuto. Quem comete um crime deve ser punido, mas a punição tem que ser adequada para cada fase da vida. Nós aceitamos a discussão a respeito do tipo de punição e do que nunca vamos fazer para recuperar esses adolescentes, mas não jogá-los em uma cela de presídio, de onde certamente sairão piores.É fato também que, infelizmente, hoje ainda carecemos de dados estatísticos que nos dêem um diagnóstico preciso a respeito do cumprimento do Estatuto e dos crimes praticados contra crianças e adolescentes. Este, na nossa avaliação, é um dos pontos centrais da discussão. E a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, pensando nisso, já está trabalhando em parceria com a Secretaria de Assuntos Estratégicos ligada à Presidência da República, a fim de criar indicadores que mostrem de forma clara às nossas autoridades o real cumprimento do ECA.Esperamos que essa fórmula saia o quanto antes, pois precisamos resolver esse problema com urgência.Espero que hoje reunidos possamos aprofundar ainda mais este debate. Muito obrigado! (Aplausos).Passo a palavra para a Vice-Presidente da Comissão, a deputada Fernanda Pessoa.SRA. DEPUTADA FERNANDA PESSOA(PR): Boa tarde a todos.Cumprimentar a Mesa em nome da deputada Bethrose, Presidente da Comissão da Infância e da Adolescência que tem feito um grande trabalho nesta Casa. Hoje nós estamos com a campanha: Quem Cala, Consente.Nós temos que fazer visitas ao interior. Até o final do ano serão treze, e o restante no próximo ano.A campanha é muito bonita e precisa da ajuda de todos vocês. Denunciem. Disque 100.Aproveitar a oportunidade e parabenizar a Senhora Mônica Silan, por ter participado, pela manhã, do Encontro do Conselho Estadual, foi muito bom, e foi tirado muito proveito.Cumprimentar também o Dr. Wanderlino Nogueira, Procurador de Justiça; o Dr. Sebastião Araújo, representando a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social; senhor Rui Aguiar, representante do Unicef, sempre está na Assembleia Legislativa; Senhora Promotora Antônia Lima Sousa, também Coordenadora das Promotorias da Infância e da Juventude, e sempre também está com a gente nas causas das nossas crianças e adolescentes.Hoje nós temos uma visita especial, é do estudante Maciel Castro, do Município do Eusébio.Quero parabenizar com todos vocês a maioridade do ECA. Reconhecer as crianças e os adolescentes, seres com direito à cidadania na nossa Constituição, quando ainda engatinhamos na democracia. Essa é a nossa primeira conquista a ser destacada. A ampla divulgação, o fortalecimento dos Conselhos e a implementação de diversas políticas públicas no Executivo. São grandes conquistas que temos hoje para celebrar.O ECA nasceu do tão mencionado art. 227, da Constituição Federal. Ele estabelece ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança e o adolescente com absoluta prioridade: o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, que ainda falta em muitos lares.Além de colocarmos à saúde e toda forma de negligência, descriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Esta é a mãe de tudo.O que defendemos hoje com o Estatuto é que é, sem dúvida, referência e legislação para todo mundo. Mesmo com a discussão em torno da redução ou não da maioridade penal, das medidas de reinclusão, eu quero destacar que passam os vinte e um anos e as prioridades permanecem na lista dos desafios.Ontem, por exemplo, a ONU divulgou que mais de 67 milhões de crianças, no mundo, não têm acesso à educação. Já pensou? No século XXI!Dois mil setecentos e noventa e oito municípios do nosso Brasil têm casos registrados de exploração sexual.No Ceará existem 23 mil crianças que sofrem com a exploração do trabalho. E é porque já foi feito muita coisa, mas temos muito a avançar.Temos uma legislação eficaz, precisamos aprimorá-la rumo à eficiência. O que digo com isso é que uma vez reconhecido pela Constituição em seus 267 artigos, o Estatuto seja mais do que a projeção para o bem-estar dos nossos jovens cidadãos. Eles devem está presentes no cotidiano.O que fazemos aqui hoje na Assembleia, na responsabilidade de cada um de nós é darmos mais um passo para diminuir nossos tristes índices da realidade e aumentar os mais felizes no futuro das nossas crianças.Muito obrigado. Vamos contribuir com o debate sempre lutando para levar nos papéis a realidade das nossas crianças e adolescentes. (Aplausos).SRA. PRESIDENTE DEPUTADA BETHROSE (PRB): Vamos compor a Mesa para o debate:-Dr. Wanderlino Nogueira Neto, nosso palestrante (aplausos);-Senhor Rui Aguiar, do Unicef (aplausos);-Maxwell Castro (aplausos);-Senhor Armando Luís Bandeira, representando ONGs do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (aplausos);-Senhora Rita de Cássia Sidney, representando as Organizações Governamentais do CEDCA (aplausos).Passo a palavra para o Dr. Wanderlino Nogueira Neto, disporá de 30 minutos.SR. WANDERLINO NOGUEIRA NETO (ANCED): É um desafio. O Armando, no evento, pela manhã, dizia que 30 minutos para ele não é nada, para mim muito menos. Mas se você não disser em 30 minutos o mais importante, você vai sobrar, vai ficar repetindo coisas. Eu já notei isso.Vou fazer um esforço de em 30 minutos tentar provar aos companheiros e companheiras aqui presentes uma tese determinada.Eu quero agradecer em especial a Assembleia Legislativa, as deputadas Bethrose e Fernanda.Eu quero agradecer a oportunidade de voltar ao Ceará, de voltar a esta Casa. Eu fiz Assessoria Parlamentar nesta Casa na época da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Exploração Sexual. Então, é um prazer renovado falar, como diz o cearense: Pra meu povo.Pense numa coisa boa é voltar ao Ceará!O que eu quero provar com essa chamada duas teses, primeiro que o Estatuto da Criança e do Adolescente produziu melhores resultados do que nós temos o costume de anunciar.Eu acho que por sermos um povo colonizado, nós gostamos muito de nos queixarmos, de bater o chicote nas costas e se lamentar, principalmente nós da área da infância somos sempre insatisfeitos, achando que caminhamos pouco.Eu queria mostrar aos companheiros e companheiras que andamos bem mais do que se imagina; que a nossa expectativa foi superada e não frustrada.Mas por que nasce esse sentimento de frustração? É porque nós temos um mau costume de imaginar que as leis - eu vou dizer isso na casa das leis - têm o poder de transformar a realidade, de mudar o mundo. Não é a lei que muda a realidade. Não era o Estatuto que deveria mudar a realidade. O Estatuto facilitaria a mobilização social. É o povo quando se organiza, grita, vai para o controle, exige, cobra é que transforma a realidade. Mas ele precisa de um aliado, ou seja, de uma lei que lhe dê respaldo.E o que é mais? A ação política. Então é a política que transforma a realidade. É a gestão pública que transforma a realidade. Vai depender de boas leis? Vai. Mas nunca se deve esperar que as leis sejam perfeitas. Não é por isso que as leis sempre são alteradas.O Estatuto da Criança e do Adolescente já passou por várias reformas. Eu ia dizer ‘sofreu’ por várias reformas. Mas ele não sofreu. Ele passou por várias reformar que o aperfeiçoou.Mudar o Estatuto é forma de aperfeiçoamento? Claro. Aqui eu estou na Casa do Povo, na Casa da elaboração das leis.E o que é que os deputados procuram? Responder com leis, com normas os anseios da população. Responder determinada conjuntura. Então as leis são datadas. Nós precisamos entender que não existe lei imexível, lei eterna. De maneira nenhuma. As leis dependem de um diagnóstico de realidade, de uma pressão da sociedade, de uma demanda. Em função disso e tentando construir cenários mais favoráveis, a partir dessa conjuntura ruim os legisladores constroem as normas jurídicas, constroem as leis.Então o Estatuto nasceu de um berço extraordinário que poucas leis no Brasil tiveram esse privilégio. Nasceu a partir de uma mobilização social das entidades ligadas à luta pelos direitos da criança.Vem de onde? De um artigo da Constituição que, por sua vez, nasceu de uma emenda popular com mais de um milhão de assinaturas.Existe berço melhor? Que eu não desejaria nascer dessa maneira, ou seja, fruto de uma grande mobilização pelo Brasil inteiro. Não houve Estado no Brasil que não tivesse contribuído de alguma forma.Eu estava na Bahia e participei dessa elaboração. Não que eu fosse especial. Mas porque havia uma conclamação para todos. Eu era de ONG e também do Estado. Por isso estou até hoje sendo apresentado dessa dupla forma e, às vezes, estranha, porque um Procurador de Justiça aposentado. Sim, fui Promotor e Procurador de Justiça, e fui o Procurador-Geral do meu Estado; e tinha engajamento e lutava.Na Bahia se criou a primeira Coordenadoria da Infância e da Juventude, e não chamávamos como hoje, de Coordenadoria, eu é que estou fazendo adaptação. Nós chamávamos de Cedeca e depois se tornou ONGs. Era um Centro de Defesa.Quando Procurador-Geral, eu criei um Centro de Defesa, Promotores engajados nessa luta. E outros colegas da Bahia participavam; de Pernambuco, dos que eu tinha mais ligação é que eu estou citando. O Ceará também participava desse processo.Houve então mobilização social.Segundo. Esse Estatuto promoveu uma grande alteração no ordenamento institucional no Brasil.Antônio Carlos Gomes da Costa dizia que o primeiro passo era o reordenamento normativo, e isso nós tivemos. A Constituição Federal com o art. 227, que é mãe calorosa e origem de tudo; depois a ratificação da Convenção sobre os direitos da criança. O Estatuto é uma adequação da lei brasileira à Convenção; lá estão os grandes princípios.O Estatuto traz então, depois dos princípios gerais da Constituição e da Convenção, as normas regras, as normas operacionais.Então é uma coisa bem ajeitada e permitiu esse reordenamento normativo que o nosso Antônio, de saudosa memória, falava. Ele dizia: Mas o reordenamento normativo que não produz reordenamento institucional ele falhou.E o que é reordenar institucionalmente?Criar um novo ou reformar o velho transformando em velho-novo; botox no Estado. E foi o que nós fizemos. Onde se podia nós fizemos uma plástica completa, criamos coisas novas, e em outros lugares foi só um botoxinho que se colocou, mas era o suficiente.O que é esse reordenamento institucional?Vocês vão me dar razão quando sou otimista.O Estatuto previa políticas públicas para garantir direitos, ou como o Estatuto falava “atender direitos” e o acesso ao sistema de justiça para garantir esses direitos quando violados, principalmente.Era isso, em resumo, o que o Estatuto pretendia.Para garantir políticas públicas nós tínhamos de alterar toda a política. Não era a política para a infância. O Estatuto pretendia uma política de atendimento de direitos (art. 86), e se operacionalizava através das políticas sociais básicas. Na época, a política de assistência não era uma política social básica, se dizia das políticas compensatórias e de vários serviços de proteção especial.O Estatuto sempre imaginou uma ‘políticas’ (no plural) para a infância e que fosse marcado pelo tom da multidisciplinaridade, multissetorialidade ou intersetorialidade, multiculturalismo.O Estatuto é firmado sobre essas ideias.E o que era que se pensava?Que existiria uma política de direitos que influenciaria todas as demais políticas. Mas essas outras políticas é que seriam responsáveis por si mesmas. Eram a política de assistência, de educação, de saúde, de turismo, todas as demais políticas. Seriam, vamos dizer assim, inoculadas pelo saudável veneno do Estatuto que levaria essa ideia de criança e adolescente sujeito de direitos e prioridade absoluta.Essa era a grande pretensão. O que o Estatuto queria, conseguiu. Então vamos parar de chorar.O Estatuto em primeiro lugar queria ser uma força mobilizadora que levasse a todas as políticas públicas essa ideia de que criança é sujeito de direitos e é prioridade absoluta.Na política de orçamento também. Eu falei em tantas políticas e esqueci-me da política de planejamento e orçamentação. Mas ela está lá precisando na política de segurança pública.O importante era levar essas ideias de prioridade absoluta e de criança não mais objeto de tutela. É isso que nós afastávamos.Eu estava de manhã lembrando os meus velhos tempos de Curador de Menores. Acreditem-me: eu trabalhei na vigência do Código de Menores, trabalhei no Juizado de Menores; fui Curador de Menores e sei bem o que foi aquilo.O nós queríamos alterar ali?Era a ideia de que a criança era um objeto, era uma coisa.A cultura brasileira, mesmo na maior parte dos países colonizados, uma marca muito forte é a de desprestígio, de perseguição, de exploração, de violências contra segmentos mais fracos; segmentos vulnerabilizados.A nossa sociedade é machista patriarcal. Não tenha dúvida. A mulher era considerada o objeto, ou ainda é, não é como no passado porque as mulheres tomaram as rédeas e estão na luta pela suas independências, suas autonomias.Não é à toa que na década de 60 que se edito no Brasil uma lei chamada Estatuto da Mulher Casada. As pessoas falam: Estatuto da Criança; mas a primeira que teve Estatuto foi a mulher casada.Sabe o que era, em resumo, o Estatuto da Mulher Casada?A mulher é gente. Em resumo era para dizer isso. A mulher é uma pessoa humana. E aí veio a primeira conversa de sujeito de direito foi dito de relação à mulher casada.A legislação brasileira dizia que quando a mulher se casa passa a ser objeto de tutela do seu marido; e ela tinha limitações para comerciar, para morar, para viajar.Vocês são muito jovens para poder se lembrar dessa década. Foram as mães, avós, das senhoras e senhoritas aqui presentes que passaram por isso.Houve uma rebelião no mundo para que as mulheres lutassem pela sua dignidade, liberdade e autonomia.Eu estou comparando com o movimento de mulheres para ver que essa questão de emancipação, de autonomia, de busca da liberdade, da dignidade vem de outros tempos, e começou com o movimento de mulheres, o movimento feminista foi quem abriu o caminho para os demais movimentos de liberação contra a exploração, a violência, a descriminação.Os afro-descendentes. Este é um país racista; safadamente racista. Por que eu disse safadamente? Porque ele finge que não é. (Aplausos). Faz um discurso que somos uma democracia racial, mas na verdade este é um país absolutamente racista e finge que não é; que é democracia racial.Este é um país que todos os segmentos que são minorias e não têm poder são descriminados.Nós precisamos de leis e de programas de políticas especiais. Por quê? Porque em especial esses segmentos são vulnerabilizados, são perseguidos, explorados, dominados, subalternizados.Não é à toa que em 2004 o Brasil foi pela primeira vez ao Comitê dos Direitos da Criança da ONU, fica em Genebra. Eu integrei o grupo porque sou da ANCED, órgão de monitoramento internacional aqui no Brasil, e prepara o relatório alternativo, como se chama, ao relatório principal, que é o relatório do país.O país apresentou, em 2003, pela primeira vez o relatório do país e a sociedade civil apresentou o seu relatório alternativo.Em 2004 saíram às conclusões. Tivemos as audiências; a discussão sobre os relatórios.Vocês sabem qual é o primeiro item das recomendações e orientações do Comitê ao Brasil? O Comitê vê com preocupação a dramática situação (a frase é tão forte que eu acabei decorando) de desrespeito e de desigualdades de raça, gênero, etnia, o problema das populações indígenas, e de localização geográfica.Eles constataram que o problema mais grave no Brasil são as desigualdades. Desigualdades regionais, como nós chamamos; semiárido; população ribeirinha do Amazonas; tríplice fronteira; favelas.Nascer e morar num determinado lugar do Brasil significa que você pode estar numa situação maior ou menor de vulnerabilidade. Então a localização geográfica é motivo de desigualdade; é motivo de exploração, de dominação, de violências.Então, etnia, gênero também se aponta; a diferença de salários entre as mulheres; as perseguições, a violência sexual, e exigiu do Brasil editar uma lei especial de proteção que tem o nome de uma cearense: a Lei Maria da Penha!Eu queria dar destaque à Maria da Penha? De maneira nenhuma! É uma resposta legislativa ao grave problema da violência específica contra a mulher.Que problema é esse?É a mulher ser violentada, ser explorada, dominada, espoliada pelo simples fato de ser mulher.Criança e adolescente chegaram tardiamente. Por quê? Porque a tradição nossa aqui no Brasil é de considerar a criança e o adolescente como propriedade da sociedade, propriedade do Estado e da família. Criança é coisa.Quem quiser avançar no estudo dos ditados populares faz uma festa: É de pequeno que se torce o pepino.Uma professora de um Estado do Nordeste me disse: Ah! Em minha sala a criança não dá um pio. Quem pia é gente? Não. Quem pia é bicho.Então essa coisificação da criança é uma marca da nossa colonização. Isso vem do nosso passado. O nosso passado é marcado por nossa cultura que eu chamo de adultocêntrica: o centro é o mundo adulto. A criança e o adolescente é um apêndice; é uma massa de modelar na mão do Estado, da família e da sociedade. Por isso que tivemos uma resistência maior e demoramos mais.O Estatuto do Índio é primeiro; o Estatuto da Mulher Casada veio primeiro; a Lei contra a desigualdade social Afonso Arino veio primeiro. Tardiamente chegou a nós o Estatuto da Criança e do Adolescente, porque tinha de vencer uma resistência maior.Por que eu me orgulho e tenho alegria mesmo em dizer que temos motivos de comemorar no dia 13 de julho ou 12 de outubro. No início a gente festejava 12 de outubro, quando a Lei entrou em vigor. Essa lei é tão importante que tem dois aniversários, a gente escolhe. Vamos festejar 13 de julho, quando a lei foi promulgada, mas só entrou em vigor em 12 de outubro; festejemos, pois, em 12 de outubro, também.O Estatuto chega e traz níveis de implementação bem maiores do que nós estamos mergulhados.Eu acho que nós porque labutamos muito na área, nós enfiamos a cabeça debaixo do sovaco, desculpem-me, mas é, e daí não vê o que acontece. Mas quem tem um afastamento maior pergunta, muitas vezes: Como vocês conseguiram isso?Conselhos de Direitos implementados em quase todos os municípios.Eu morava no Ceará quando alcançou a universalidade, lembra Mércia, 100% Hidrolândia. Quando Hidrolândia caiu, era a Bastilha para nós. O último Conselho a ser instalado, nossa, foi um alegria; essa mulher aqui só faltou chorar, aliás, chorou porque nós conseguimos algo que só Santa Catarina, na época, o único Estado do Brasil tinha alcançado a universalização dos Conselhos.Você sabe que sulista como é metido nesse ponto, é o Sul maravilha. Então foi Santa Catarina, foi o Rio Grande do Sul, e aí vem o Cearazim véi e consegue a universalização.Isso hoje não é mais motivo de ninguém se admirar. O meu Estado da Bahia tem quatrocentos e tantos municípios e já conseguiu a universalização, aí que é barra. Minas Gerais está caminhando para isso. O Brasil está caminhando para isso! E por que a gente não bate palma? A gente só sabe enxergar o que não existe!Digamos 183 municípios com Conselhos de Direitos no Ceará, nós tínhamos que ficar triste porque um município não tinha Conselho de Direito? Isso não é coisa paranóica? É. Claro. Pois a mesma coisa está acontecendo. Nós temos de nos orgulhar muito desse crescimento.Conselhos Tutelares são mais difíceis de implementação, e ferem mais interesses de poderosos.Hoje, pela manhã, um companheiro antigo de Conselho Tutelar lembrava que ele há seis anos, lá no Maciço, foi conselheiro, andava de bicicleta, não tinha sede própria, não tinha nada. Conheci Conselheiros Tutelares no Brasil comprando material para trabalhar, sem sede. Hoje isso é exceção! Anunciam-se mais a exceção do que a regra. Perdoem-me, mas a regra não é essa não.É recente uma pesquisa do Conanda a respeito da situação de conselhos e mostram que estão numa situação melhor do que imaginávamos. Apenas os casos negativos aparecem mais. Aí eu volto ao início: somos um povo colonizado. E povo colonizado gosta de dizer: Ah! Lá na metrópole é bem melhor.Quem não já ouviu de motorista, no meio da rua dizer, dizendo assim:- Só no Brasil mesmo tem uma barbeiragem dessas. Eu queria ver se fosse nos Estados Unidos!Vá perguntar se ele já esteve nos Estados Unidos alguma vez na vida! Nunca!Por que se reproduz coisa desse tipo? Existe tráfico mais caótico do que o de Paris, do que o tráfico de Roma, o de Nova Iorque? Não existe.Eu me lembro que tudo para nós de bom de dizer que era importado.O primeiro desodorante que apareceu aqui era importado, americano, e coçava debaixo do braço igual à pimenta, mas todo mundo se orgulhava de ter. Lembro-me que minha irmã fez tudo para ter um desodorante chique daquele. Ela não usava porque coçava muito. Mas era o orgulho de dizer: É importado. Nós temos essa mania.Você vai para o exterior, compra coisa lá fora que o Brasil tem de melhor. Eu passei por essa fora do Brasil. Eu fui comprar talher, porque achei muito bonito. A espanhola que me atendia disse assim: Se o senhor quer bom aço, eu tenho aqui Tramontina, é brasileiro! (Risos).Eu estou aplicando isso a essa nossa mania de achar que as coisas não andam bem com a gente.As nossas exceções devem nos servir na aplicação do Estatuto para nos animar a evitar esse contágio do mal. Mas temos de primeiro reconhecer que o Estatuto cumpriu a sua missão. E qual é essa missão dele? Mobilizar; apontar caminhos; é fazer transformações sociais, transformações políticas.Voltando a Antônio Carlos Gomes da Costa, dizia: Depois do reordenamento normativo vem o reordenamento institucional. Ele revirava os olhos, e dizia: Só depois disso virá a melhoria do atendimento. E com um sorriso ele dizia: Isso é para meus netos.O que nos falta é paciência histórica. Então, nós queremos a melhoria do atendimento no mesmo momento que a lei saiu. É a síndrome da varinha mágica. Cinderela, não é? Aqui não tem ninguém como fada madrinha que bate em uma abóbora e ela se transforma em carruagem.A gente gostaria que a área da Infância e da juventude fosse uma abóbora que se transformasse em carruagem de uma hora para outra. O risco é que quando der meia noite à carruagem volta a ser abóbora.Nós precisamos acentuar determinadas coisas.Eu quero concluir apresentando para os companheiros algo que levantei como novas tendências. Já está se observando que novas tendências estão vindas por aí no processo de reordenamento normativo e no reordenamento institucional visando à melhoria do atendimento.A primeira tendência.Colocar a luta pelos direitos da criança e do adolescente na ótica dos direitos humanos. Essa é uma mudança de ótica mais recente.Nós os mais antigos podemos constatar. Nós não falávamos em direitos humanos da criança e do adolescente. Não era comum essa expressão.Tudo se falava em luta por direitos da criança e do adolescente. Tanto que quase todos nós citamos o sistema de garantia como o sistema de garantia dos direitos da criança, não é? Não é não. O nome verdadeiro não e isso não. Está na Resolução do Conanda: Sistema de Garantia dos Direitos humanos da criança e do adolescente. Aquela foi uma Resolução simbólica, emblemática.Então colocar na ótica dos direitos humanos foi muito importante para nós, principalmente quando os organismos e agências internacionais começaram a nos cobrar esta visão da criança e do adolescente enquanto sujeito histórico e sujeito de direitos, portanto, têm direitos humanos, são pessoas humanas, é óbvio!E o que é se tira como lição?Eu quero apresentar outra tendência, isso é uma opinião pessoal e de outros companheiros meus da minha entidade, da ANCED, que em decorrência de colocarmos na perspectiva de direitos humanos, nós colocamos a falar mais em ações afirmativas de direitos do que de redução da violência.É claro que você não vai de uma hora para outra abandonar os nossos projetos, nossas ações de erradicação do trabalho infantil, de enfrentamento da violência sexual; contra a evasão escolar.Pense bem: se conseguirmos unir o discurso que eu chamo de negativo, é o discurso da erradicação da luta contra as violências, abusos, explorações, e colocasse lado a lado o discurso afirmativo, que é o discurso a favor de.Você tem um discurso contra a evasão escolar. Tem. Vai deixar de lutar contra a evasão escolar? Claro que não, Rui, mas você também vai lutar por uma ação afirmativa. Qual é? O sucesso na escola.A evasão ocorre porque não há o sucesso na escola. A escola é atrativa? Se você não investe no afirmativo: Eu quero uma boa escola! Em função disso, eu tenho condição de lutar contra a evasão escolar.Eu garanto os direitos sexuais da criança e do adolescente, isso é, eu respeito a sua dignidade sexual, a sua liberdade sexual; o que não é consentir liberdade e dignidade sexual.Por que você é a favor dos direitos sexuais e reprodutivos infanto-adolescente, na medida da sua maturidade é que você pode ser contra todas as formas abusivas e exploratórias contra a sexualidade infanto-adolescente.Se você é a favor da convivência familiar e comunitária, se você e a favor de uma boa escola e criar, portanto, esses dois grandes polos como atrativos, o que você vai provocar? A erradicação do trabalho infantil.Lugar da criança é aonde? Na família e na escola e não no trabalho. Mas nós só sabemos dizer “não ao trabalho”. É preciso completar a frase: Não ao trabalho infantil, ao trabalho precoce, ao trabalho explorado. Mas, também, a favor da família, a favor da escola.Em vários outros campos nós temos a tendência de fazer muito discurso negativo quando podíamos estar levantando bandeiras positivas.Outra tendência: Voltar a termos bandeiras.Como é que o Estatuto saiu numa época pior do que a nossa? Porque já existia uma legislação dura, castradora, que era o Código de Menores e a Lei do Bem-Estar do Menor.Por que nós conseguimos isso no passado? Mobilização social. Bandeiras. Nós tínhamos bandeiras que nos levavam para a rua; fazia ouvir a nossa voz. Fazia com que nós dentro do Congresso Nacional impuséssemos uma nova demanda.Eu sinto que nesses vinte anos as bandeiras foram caindo. Mas ao mesmo tempo noto que, de último, novas bandeiras também surgem.Quem diria no passado que nós teríamos na Assembleia Legislativa do Ceará, no Congresso Nacional, nas Câmaras de Vereadores espalhadas pelo Brasil inteiro Comissões e Frentes Parlamentares com esse compromisso!Eu sei a dificuldade que foi para o grupo de conseguir que o projeto chegasse ao Senado e à Câmara, porque Collor vangloriou muito de ter assinado, mas o seu líder Renan Calheiros recusou o projeto. Está na hora de a gente levantar a poeira.Esperava-se que fosse o governo encaminhasse porque seria mais rápido. A gente sabe quando o governo encaminha um projeto. Teve de procurar um senador e um deputado, porque nem se acreditava que a coisa fosse célere, e atacamos nos dois lados, tanto na Câmara dos Deputados como do Senado.Faltava-nos o quê? Faltavam essas Comissões, Frentes comprometidas com a luta no âmbito do legislativo pelos direitos da criança. É claro que depois Collor mandou dar pressa. Corre, corre, aprova, porque em setembro - por isso que é em julho e não em outubro a promulgação - em setembro tem a Cúpula Mundial da Infância em Nova Iorque, e eu preciso correr e chegar lá e dizer que o Brasil é o primeiro a editar uma Lei de proteção integral da infância e da juventude!E aí atropelou tudo. Quem não tinha interesse passou a ter o máximo de interesse.Eu assisti um dos fatos mais hilários. Aquele homem que tinha nos dito que não tinha clima no Brasil para uma legislação daquele tipo; que ia ser muito difícil, etc. etc., isso mais através do Renan, foi um homem que me apareceu de bege clarinho, em um ambiente que todo mundo usa escuro, como é Nova Iorque, no inverno, ele no seu terno bege, gravata bem espalhafatosa, levantando uma edição do Estatuto da Criança e do Adolescente – deixe-me colocar bem dramática a coisa - deste tamanho a edição, com letras gravadas em ouro; ele levantou igual a padre faz na missa, com o ostensório: Temos Lei! Naquele púlpito da ONU, e mostrou a todo mundo. Nesse momento o pessoal do SBIA saiu distribuindo versões do Estatuto nas cinco línguas oficiais da ONU. As formiguinhas... Foi aquele pasmo. Que país é esse?Nós conseguimos milagres. Conseguimos convencer um presidente de que o Estatuto era uma coisa boa. Chegou tarde, mas ele adiantou. O nosso cálculo é que o Estatuto da Criança e do Adolescente seria, salvo a coerência, tinha esse cálculo, 1993 que era do Unicef Brasília; 1994, mais tardar 1995 nós conseguimos. Esperava-se que pelo menos em 95 tivéssemos o Estatuto aprovado. E tivemos em 1990.O aniversário do Estatuto não é motivo para chorar, mas para comemorarmos mesmo. E eu digo: comemorar é só fazer memória de alguma coisa. Pode ser de uma coisa triste. Mas no Estatuto é comemorar e festejar.Eu sou um incorrigível otimista nesse ponto. Eu queria ver se contagiava os companheiros neste ponto. Vamos catar piolho no cavalo de São Jorge na Lua. Vamos. Isso é mania nossa de ficar nos detalhes. Mas vamos catar as coisas boas, porque no cavalo de São Jorge lá na Lua não tem só piolho, dizem que tem umas coisas de ouro. As lendas do interior da minha Bahia dizem que na Lua tem pó de ouro no cavalo. A gente só sabe procurar o piolho, o carrapato. Que tal fazermos esse exercício de verificar o nível de implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente alterando a realidade social que nós temos.A justiça juvenil é mais célere do que a justiça comum. Faça um levantamento. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) já fez esse levantamento. Um procedimento de apuração de ato infracional praticado por adolescente quanto tempo leva para ser julgado numa Vara da Infância? E pegue um crime praticado por adulto, quanto tempo leva uma ação penal tramitando numa Vara Criminal?Gente, eu fui Promotor Criminal boa parte da minha vida. Eu fui por dezoito anos do júri, onde se julga os crimes graves de homicídio, por exemplo. Vocês não sabem as vezes que essa mão assinou despacho pedindo arquivamento de processo de homicídio que pela lei prescreve em 24 anos. Então aquele processo ficou rolando na gaveta, nas prateleiras daquele cartório por mais de 24 anos! É isso que a gente quer para o combate à violência? É transformar os delitos cometidos pelo adolescente infrator em ações penais que vão durar quinze, vinte anos ou mais, é isso?Por que a gente não fala da celeridade da justiça juvenil? Não fala da especialização?Os juízes criminais vivem assoberbados, nós promotores, como era meu caso, não tínhamos tempo tal a quantidade de processos.Eu cheguei numa Vara Criminal onde a escrivã mostrou as prateleiras e disse:- Dessa prateleira daqui para baixo é para o senhor pegar; aqui para cima, não.Na época eu era promotor novo, fiquei fulo da vida. Quem é ela para dizer o que eu pego e o que não pego?Com o passar do tempo o sangue esfriou, e fui perguntar e ela disse: É que nós não temos condições de marcar audiências agora no ano de 1985, nós estamos marcando audiências para o ano de 1987. E aí estou sugerindo só o senhor pegar os crimes mais graves. Aqui tem rixa, tem lesão leve, então nesse caso, se o senhor for dar andamento a isso, os crimes mais graves vão ficar...Eu fui entender que ela tinha mais experiência do que eu e sabia melhor o que era o bom.Um juiz, um promotor, um advogado em área criminal não podem investir em formação como um juiz, um promotor, um defensor público, um técnico que atua na área da infância e da juventude especializada.O prazer que é para qualquer cientista, não é só na área jurídica não, ter uma especialidade e poder se dedicar, aprofundar-se, tornar-se bom, excelente naquele campo.Vejam porque eu me orgulho de festejar o Estatuto e não tenho vergonha de dizer isso, mesmo quando nas entrevistas já começam a perguntar sobre os obstáculos. Geralmente a pergunta dos jornalistas é no sentido:Por que o Estatuto não deu certo?Por que ele não entrou em vigor?Por que ele não foi implementado?Eu digo: Você está muito enganado. Não é verdade isso. Nós temos motivo para festejar.Eu dei umas quatro ou cinco entrevistas e todos me perguntaram isso: Há motivos para se festejar?O que está embutido na pergunta? Eu acho que não. Mas quero ver se o senhor é besta suficiente, abestado, e vem para cá me dizer se tem motivo.Pois eu sou um abestado mesmo. Temos motivos de comemorar e festejar o Estatuto da Criança e do Adolescente. Obrigado. (Aplausos).SRA. PRESIDENTE DEPUTADA BETHROSE (PRP): Mais tarde vamos até cantar os parabéns com bolo bem gostoso.Passo a palavra para o Rui, três minutos.SR. RUI AGUIAR (Unicef): Três minutos são o bastante.Eu queria dizer da satisfação de estar representando aqui o Unicef, e estar ao lado de um companheiro do Unicef que foi o Wanderlino, e da ajuda grande que nos deu.Gostaria de usar esses três minutos para homenagear o próprio Wanderlino que tem sido para a gente um mestre. Como cearense nós temos uma dívida muito grande com esse baiano que tem nos ensinado a cada encontro. Sempre me perguntava: O que eu vou aprender hoje com o Wanderlino? Então sempre há um motivo de aprendizagem, uma alegria grande.As palavras do Wanderlino quase que nos obrigam ao otimismo. Mas mesmo assim ainda resiste, Wanderlino, apesar de toda a disciplina do aluno com relação ao mestre, alguma teimosia de imaginar, não uma visão pessimista, mas de não se conformar.Eu acho que se a sua fala nos convida ao otimismo, por outro lado deixa brecha para não nos conformarmos com algumas coisas que ainda precisam ser discutidas, e muito bem discutidas na sociedade brasileira.Com relação ao Estatuto, eu acho que ainda resta o desafio do sistema de garantias e direitos da criança e do adolescente. Pelo menos na minha percepção é a grande dificuldade de compreensão das pessoas.Eu gostaria de ouvi-lo depois: Como a gente poderia nessa fase de maturidade de sair da lei em si e começar a promover o sistema:Então já não é mais uma questão de promover a lei, você bem disse; não é uma questão de a lei pegar ou não. A Lei pegou e está funcionando, não é uma questão de obstáculo.Mas onde é que a gente não pode se conformar?Essa é a pergunta que eu gostaria de lhe fazer. Quais são os pontos que você vê que estamos conformados demais e que poderíamos avançar?Eu gostaria de ouvir a sua opinião no que diz respeito à sociedade civil. Você colocou muito claramente as duas coisas: o art. 227, foi uma emenda popular; e depois todo o movimento pela Estatuto da Criança e do Adolescente também foi gestado no seio da sociedade civil.Como você vê hoje o papel desta mesma sociedade civil?Como fica a relação desta sociedade civil com o Estado que aprendeu com ela a como desenvolver política para crianças e adolescentes?Dentro dessa visão, como você vê, por exemplo, a crise de financiamento, que essa mesma sociedade civil colocou o melhor do seu esforço, do seu sangue, do seu suor, na luta para implementação do Estatuto, agora andar por aí com um pires na mão para ver se cai algum pingo dentro dele? (Aplausos).Eu acho que isso a gente não pode se conformar, e gostaria de ouvir a sua opinião sobre isso. (Aplausos).SRA. PRESIDENTE DEPUTADA BETHROSE (PRP): Passo para o Armando Luiz Bandeira.SR. ARMANDO LUIZ BANDEIRA (CEDCA): Eu queria cumprimentar a todos. Louvar a iniciativa da deputada Bethrose em estar promovendo; registrar o prazer de estar nesta Mesa com os companheiros de longas datas: Rui, do Unicef; Wanderlino, nosso professor; nosso adolescente, mascote; e a Rita do STDS.Eu tinha me policiado para não gastar nem os três minutos, e já vou economizar porque uma das provocações o Rui já fez, e eu queria ouvir sobre isso: mobilização social.Há um refluxo que diminuiu a nossa mobilização e, talvez, isso tenha impacto nessa história de algumas coisas, ainda, de políticas do Estatuto que a gente quer ver implementado, e não estamos vendo. É acomodação? É divergência? Eu gostaria de ouvir um pouco sobre isso.O Wandelino colocou de a gente estar se colocando na realidade histórica. Primeiro que eu sou otimista, fui contagiado pelo nosso professor, e o Wanderlino é o responsável na minha leitura, primeiro pelo desempenho diferente de outros Estados, sem nenhuma modéstia, do Conselho Estadual do Direito da Criança e do Adolescente do Estado do Ceará, e isso tem que ser um reconhecimento que nós temos procurado fazer esse papel de estar compartilhando com os municípios, e esse mérito não é só nosso, mas a gente tem mérito nisso.Há uma questão colocada hoje que tem me preocupado um pouco, numa leitura, para mim, de viés conservador, aonde deixamos de ter um Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente, e nos querem cobrar o Estatuto dos deveres da criança e do adolescente. Eu nunca li assim. Dever para mim sempre foi do Estado, da família e da sociedade, porque era um Estatuto de direitos.Eu tenho visto muito a demanda de que alguns municípios, alguns Conselhos têm feito para chamar alguém para falar sobre os deveres da criança e do adolescente, quando não se está preocupado no cumprimento dos direitos que não eram da Criança e do Adolescente quem tinha que estar garantindo.A segunda coisa é que o Rui acabou com a minha fala mesmo. Eu acho que é importante registrar esse reconhecimento do papel fundamental no desenvolvimento dos Conselheiros dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado do Ceará. Nós Conselheiros estaduais - e eu sou dinossáurico – mas também os Conselheiros Municipais dos Direitos, por conta dessa assessoria que o Wanderlino prestou durante anos ao Conselho Estadual.Eu acho importante estar aqui comemorando os vinte e um anos porque temos, de novo, o Wanderlino aqui para nos ajudar a comemorar juntos; e para mim é motivo de comemoração estar nesses vinte e um anos com o Wandelino nesse compartilhamento. Queria colocar era isso. (Aplausos).SRA. PRESIDENTE DEPUTADA BETHROSE (PRB): Passo a palavra para Maxwell Castro.SR. MAXWELL CASTRO (Cajer): Boa tarde.Faço parte do Espaço Jovem do Eusébio, Centro e Ação Jovem.A gente está falando de reconhecimento do Estatuto, tem uma coincidência, aliás, a nossa vida é cheia de coincidência, o aniversário do Estatuto é exatamente o dia do aniversário da minha mãe. O aniversário de vinte e um anos do Estatuto é o aniversário de trinta e oito anos da minha mãe.A minha mãe falava dois, três anos atrás, do bicho-papão do Conselho Tutelar:- Maxwell, se aquiete senão eu vou chamar o Conselho Tutelar! (Risos).Acho que eu tinha oito anos e ainda escutava falar de vários bichos-papões, e um era o Juizado de Menores, e agora é o Conselho Tutelar, na verdade, é o meu anjo-salvador, e as pessoas fazem uma visão totalmente errônea do Conselho Tutelar por falta de informação em relação ao próprio Estatuto da Criança e do Adolescente.Nós temos também de ressalvar, como o senhor Wanderlino falou, temos de festejar também realmente as coisas que vêm acontecendo.Se perguntassem à minha mãe, dez anos atrás, por exemplo, ela não sabia que existia o Estatuto; se perguntar a algum sujeito da sociedade civil, ainda se fala do Código de Menores, do Juizado de Menores.Hoje a gente vê nos noticiários de TV policiais falando que criança e adolescente cometeram um ato infracional.Infelizmente, mas eu me sinto até feliz quando escuto um policial dizendo que uma criança ou adolescente cometeu um ato infracional. Digo infelizmente porque o meu sonho é que nenhuma criança e adolescente cometa algum tipo de ato infracional. E a minha felicidade é ver que de certa forma, subentendidamente, há um reconhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, porque, no mínimo, ele já sabe se direcionar como crianças e adolescentes e não como menores. Obrigado. (Aplausos).SRA. PRESIDENTE DEPUTADA BETHROSE (PRB): Dra. Rita de Cássia Sidney.SRA. RITA DE CASSIA SIDNEY: Boa tarde a todos e todas.Cumprimentar a Mesa em nome da deputada Bethrose, e parabenizá-la pela iniciativa.Dizer que foi uma surpresa muito grande ter sido chamada para essa Mesa de tanta responsabilidade e de tantas pessoas importantes.De fato, vai fazer trinta anos que milito nessa causa da infância e da adolescência, mas sempre atrás dos bastidores. Sou uma pupila do Dr. Wanderlino, mas sempre desse lado. É uma grande honra estar dividindo essa Mesa com ele.Dizer Maxwell, no meu tempo era o bicho-papão, as ameaças eram com relação ao Santo Antônio do Buraco.E pensando nesta Mesa tão importante, eu preparei para dizer um pouco da história do Ceará porque eu participei de muitos momentos, por exemplo, a descentralização dos abrigos junto com a colega Sandra (está aqui), e nós conseguimos fazer com que muitos abrigos enormes passassem a ser abrigos pequenos, de com o Estatuto da Criança e do Adolescente, cumprindo tudo isso em pequenos grupos; o atendimento individualizado; participei também da implantação da semiliberdade nos municípios.Como o Dr. Wanderlino, também sou muito otimista, e acho que a gente tem muito mesmo a dizer que houve uma mudança positiva.Como eu passei uma década sob a égide do Código de Menores, então posso dizer que houve realmente uma grande mudança. Muita coisa ainda tem que ser construída; tem muito ainda que trilhar.A minha grande indagação, Dr. Wanderlino é: Onde está o Plano Nacional de Convivência Familiar?Puxando um pouco para a minha sardinha hoje que estou no serviço de acolhimento, diariamente eu recebo milhares de criança para ser abrigadas.A minha angústia é quando chega criança de municípios que ficam a 600 quilômetros de distância de Fortaleza para ser abrigada.Isso não é uma mentira. Quem trabalha com isso sabe dessa procura dos abrigos estarem sempre superlotados; o trabalho que a gente está fazendo em relação às famílias acolhedoras, é um programa que poderia ser desenvolvido nos municípios.Então, fica aí essa minha grande indagação. (Aplausos).SR. WANDELENO NOGUEIRA NETO (ANCED): Sempre se coloca a palestrante, conferencista, comunicador, a ideia de que lhe fazem perguntas e ele tem de responder. Eu estou perdendo esse costume. (Risos).Quando se coloca como aquele que é perguntado, dá a impressão que o mundo gira em torno de você, e que as pessoas querem saber só a sua opinião.Nós precisamos aprender que este é o momento não das perguntas, mas das afirmações. Foram reflexões feitas aqui e nós deveríamos respeitar como tal, porque o pensamento, a reflexão é múltipla. Não existe um pensamento único. Não é a minha fala única. A minha fala se completa com a fala do Rui, com a fala de Rita, de Maxwell, do Armando. Todas são falas complementares. Qual a diferença? Eu tive mais tempo do que três minutos. Eu tive 30 minutos!Eu só queria fazer uma despedida e um comentário em cima dos comentários quanto ao otimismo e inconformismo.Rui, eu acho que o otimismo burro é aquele que fica rindo para tudo; tudo é uma maravilha e ele está sorrindo. Você já notou quem é? O portador de Down aceita o que seja; o bêbado; pessoas que tenham algum deficiting têm esse otimismo, por exemplo, de ri quando lhe pisam nos pés. Eu não. Eu mando para aquele lugar. Isso é inconformismo.Nós vamos aprender a ser otimistas e inconformistas ao mesmo tempo.O otimismo me faz ver que eu já caminhei muito. Eu olho para trás e vejo o quanto já caminhei, e fico otimista. Mas o inconformismo me deixa na mesma posição na estrada. Eu não saí da estrada, e olho para frente e vejo o quanto tenho de andar ainda. Daí eu vejo o quanto devo me conformar com isso.Eu acho que nós precisamos dessa palavra do Rui mostrando que ser otimista não significa que agora nós vamos baixar as bandeiras e não vamos lutar. São coisas com as quais não nos conformamos. Nós precisamos lutar.Eu disse a uma jornalista, pedi para ela não usar a palavra “obstáculo” do Estatuto, diga “desafios”.Nós não temos obstáculos, mas desafios. O desafio é como uma pedra no meio da estrada, essa é a única forma de pobre ir para frente, quando dá uma topada numa pedra e vai para frente. O desafio é uma pedra na estrada, me faz tropeçar, mas me leva a andar para frente. Isso é o importante.Se eu trouxe uma mensagem de otimismo, é também uma mensagem de inconformismo. Mas o inconformismo com o otimismo tem uma vantagem, sabe o que é? Como você é otimista acredita que mesmo inconformado vai ter a capacidade de alterar àquela realidade.Por exemplo, o Estatuto enquanto lei fez o que podia. O que é que nos falta? O reordenamento normativo foi feito, mas precisávamos do reordenamento institucional que é o sistema de garantia de direitos.O Estatuto veio. É o mal de termos sidos tão pioneiros. Depois eu fiz consultorias eventuais. O Unicef me mandou para o Paraguai quando se estava se elaborando; e eu já encontrei por lá a ideia Sistema de Garantia de Direitos.Quando a ANCED falava em Sistema de Garantia de Direitos, iam dizer: Que maluquice, onde é que achou isso?Muita gente da nossa área tem um hábito assim: Onde é que está isso no Estatuto?Eu soube que agora na reunião do Conanda – eu sou entregador que só (risos) - Comitê de Enfrentamento da Violência da Sexual propôs que o Plano chamasse Plano de Garantia dos Direitos Sexuais e Enfrentamento da Violência Sexual. Um Conselheiro perguntou: Existem direitos sexuais de crianças e adolescentes, não é um equívoco nisso, mesmo porque eu já li o Estatuto várias vezes e não encontrei nenhum artigo que falasse em direitos sexuais.Veja que essa ideia tacanha de imaginar que tudo tem que estar na lei. Não. O Sistema de Garantia de Direitos não está desenhado na lei brasileira porque nós somos muito precoces. Como eu disse, existem países ainda fazendo adequação, elaborando os seus Estatutos. A França não vai terminar mais nunca, porque está fazendo cada lei sua examinando a partir da Convenção e alterando àquela lei. Eles não querem uma lei genérica.O Paraguai fez uma lei genérica. O primeiro capítulo é com Sistema de Garantia de Direitos. Para nós isso está numa Resolução do Conanda, e ela é mais didática do que institucionalizante, porque não tenho poderes. O Conanda não é exercício de controle nem de formulação de política. Ele não formula nenhuma política. Mas ele serve, didaticamente, de professor, dizendo: Se nós aceitamos a Constituição Federal, a Convenção e o Estatuto, isso implica em termos um reordenamento institucional.Qual é esse reordenamento institucional?Baseado no modelo internacional, onde existem órgãos de promoção de direitos como o Unicef que capitaneia, a OIT (Organização Internacional do Trabalho); OMS (Organização Mundial da Saúde), são órgãos de promoção da política internacional do direito da criança e do adolescente.Órgãos de defesa e de proteção: a Corte da Haia; São José da Costa Rica; Corte Interamericana; o Tribunal Penal de Roma.Órgãos de controle: Conselhos de Direitos. Existem os Comitês de Direitos da Criança.Vejam se isso não é um sistema igual ou quase ao das Nações Unidas. Só falta para nós a consciência de que isso existe, e de que tenhamos, no futuro, alguma reforma do Estatuto onde se coloque um capítulo descrevendo, mais ou menos, dizendo que além de trabalhar em rede – no Brasil adora-se falar em rede, - mas a rede é só atendimento. Só se faz rede de atendimento. A rede é de atenção direta, é articulação política, integração operacional de agentes que fazem atendimento direto.O amplo onde todo mundo está, o caldo de cultura, o sistema holístico é Sistema de Garantia de Direitos.O Sistema de Garantia de Direitos contempla o sistema de justiça, o sistema de assistência social, de saúde. Todos os sistemas estão dentro do Sistema de Garantia.Vocês já notaram que o pessoal de políticas públicas tem o hábito de dizer: O Sistema de Saúde se articula com o Sistema de Garantia de Direitos! Não é “com”, mas se articula “no”, ou seja, dentro do Sistema de Garantia. Ele não é um Sistema Operacional.O Sistema de Assistência, o Sistema de Saúde são Sistemas Operacionais. O nosso não, é uma lei de articulação. É uma lei que coloca paradigmas e princípios como orientadores, e faz com que todos os sistemas de políticas públicas, inclusive, também, o Sistema de Justiça, atuem de maneira holística onde cada parte depende de um todo. Foi isso que eu aprendi o que era holística.Se uma parte cai, derruba o todo. Se uma parte cresce, tem obrigação de puxar todos para cima. Se um grupo está fraco, ele enfraquece o sistema como um todo.Se não houver essa irmandade, essa ideia caldo cultural de multidisciplinaridades ou intersetorialidade, multiculturalismo, então não pode haver o sistema holístico.A outra questão é sobre a sociedade civil. Eu sou hoje sociedade civil e posso fazer uma autocrítica realmente.A sociedade civil se entusiasmou muito por ser parceira do Estado na execução de políticas. Esse é um papel secundário da sociedade civil. O seu verdadeiro papel é de mobilização e de controle social. (Aplausos). Está faltando muito da nossa parte isso! A sociedade civil está disputando migalhas para fazer uma crechezinha que saia barato para o Estado. (Aplausos). Nós temos que cobrar prestação do serviço público pelo Estado. A sociedade civil está aí para inovar, para apresentar projetos alternativos como sempre fez no passado. A sociedade está aí para dizer: O Rei está nu! Cobrar; fazer controle. E isso é importante. Atualmente, eu sinto muito essa necessidade.A questão do financiamento. Eu sei que os tempos estão difíceis, mas quando o tempo é difícil, o que tem que fazer? Perguntem ao jacaré quando nada num rio de piranha. Ele nada de barriga para cima. Está entendido ou precisa que eu explique? Então em rio de piranha jacaré nada de costas. E nós não aprendemos que em tempo de escassez de recursos, nós temos que criar novas estratégias de captação de recursos, e nós continuamos esperando que exista...Eis o problema do Unicef, de tão bondosa que foi sustentou a sociedade civil por muito tempo, mais do que devia, porque um organismo internacional é para financiar por determinado tempo; ajudar o menino a começar a andar e depois dizer: Cresça meu filho, e vá embora.Aqui a sociedade civil ficou sempre esperando muito - isso é uma autocrítica que eu faço - que viesse dinheiro fácil. Os tempos hoje são difíceis. O Leste Europeu está levando parte do nosso dinheiro. A situação na África se tornou mais aguda. O dinheiro que vinha para nós está indo para a África. Eu não posso me queixar disso. O Brasil está crescendo, é um emergente. O Brasil vai disputar dinheiro com a Somália, com o Sudão, com Myanmar. Não tem sentido continuarmos a dizendo: Eles que se lixem! Eu quero esse dinheiro sendo aplicado no Brasil! Não é muito justo. Mas o que nos falta? Estratégia. No Brasil, tanto governo como sociedade civil são ruins em estratégias.Nós sabemos definir grandes objetivos, grandes metas, mas a estratégia, que é definir o caminho, nós não temos muita força nisso.Então, nós precisamos descobrir novas formas de financiamento, novas formas de captação de recursos ou de autocaptação de recursos. Eu sempre disse isso. A sociedade civil não pode ficar só esperando cooperação internacional, por exemplo, financiar seus projetos, tem de vender serviços também. Perdoe-me se alguém não concorda com isso, mas tem de inventar formas; fazer cofrinhos e não sei o que é mais, mas tem que ter estratégias de arrecadação.Eu dou o meu testemunho. Eu e algumas amigas, no Rio de Janeiro, completando um ano agora, nós criamos um novo Centro de Defesa. Todo mundo diz assim: Vocês são doidos! Num período que não tem financiamento, não tem dinheiro! Agora já tem companheiros de outros Centros com invejinha branca: Como é que vocês estão se mantendo? Gente, estratégia, criatividade. O grupo é muito bom, e dentre ele está a Maria América Ungaretti; sabe como a América é e aprendeu na nossa mesma escola.E nós estamos conseguindo nos manter, enquanto tantas ONGs estão com dificuldades nós estamos ampliando os serviços, ampliando o quadro; promovendo eventos. Como? Não que sejamos mágicos, mas nós sabemos administrar a escassez.As Organizações Sociais (OS) são cíclicas. Como eu sou otimista, eu digo que é sempre para o alto, mas em forma espiralada, não é linear. Então nós temos fases. E eu vejo que nós estamos numa fase que é para baixo. Mas pode-se verificar que existem determinados sintomas de avanços e de retrocessos. O que nós precisamos é fortalecer avanços e neutralizar os retrocessos.Maxwell, eu fico feliz só em te ver sentado aí. O gesto simbólico da deputada foi importantíssimo.Nós esquecemos a força do símbolo, deputada. Não era para ele assumir seu mandato de maneira nenhuma, mas simplesmente colocá-lo sentado nesta posição dizer: Está chegando a vez do poder jovem!O Brasil soube implantar Convenção através do Estatuto de maneira bastante satisfatória. Mas teve um ponto que nós apanhamos no Comitê de Genebra e foi uma das maiores críticas. Imagine país mulçumano dizendo que o Brasil tinha nota zero no direito à participação prevista na Constituição! Ah, me dava vontade de dizer: Olha quem está falando...Realmente o Estatuto tem poucos dispositivos a respeito. Nós não alteramos Código Civil e outras legislações, e também a nossa prática foi de usar crianças e adolescentes para balançar bandeiras; convida; leva para o evento; manda cantar; jogar, declamar uma poesia.O adulto sempre acha que criança e adolescente estão morrendo de fome (risos); tem uma merendinha aí fora para vocês. Mentira. A tal merendinha é para os meninos saírem da sala porque ali os adultos irão tratar de assuntos sérios.Atualmente o mundo adulto está respeitando o espaço principalmente do adolescente. Já não se pensa fazer só atividade lúdica, como só quem tivesse direito ao ludicismo era a criança e o adolescente. O adulto também não tem momentos lúdicos? Claro que tem. Tem que ter. A criança e o adolescente têm que ter momentos lúdicos? Tem que ter. Mas também tem que ter momentos sérios. E eles têm que ser capacitados e emponderados para participar de momentos desses.O Maxwell se sentando nessa posição é uma atitude de emponderamento.Se me perguntarem: O que é emponderar? Qual a diferença de capacitar? É claro, se ele estiver no Eusébio, o professor está garantindo capacitação. O Eusébio está sempre querendo ganhar todos os campeonatos de alguma coisa. Saiu no Globo, edição do dia 20 de junho, é manchete.Voltando. Capacitação sim, mas também gestos de emponderamento. É dizer: Você pode! Você tem capacidade!Uma coisa é a pessoa ser capacitada para fazer alguma coisa, desenvolver, construir competências técnicas, científicas. Isso é uma coisa. Capacidade é outra. Todos os adolescentes têm capacidade. Nós é que não sabemos reconhecer. Nós é que não os ajudamos potencializando, empoderando-os para que apresentem sua capacidade, que é só.O que é esse grupo que apresentou aqui? Circo? Não. O que é que tem por trás daquela apresentação? Competência técnica.Eu sou da área de música também madrigal de camerata. E eu fiquei embasbacado com a apresentação deles; com a pureza de som; não se perde uma nota.O que é que tem atrás ali Jovens que foram empoderados; eles se deram a oportunidade de vir aqui mostrar competência técnica, habilidade. Nota dez. Eu bato palmas.Mas simplesmente vestir camisa de entidade, ó coisa que me dá... Eu não gosto desse modelo não. Bota camisa de entidade para encher salão, balançar bandeirinha, e na hora ‘h’, como eu digo: sair para tomar a merenda lá fora.Rita, muito obrigado pelo registro.Pela manhã foram lembradas muitas situações em que o Ceará foi pioneiro e mostrou ao resto do Brasil, principalmente ao Sul maravilha, de que aqui se faziam coisas pioneiras e avançadas. E você me trouxe exemplos concretas com a minha amiga Samara de atitudes importantes de mudanças positivas.A vem à questão do plano de convivência familiar.Em primeiro lugar vamos ser otimistas dizendo que ele já produziu o máximo que podia produzir era reforma do Estatuto.O plano tinha, para mim, um grande defeito: ele tinha regras, normas e desenhos que eram ilegais porque não tinha anteparo da lei. Ele estava contra o Estatuto. Mas depois eu fui observar que tinham umas notas de pé de páginas que, às vezes, eram omitidas, a depender de alteração legislativa.Foi feita a alteração legislativa, é o que chama de lei de adoção, e não é lei de adoção, mas lei de Garantia do Direito a Convivência Familiar e Comunitária.Otimistamente eu digo que já produziu um grande fruto, falta o segundo, e aí vem o inconformismo de Rui: falta vencer o dragão pior.Por que ter mais dificuldades na luta em institucionalização da nossa infância?É porque a cultura brasileira é neste sentido. Você vai encontrar a maior dificuldade de fazer com que as famílias acolham as suas crianças não do jeito que elas querem que as suas crianças sejam. O problema maior é esse.- Eu não dou conta do meu filho. Eu vou entregar (antigamente era o juizado de menores) para o abrigo. Eu vou entregar para o Conselho Tutelar.E tem Conselho Tutelar que cai nessa esparrela e comece a fazer acolhimento institucional à toa, à vontade.Há uma necessidade de um processo educativo muito forte e de muita coragem da parte de vocês que estão nessa área de enfrentar a cultura de criar alternativas. Não basta você dizer: Não, não institucionaliza! É preciso criar alternativas à institucionalização. E isso é política pública, é gasto e dinheiro; é investir em determinados programas um programa de ocupação e renda, por exemplo, gastam-se dinheiro, mas é uma grande alternativa ao acolhimento familiar institucional; porque assim retiram-se uma das justificativas: Não tenho renda; não tenho emprego nem ocupação.Ajude essa família a gerar emprego e renda, e com isso tenha programas não de migalhas, mas que demonstre a opção política daquele governo no sentido de fazer uma luta contra o acolhimento institucional.Sai bem mais caro o que se gasta no acolhimento do que se tivéssemos bons programas na área de assistência social de emponderamento da família, de capacitação, construção de competências familiares.Muito obrigado. Desculpe deputada, acabei fazendo uma palestra, mas as perguntas como são curtinhas são mais instigantes do que os grandes discursos. (Aplausos).SRA. PRESIDENTE DEPUTADA BETHROSE (PRB): Gilberto, do CRAS do distrito do Pecém, do município de São Gonçalo de Amarante, pergunta:-Nesses vinte e um anos o ECA propiciou muitos avanços à criança e ao adolescente, porém, quais outras tendências merecem atenção especial nos próximos dez anos?SRA. GLAUCIANE (Plenária): Eu me sinto contemplada. Só gostaria de dar um exemplo da importância desse otimismo enquanto conformismo. Hoje a teve a gravação do PL SUAS.SR. MANOEL BARBOSA (Plenária): Boa tarde a todos.Parabéns à deputada Bethrose por este encontro e pela avaliação do nosso professor Wanderlino.Eu tive experiência na prática porque trabalhei numa Casa de Retenção Provisória chamada Patativa do Assaré, na qual eu fui Chefe do Setor de Monitoramento.Eu sou Sociólogo; e aquilo me deixava triste e às vezes eu chorava vendo àquelas aberrações, vendo aqueles maus-tratos. Um dia eu cheguei para o diretor:- O senhor não está interagindo com o Estatuto da Ccriança e do Adolescente não, porque eu vejo aí coisas por parte até da direção e não era para ser assim!Ele chegou a zangar-se. E eu disse: Vamos para frente.Duas semanas depois da posse aconteceu uma rebelião e foi uma coisa triste, horrível! Pense em presenciar aquilo na televisão e ter que pontuar onde foi; fazer um relatório e passar para o cidadão. E onde estava o cidadão? Domingo, à tarde, assistindo o jogo no Castelão.Eu liguei para ele: Venha para cá porque o negócio não está fácil!Eu abandonei e tive de entrar para ajudar a tirar os pobres dos agentes que estavam sendo pendurados de cabeça baixa e sendo surrados.Por que isso? Eu vi que não existia uma disciplina, um monitoramento direto com os adolescentes e as crianças, e a falta de preparo dos próprios monitores que com eles estavam. Era só isso. Muito obrigado. (Aplausos).SRA. PRESIDENTE DEPUTADA BETHROSE (PRB): Eu agradeço a presença de todos, de coração. Acho que foi uma tarde de muitas discussões. Foi brilhante a palestra do Dr. Wanderlino. Eu tinha uma vontade muito grande de conhecê-lo, e tive essa oportunidade. Eu agradeço muito por ter aceitado esse convite de estar aqui no nosso Ceará, principalmente na Assembleia, para dar essa palestra.Eu tenho certeza que todos aqui sairão satisfeitos. E quem não veio vai ficar arrependido de não ter ouvido.Convido a todos para irem ao pátio e escutar o Hino Nacional; depois, os parabéns do Estatuto e um coffee break.Muito obrigado, de coração, pela presença de todos e de todas  

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